Texto: Luiz Gonzaga Godoi Trigo, 2015
O tratamento científico da qualidade industrial II –
Os processos estatísticos
de W. Shewhart
O início do século 20 foi marcado
pela inclusão de “processos” nas práticas de qualidade. Um processo, de acordo
com a American Society of Quality, é
definido como sendo um grupo de atividades que partem de uma base inicial ou input (matéria-prima, projeto etc.),
adicionam valores a ela e chegam a um resultado concreto (output). Um exemplo é o trabalho de um chefe de cozinha que com uma
pilha de ingredientes elabora um processo para transformá-los em um prato ou
uma refeição completa.
Um dos colaboradores principais
dos processos de qualidade foi o estatístico Walter Shewhart, dos laboratórios
Bell, nos Estados Unidos. Em meados da década de 1920 ele iniciou uma série de
pesquisas direcionadas a processos controlados na indústria. Com isso, a
relevância da qualidade não se restringia apenas ao produto acabado, mas aos
processos que possibilitavam a criação desse produto. Foi um passo a frente do
trabalho de Taylor. Shewhart reconheceu que os processos industriais envolvem
dados objetivos. Por exemplo, em um processo industrial na metalurgia, onde o
metal é cortado em chapas, são necessárias certas medidas precisas como o
comprimento, largura e espessura exigidas para cada chapa. Shewhart determinou
que esses dados seriam analisados por técnicas estatísticas para acompanhar como
cada processo de fabricação é estável e controlado, ou seja, se as medidas
exigidas no projeto são as medidas efetivamente produzidas. Se houver algum
erro há que se determinar se as causas são inerentes ao processo ou externas a
ele. Shewhart lançou os fundamentos das tabelas de qualidade muito utilizadas
na indústria. Seu método é conhecido por Statistical
Quality Control ou SQC (Controle Estatístico de Qualidade).
No dia 16 de maio de 1924,
Shewhart enviou um memorando para seu pessoal na Bell Telephone Laboratories onde
esquematizava o que é hoje uma moderna tabela de controle de qualidade. Ele
continuou a aprofundar suas pesquisas e, em 1931, publicou um livro sobre
controle estatístico de qualidade intitulado Economic Control of Quality Manufactured Product, através da
editora Van Nostrand, de Nova Iorque. Dois outros estatísticos dos laboratórios
Bell, H. F. Dodge e H. G. Romig, foram pioneiros em aplicar a teoria
estatística na inspeção das linhas de montagem. As pesquisas desses três
estatísticos influenciaram fortemente as atuais teorias sobre controle
estatístico de qualidade.
Curiosidade:
A ciência do controle estatístico de qualidade é relativamente nova. A própria
estatística possui dois ou três séculos e suas grandes contribuições ocorreram
apenas no século 20. Suas primeiras aplicações foram nos campos da astronomia e
na física, e nas ciências sociais e biológicas. Foi somente na década de 1920
que ela começou a ser aplicada em controle de qualidade industrial.
A importância da guerra no controle de padrões de qualidade
A Segunda Guerra Mundial
(1939-1945) foi fundamental para expandir as exigências da qualidade industrial
nos Estados Unidos e posteriormente disseminá-los pelo mundo do pós-guerra,
especialmente no na Europa e no Japão, e daí para outros países da Ásia.
Os EUA entraram na guerra em
dezembro de 1941, logo após o ataque japonês à base naval de Pearl Harbour, no
Havaí. A declaração de guerra originou decretos legislativos para orientar a
economia civil do país a atender as exigências militares. Naquela época os
contratos militares preocupavam-se primordialmente com os custos mais baixos
que as empresas ofereciam para atender seus contratos. O esforço de guerra foi
formidável. Os EUA e seus aliados na Europa enfrentavam as poderosíssimas máquinas
de guerra da Alemanha e Japão e os primeiros anos foram de incerteza perante o
poder militar do denominado Eixo (Alemanha, Itália e Japão). Era preciso
planejar, fabricar, despachar e distribuir armas e munições, veículos
terrestres navais e aéreos, roupas, suprimentos alimentares, remédios e
equipamentos médicos, calçados e equipamentos de comunicação. Sem contar as
peças de reposição, material de escritório, atendimento ao pessoal de apoio
(médicos, enfermeiros, jornalistas, engenheiros, mecânicos etc.) e sistemas
logísticos altamente complexos. Não poderia haver muitas falhas ou carências,
pois isso significaria a derrota militar dos aliados (Estados Unidos, Reino
Unido, França e ex-União Soviética) e o domínio do mundo pelo totalitarismo
nazista alemão e pelo totalitarismo nipônico.
Durante o período da guerra o
controle de qualidade tornou-se importante devido às exigências de segurança e
precisão. Falhas e erros eram inaceitáveis porque significavam comprometimento
da segurança das tropas. As forças armadas inspecionavam virtualmente cada
unidade produzida para assegurar sua segurança operacional. Essa prática exigia
um número muito grande de inspetores, o que causava problemas de recrutamento e
treinamento de pessoal especializado em inspeção e controle. Para solucionar
esse desafio, sem comprometer a segurança dos produtos, as forças armadas
começaram a usar amostragem aleatória na inspeção para substituir a prática de
analisar todos os produtos. Várias indústrias ajudaram a organizar um método
que possibilitasse um controle por amostragem confiável, inclusive os
laboratórios Bell. Eles adaptaram tabelas de amostragem de qualidade industrial
e as publicaram em formatos destinados às necessidades militares. Essas tabelas
receberam a denominação Mil-Std-105.
Conheça mais:
As forças armadas norte-americanas possuem uma série de tabelas e procedimentos
para controle de qualidade em usos militares. Uma boa parte desses
procedimentos baseia-se no Controle Estatístico de Qualidade (SQC, em inglês).
No site www.sqconline.com essas tabelas militares
podem ser acessadas (on line) para
fazer controle de amostragem de diferentes produtos, inclusive civis. É um
procedimento técnico que exige conhecimento prévio dos parâmetros estatísticos
e engenhariais de qualidade.
A
tabela militar clássica norte-americana denominava-se MIL-STD-105.
Posteriormente foi denominada MIL-STD-105E e finalmente, em fevereiro de 1995,
foi cancelada e substituída pela tabela geral ANSI/ASQC Z1.4-1993.
ANSI
significa American National Standards
Institute (www.ansi.org). É uma instituição norte-americana privada
sem fins lucrativos. Foi criada em 1918, com o apoio das associações nacionais
de engenheiros civis, elétricos mecânicos, de minas e metalurgia e dos
materiais de teste de resistência, além dos departamentos de Guerra e Naval dos
Estados Unidos (hoje Defesa) e do Comércio. Para acessar cursos básicos grátis
(em inglês) sobre padrões acesse www.standardslearn.org
.
No
Brasil existe a ABNT - Associação
Brasileira de Normas Técnicas (www.abnt.org.br),
criada em 1940 e que é responsável pela padronização de normas no país.
No mundo há três organismos internacionais
que respondem pelos principais padrões estabelecidos:
ISO – International Organziation for Standardization (Organização
Internacional de Normalização) – Criada em 1947, em Genebra, Suíça, é uma entidade
que aglomera os grêmios de padronização e normalização de 158 países. No Brasil
é representada pela ABNT, nos Estados Unidos pela ANSI e na Alemanha pela DIN (www.din.de).
IEC – International Electrotechnical Commission (Comissão Internacional
de Eletrotécnica) – Criada em 1906, em Londres, possui 68 países membros,
inclusive o Brasil. Prepara e publica padrões para as tecnologias de
eletricidade, eletrônica e tecnologias relacionadas que servem de base para
padronizações nacionais e referência para os contratos e acordos
internacionais. www.iec.ch
ITU – International Telecommunication Union (União
Internacional de Telecomunicações) – Agência da organização das Nações Unidas
para as tecnologias de informação e comunicação. Sediada em Genebra, Suíça,
possui 191 países membros e mais de 700 associados. www.itu.int
Os esforços de guerra trouxeram
benefícios referentes à melhoria de qualidade para algumas empresas nos EUA,
mas muitas instituições não se motivaram para realmente integrar essas novas
técnicas. No momento em que as encomendas eram entregues ao governo terminava a
inspeção federal. Com o final da guerra, várias empresas retomaram suas antigas
práticas de produção a custo baixo e muitos programas SQC tornaram-se
procedimentos esquecidos.
O surgimento de um sistema de
controle de qualidade mais abrangente e efetivo nos Estados Unidos foi,
paradoxalmente, resultado de sua vitória na guerra contra o Japão. Os EUA
tiveram que dar uma resposta à revolução de qualidade industrial que tomou
conta do Japão, resultado dos próprios esforços norte-americanos.
O final da Segunda Guerra não
significou a paz. A vitória do bloco dos países aliados (EUA, Reino Unido,
França e a antiga União Soviética, hoje Rússia) também causou uma ruptura nesse
bloco. A União Soviética (URSS) retomou seus interesses geo-políticos na Europa
e na Ásia. Os Estados Unidos, grandes vitoriosos ao lado da URSS, partiram para
enfrentar a ampliação do socialismo pelo mundo já que a Europa Oriental e parte
da Ásia ficaram sob influência da ex-URSS. Assim iniciou-se a chamada Guerra
Fria (1947-1991) que só terminou com o colapso da União Soviética e de seus
países-satélites do Leste Europeu.
A expansão do socialismo na Ásia
causava preocupação aos norte-americanos. Com a ocupação do Japão, em 1945, os
EUA garantiram um cordão de proteção contra o socialismo formado pela Austrália
e Nova Zelândia, ao sul, pelas ilhas do Pacífico, pelo sudeste asiático e pelo
Japão, um país completamente destruído pela guerra e que precisava de ajuda
para se recuperar. Mas a ajuda demorava a chegar. O Plano Marshall, um programa
de apoio econômico aos países europeus destruídos pela guerra, inclusive os
antigos inimigos Alemanha e Itália, foi bem sucedido e ajudou os países
europeus a recuperarem, lentamente, sua produção industrial comprometida pelos
bombardeios e ocupações militares.
A ex-URSS teve perdas imensas de
população ao longo do conflito, mas sua vitória significava um alento aos
ideais socialistas proclamados pela revolução de 1917. O próximo passo seria a
expansão de sua ideologia pelo mundo todo. A China (que fora ocupada
militarmente pelo Japão) e a Mongólia tornaram-se socialistas em 1949. O
sudeste asiático entrava em processo de instabilidade, especialmente na
Indochina o que causaria, no futuro, a guerra do Vietnã. Mas havia uma guerra
mais urgente. Em 1950 uma revolução socialista dividiu a Coréia em duas partes,
a do norte, socialista e a do sul, capitalista. Os EUA entraram na guerra para
proteger seus interesses na Ásia e garantir a manutenção do sul da Coréia em
sua área de influência. Mas a Coréia ficava do outro lado do mundo. Se, em
pleno século 21, os EUA precisaram de semanas para articular a logística de
suas guerras no Afeganistão (2001) e no Iraque (2002), imagine em plena década
de 1950 quando o Oceano Pacífico significava uma extensão de água extensa e
custosa para se atravessar. Os EUA precisavam de apoio logístico em algum país
asiático para produzir e armazenar armas, munições, alimentos, remédios, roupas
e equipamentos destinados aos esforços de guerra na Coréia. Uma solução
provável seria o Japão, onde a ocupação norte-americana garantia o controle do
território. Mas o país estava destruído e sua produção industrial nunca fora
marcada pela qualidade.
Japão: dos destroços da guerra à qualidade total
Os EUA criaram então, em 1951, o
Plano Colombo, um programa de ajuda econômica, técnica e comercial ao Japão. Não
era apenas uma ajuda econômica. Para melhorar a indústria japonesa os EUA
enviaram especialistas em administração e engenharia para ensinar aos japoneses
os princípios da qualidade industrial. É nesse momento histórico onde
entram Deming e Juran,
personagens principais do próximo capítulo.
Imagine um país devastado pela
guerra, derrotado, ocupado militarmente pelos seus inimigos e que ainda por
cima trazem pessoas para dizer que seus produtos são ruins e ensinar como podem
ser melhorados. O General Douglas MacArthur, comandante supremo das tropas de
ocupação norte-americanas no Japão, fez uma revolução democratizante de sentido
político, econômico e institucional. A ocupação militar durou até 28 de abril
de 1952, quando se firmou em
São Francisco o Tratado de Paz entre o Japão e os Estados
Unidos.
Graças à cultura japonesa,
bastante pragmática e objetiva no que se refere aos negócios, houve abertura
para ouvir e entender os argumentos e procedimentos dos estrangeiros. Por outro
lado havia uma história, pois os Estados Unidos tentaram contatos comerciais
com os japoneses desde meados do século 19 e a ocupação militar não foi brutal
ou tirânica, respeitando inclusive parte do poder do Imperador Hiroito. Para os
empresários e lideres políticos japoneses a ocupação norte-americana não foi a
maior das tragédias, pelo contrário, alguns comemoraram quando souberam que o
exército de ocupação seria o yankee.
Seus temores eram de que os socialistas soviéticos ou os ingleses e franceses
(com péssimas histórias de ocupação no antigo mundo colonial) viessem a ocupar
seu país.
Abertos para aprender algo com um
povo que aos poucos eles passaram a respeitar, os japoneses procuraram por em
prática o ditado de que o bom aluno é aquele que supera o mestre, portanto
ampliaram as técnicas de SQC para algo mais abrangente denominado Controle
Total de Qualidade (TQC, em inglês), que se realizava desde a matéria-prima até
o produto final. Em poucos anos começaram a competir com os EUA, ampliaram sua
força de produção através da Ásia, reinventaram as concepções do automóvel, da
indústria eletrônica e do entretenimento.
O reposicionamento da indústria
de guerra japonesa para finalidades pacíficas e a inserção de métodos e
técnicas norte-americanas para auxiliar a economia japonesa começaram a surtir
efeitos positivos em pouco tempo. Os norte-americanos faziam encomendas aos
fabricantes nipônicos para abastecer suas tropas na guerra da Coréia
(1950-1953) e havia queixas sobre a inconstância ou a falta de padrões de
qualidade, justamente o que motivou a ida dos consultores americanos ao país.
Uma das primeiras medidas foi a criação dos chamados Controle Total de
Qualidade, visando aperfeiçoar os controles de qualidade norte-americanos
convencionais e fazer a inspeção prévia de todo o processo produtivo, desde a
matéria prima até o produto acabado. Esses processos iniciais tiveram a grande
colaboração dos consultores norte-americanos Juran e Deming, ao longo da década
de 1950. Em 1962, o professor Kaoru
Ishikawa elaborou os chamados Círculos de Controle de Qualidade (CCQ). Ao longo
da década de 1960 eles se difundiram por todo o arquipélago japonês como parte
de um movimento que visava atingir o “zero defeito” na produção. Chegaram a existir mais de um milhão de CCQ
no Japão, com mais de 8 milhões de membros. No exterior, o primeiro CCQ foi
criado nos EUA, na Lockheed Aircraft Corporation que, em 1973, enviou um grupo
de estudos ao Japão. Com o tempo novos métodos de controle de qualidade foram
sendo estruturados e implantados, substituindo a antiga forma de CCQs.
O importante é que o Japão
entendeu que a modernização de suas estruturas era uma necessidade imperiosa
para enfrentar os desafios contemporâneos e teve uma abertura para com os
consultores estrangeiros que foram até seu país para ensinar-lhes algo novo. Um
dos valores mais fortes da cultura japonesa é justamente essa abertura para o
novo, desde que traga benefícios e novas possibilidades de desenvolvimento.
O Japão é um ótimo exemplo de como qualidade depende da cultura,
abertura e disponibilidade de uma pessoa ou grupo para ser implantada,
aperfeiçoada e ampliada.
Uma visão histórica – Em 1956, uma
publicação especial japonesa comemorava a crescente onda de progresso e
desenvolvimento do país. A própria revista, com 46 cm X 25,5 cm., em cores e 320
páginas é, em si, um exemplo de excelência em qualidade da indústria gráfica
japonesa da época. Aqui estão reproduzidos os primeiros parágrafos do texto de
Jungo Sakura (tradução do inglês):
“Da reconstrução ao progresso – A terrível
guerra na qual o Japão esteve envolvido terminou no dia 15 de agosto, quinze
anos atrás. Hoje, ainda nos lembramos daquele dia como um pesadelo. Quando a
guerra terminou, muitas das maiores cidades no Japão tinham se tornado áreas
devastadas com solos calcinados. As estruturas de aço dos edifícios destruídos
e carbonizados ficavam à vista, derretidas e retorcidas e as árvores
desfolhadas pelos incêndios formavam cenários fantasmagóricos. Havia infinitas
pilhas de destroços. Nas vizinhanças pessoas viviam como ratos amontoadas em
casebres feitos de pedaços de lata queimada ou de restos de abrigos antiaéreos.
As pessoas se perguntavam se um dia os japoneses voltariam a viver como seres
humanos novamente. Eles sequer podiam se esforçar para viver como pessoas
normais. Completamente desesperançados eles apenas lutavam pela mera
sobrevivência cotidiana. Fábricas e lojas estavam fechadas ou destruídas. As
poucas lojas ofereciam em suas escassas prateleiras apenas potes e panelas
feitas de duralumínio, um dos materiais essenciais para a fabricação de aviões
e armas durante a guerra. De aviões a panelas era o melhor que os japoneses
podiam fazer para converter sua indústria bélica em indústria nos tempos de
paz. Ginza, hoje uma das mais sofisticadas ruas comerciais do mundo, estava
soterrada por entulho esperando ser removido. Havia pessoas morrendo de fome
até mesmo em Ginza. Hoje,
lembramos da década passada como um sonho mau. A economia japonesa, durante os
últimos onze anos não apenas percorreu um longo caminho rumo à recuperação mas também ultrapassou os níveis de antes da
guerra em muitos campos.”
Fonte: New Japan –
vol. 9, 1956/1957. The Mainichi Newspapers,
pág. 22.
VII - Os gurus da qualidade industrial
Joseph M. Juran
(1904 - 2008)
Destaque:
Juran previu que a qualidade dos produtos japoneses superaria a qualidade dos
produtos norte-americanos em meados da década de 1970, graças ao índice
revolucionário de incremento da qualidade nas indústrias japonesas. O detalhe é
que os produtos fabricados no Japão após a Segunda Guerra eram conhecidos por
serem baratos, quebravam facilmente e tinham péssima qualidade. Ele acertou.
Já
em 1945 ele escreveu: “O mais importante é que a alta gestão tenha
a mente orientada para a necessidade de qualidade. Na ausência de sincera
manifestação de interesse no topo da gestão, pouco acontecerá na base.”
Nasceu em Braila (Romênia), filho
de judeus e imigrou para os EUA em 1912. Destacou-se em matemática e xadrez na
escola e cursou Engenharia Elétrica na Universidade de Minnesota. Posteriormente
cursou também a faculdade de Direito. Durante anos desenvolveu métodos para
aprimorar a qualidade dos produtos industriais.
Começou a trabalhar como
engenheiro na Bell System, em 1924. Anos depois ele preparou o que talvez seja
o primeiro texto em controle de qualidade estatístico, antecessor do atualmente
conhecido e utilizado Western Electric
Statistical Quality Control Handbook. No final da década de 1940, Juran
desenvolveu um dos mais importantes cursos sobre qualidade. Era o “Managing for quality” e foi ministrado a
mais de 100.000 pessoas em 40 países.
Ele era professor na New York
University (NYU) e assessorava a American Management Association (AMA). Através
da AMA ele ofereceu esse curso por mais de 30 anos. Entre as décadas de
1950/1960 ele escreveu Industrial Quality
Control, e como editor da revista Management´s Corner Juran frequentemente enfatizava a importância
da gestão em
qualidade. Graças à sua reputação, em 1954, a Union of Japanese
Scientists and Engineers, convidou-o a dar seminários no Japão.
No seu livro What is quality control? The
japanese way (O que é controle de qualidade? O caminho japonês), o autor, Kaoru
Ishikawa, explica que Juran ministrou os seminários para a média e alta
gerência das empresas. Como ele possuía uma ótima reputação nos Estados Unidos,
foi ouvido e reverenciado pela classe dirigente japonesa. Para Ishikawa, Juran
marcou a transição nas atividades de controle de qualidade no Japão focando não
apenas a tecnologia das fábricas, mas uma preocupação geral com a gestão como
um todo para influenciar a qualidade. Seus métodos criaram uma atmosfera na
qual o controle de qualidade tornava-se um instrumento de gerenciamento,
possibilitando uma abertura para o estabelecimento do controle de qualidade
total como se tornou conhecido posteriormente.
Na década de 1970, Juran, em
co-autoria com Frank Gryna, publicou Quality Planning and Analysis (Planejamento e análise da qualidade), um
livro que se tornou best-seller assim que foi lançado.
Vários autores influenciaram o
trabalho de Juran. Um deles foi Vilfrido Pareto (1848-1923), responsável pela
Carta de Pareto, um dos instrumentos técnicos de análise de qualidade. A
antropóloga Margaret Mead (1901-1978) influenciou-o a partir de sua pesquisa
que demonstrou serem os padrões culturais das pessoas os responsáveis pela
resistência às mudanças, comprometendo esforços de especialistas enviados a
lugares em desenvolvimento para modernizar as condições de existência. Juran se
utilizou dessas pesquisas para analisar a resistência encontrada às mudanças em
várias equipes profissionais, desde a base até o nível gerencial.
Em 1979, ele fundou o Instituto
Juran, dedicado à divulgação de seus ensinamentos (www.juran.com).
Exercício:
Note que a história da qualidade começa sob a ótica da indústria. São
engenheiros, economistas e administradores que se preocupam com o problema. Posteriormente
a qualidade também passou a ocupar-se do setor de serviços. Mas qual a diferença entre um produto e um
serviço? Pense e pesquise a respeito. Voltaremos a essa questão mais
adiante.
W. Edwards Deming
(1900-1993)
Deming e Juran foram os mais
conhecidos consultores a trabalhar no Japão do pós-Guerra, mas eles não
trabalharam em conjunto.
Deming foi consultor, autor,
professor de alguns dos mais influentes executivos e corporações, além de ser o
mais conhecido defensor do controle estatístico de qualidade. Ele é geralmente
descrito como um herói popular no Japão, onde influenciou a espetacular
ascensão do país após a Segunda Guerra Mundial; como um profeta do controle de
qualidade; como um homem decidido; e como o fundador da terceira onda da
Revolução Industrial.
Deming estudou física e
doutorou-se na Universidade de Yale, em 1928, depopis de ter passado pelas
universidades de Wyoming e Colorado. Sua extensa lista de trabalhos publicados
(cerca de 200 artigos, livros e ensaios) vão desde o campo da física, no início
de sua carreira, até a aplicação da estatística em vários setores.
Ele foi um estatístico do
Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) e era responsável por
cursos de formação profissional para os funcionários qualificados. Nessa época
ele convidou Walter Shewhart para dar algumas conferências e explicar o seu
método. Em 1938 foi para o Departamento de Censo, onde continuou a aplicar os
novos métodos estatísticos. Em 1942, ainda no Censo, ele foi convidado para
assessorar a secretaria de Guerra, propondo planos para melhorar os esforços
dos EUA na Segunda Guerra Mundial, na qual os EUA entraram em dezembro de 1941
após o ataque japonês a Pearl Harbour. Deming sugeriu cursos rápidos, baseados
na metodologia de Shewhart, para ensinar a aplicação básica de estatística aos
engenheiros e outros profissionais responsáveis pelos esforços de guerra. Esses
cursos foram repetidos várias vezes, inclusive com Deming e Ralph Wareham como
instrutores, além de pesquisadores da universidade de Stanford. Esses cursos
formaram o núcleo do movimento de controle estatístico de qualidade nos EUA e
posteriormente lançaram as bases da American Society for Quality.
A famosa frase de Deming: "Em Deus nós confiamos. Todos os outros precisam trazer dados e informações."
Graças ao seu trabalho ele foi
enviado ao Japão pela Seção Econômica e Científica do Departamento de Guerra
para estudar produção agrícola e problemas relacionados com a recuperação
japonesa do pós-guerra. Durante suas várias viagens Deming fez contatos com
vários técnicos e especialistas japoneses, desenvolvendo uma relação de
confiança altamente produtiva para ambos os lados. Ele convenceu Kenichi
Koyanagi, um dos fundadores da Associação dos Cientistas e Engenheiros
Japoneses (JUSE) do potencial dos métodos estatísticos na recuperação
industrial e econômica do Japão. Koyanagi, por sua vez, convenceu a JUSE a
convidar Deming para ministrar cursos para os executivos e engenheiros
japoneses.Sob os auspícios do Comando Supremo das Forças Aliadas, Deming
desembarcou no Japão em junho de 1950 para ensinar seus métodos. Por cinco
vezes ele retornou como professor e consultor da indústria nipônica, formando
uma legião de seguidores e admiradores.
Sucessivamente ele influenciou
uma nova geração de gestores incutindo não apenas conhecimento técnico, mas
também confiança e novos objetivos. Deming afirmou, perante japoneses céticos,
que o país poderia ter um dos melhores níveis de qualidade do mundo e que em
cinco anos eles atingiriam esse patamar. Foram precisos apenas quatro anos para
transformar a sucata deixada pela guerra em um parque industrial cada vez mais
respeitado pelo mundo.
Em reconhecimento aos esforços de
Deming no Japão, a JUSE criou, em 1951, o Prêmio Deming. Em 1960, o consultor
norte-americano foi condecorado com a medalha do Tesouro Sagrado pelo imperador
Hiroíto.
Desde 1946 ele tornou-se
professor da escola de Administração e Negócios da universidade de Nova Iorque,
paralelamente às viagens ao Japão, e começou a exercer atividades de
consultoria até a sua morte, em 1993.
Um dos pontos principais de seus
ensinamentos foi contrariar posições da administração científica de seu tempo
afirmando que “o consumidor é a peça mais importante da linha de produção”.
Resumiu seus ensinamentos de maneira didática nos 14 pontos apresentados no
livro Out of the crises, de 1982.
Aqui estão esses pontos brevemente comentados:
I – Criar constância de propósitos
e objetivos para a melhoria do produto e do serviço. Além da preocupação
evidente com o lucro, as empresas devem dar mais atenção a aspectos com ao
permenência no mercado, atender às necessidades sociais, gerar empregos através
de inovações, pesquisas e constante aperfeiçoamento.
II – Adotar a nova filosofia. O
negativismo é uma prática prejudicial e, portanto, inaceitável. Deve-se buscar
constantemente o acerto. Caso ocorram erros deve-se pesquisar imediatamente as
causas e adotar ações corretivas. Qualidade tem que se tornar uma nova
religião.
III – Deixar de depender da
inspeção maciça como via da qualidade. Atingir qualidade não é a razão direta
da severidade do policiamento dos produtos e serviços, mas do aperfeiçoamento
constante do processo produtivo e isso é ainda mais evidente no setor de
serviços.
IV – Acabar com o processo de
fazer negócios com bases centradas apenas no preço. É preciso escolher
fornecedores qualificados e em condições de aprimorar, de forma periódica e
sistemática, seu desempenho, reduzindo erros e aumentando a eficiência e
lucratividade.
V – Aperfeiçoar constante e
permanentemente o sistema de produção e de serviço. Os gerentes são os
responsáveis pelo incentivo na melhoria dos sistemas. O processo de
aprimoramento deve ser constante, ininterrupto e interminável. Desperdícios,
falhas, erros e defeitos devem ser reduzidos ao máximo.
VI – Instituir o treinamento e o
retreinamento e promover a aprendizagem no local de trabalho. Erros acontecem
porque as pessoas não sabem os procedimentos adequados. Os métodos de
treinamento devem ser modernos, adaptados às exigências da empresa e sempre que
possível no local de trabalho.
VII – Instituir a liderança ao
invés da tradicional “supervisão”. Liderar é a principal tarefa do gerente,
devendo motivar seus subordinados para o melhoramento contínuo.
VIII – Eliminar o medo no
ambiente de trabalho. Deve-se corrigir as falhas naturalmente, sem traumas,
encorajando a criatividade e a pesquisa de causas para a solução dos problemas
envolvendo a qualidade sem usar um estilo autoritário de gestão.
IX – Derrubar as barreiras entre
áreas da equipe. Os nichos setoriais (ou feudos de informação) são os maiores
responsáveis pela ineficiência e falta de agilidade de uma empresa.
X – Eliminar slogans e exortações. A responsabilidade pela melhoria está no
gerenciamento eficaz. Palavras vazias são inúteis perante a falta de ações que
as justifiquem.
XI – Eliminar metas, quotas
numéricas ou indicadores quantitativos. Uma cota é uma fortaleza contra a
melhoria da qualidade e da produtividade. Cotas ou metas tolhem a criatividade
natural do ser humano.
XII – Remover as barreiras ao
orgulho pelo trabalho bem feito. Não ordenar o desempenho dos trabalhadores por
ranking. Os vários sistemas de avaliação com recompensas como bônus e prêmios
são injustos porque beneficial a poucos. Se as pessoas conhecem seu sistema de
trabalho e há uma seleção eficaz, todos poderão ter bom desempenho.
XIII – Instituir um vigoroso
programa de educação para todos na empresa, enaltecendo a auto-melhoria dos
funcionários.
XIV – Ação. Tomar uma iniciativa de alcançar a
transformação criando uma estrutura de alta gerência para executar a mudança. O
processo de trabalho somente será aperfeiçoado quando toda a equipe estiver
consciente de seu papel.
Evidentemente esses 14 princípios
baseiam-se em métodos complexos e detalhados para serem aplicados às
instituições e suas equipes de profissionais. Alguns foram absolutamente
revolucionários em sua época e outros foram adaptados de acordo com as futuras
necessidades.
Sua produção intelectual foi
extremamente significativa. Outro de seus livros importantes foi publicado em
1982, com o título Qualidade,
produtividade e posição competitiva (Quality,
Productivity and Competitive Position). O mestre tornou-se cada vez mais
conhecido, não só nos meios empresariais e acadêmicos, mas também junto ao
grande público. Ele apresentou o programa da NBC TV, em 1980, intitulado If Japan can, why can´t we? (Se o Japão
pode, porque não podemos?). Deming afirmava que os sistemas e a alta gerência
eram os responsáveis diretos pela qualidade e não apenas os trabalhadores. A
base da empresa apenas responderia aos objetivos, exemplos e métodos oferecidos
pelo topo. Essa análise da gestão focada no exemplo e no treinamento constante,
aliada ao desenvolvimento de uma metodologia científica baseada em estatística
para ser aplicada aos processos industriais, garantiu o sucesso de várias
empresas, no Japão, nos estados Unidos e em vários países do mundo, enquanto as
exigências de qualidade tornaram-se obrigatórias em um mundo cada vez mais
complexo e competitivo.
O Prêmio Deming
Instituído em 1951, o prêmio
Deming é oferecido a empresas e indivíduos que influenciam, direta ou
indiretamente, no desenvolvimento do controle e gestão de qualidade no Japão. O
primeiro ganhador foi Motosaburo Masuyama. As primeiras empresas ganhadoras
foram Fuji Iron & Steel Co., Showa ddenko, Tanabe Seiyaku e Yawata Iron
& Steel.
Um outro prêmio importante é a
Medalha Japonesa de Qualidade. Instituída em 1970, a primeira empresa
ganhadora foi a Toyota (que também ganhou o Deming Aplication Prize em 1965 e
1970, além de ganhar essa medalha novamente em 1980). Essa medalha não se
restringe a empresas japonesas, sendo também outorgada a empresas de Taiwan,
índia e Tailândia.
Exercício:
Conheça o The W. Edwards Deming Institute,
onde se encontra a biografia completa de Deming, todos os prêmios concedidos em
seu nome e para perceber como a qualidade é encarada de maneira séria e
profissional pelo mundo. O site é www.deming.org .
Armand V. Feigenbaum
(1922 - 2014)
Engenheiro norte-americano
famoso, criador do conceito de “controle de qualidade total” (total quality control, em inglês), título
de seu famoso livro publicado, pela primeira vez, em 1951. Doutorou-se pelo
Massachussets Institute of Technology (MIT), foi diretor de operações da
General Eletric (1958-1968), presidente da American Society for Quality
(1961-1963) e presidente da General Systems Company. Foi um executivo altamente
reconhecido e premiado pela indústria, pela academia e pelas forças armadas
norte-americanas.
Sua definição de qualidade total:
“Um sistema efetivo para integrar
desenvolvimento da qualidade, manutenção da qualidade e esforços para seu
desenvolvimento através dos vários grupos de uma organização, que a torne capaz
de fornecer produtos e serviços aos níveis mais econômicos que permitam a total
satisfação do cliente.”
Seu método para desenvolver a
qualidade possui três etapas básicas:
Liderança de qualidade
Modernas tecnologias
Compromisso organizacional
Esses três especialistas, Juran,
Deming e Feigenbaum, formaram a principal vertente dos estudos pioneiros sobre
qualidade.
Outros nomes importantes na história da
qualidade industrial
O francês Henry Fayol (1841-1925) era engenheiro de minas e administrador.
Publicou sua obra principal em 1916, já idoso, intitulada Administração
Industrial e Geral, uma das precursoras da administração clássica. Ele dividiu
a estruturação da empresa em seis funções básicas: técnica, comercial,
financeira, contábil, administrativa e de segurança.
Harold F. Dodge (1893-1974) desenvolveu a inspeção de qualidade por
amostragem nos Laboratórios Bell, nos Estados Unidos, através de tabelas que
organizavam e davam consistência científica ao processo de inspeção.
George Elton Mayo
(1880-1949), foi um sociólogo australiano que desenvolveu princípios da
sociologia industrial norte-americana. Ele e sua equipe desenvolveram estudos
que mostraram que os fatores psicológicos (afeição, participação, auto-estima,
segurança pessoal e social do trabalhador) são mais importantes para a
produtividade que os fatores fisiológicos (alimentação, descanso, moradia,
satisfação sexual, segurança física, conforto, atividade física e lúdica). As necessidades psicológicas estão
relacionadas com um ambiente de trabalho saudável, relações de confiança,
espírito de equipe, existência de liderança e objetivos comuns no grupo.
Ele chegou a essas conclusões
através de uma experiência realizada em uma fábrica da Western Electric
Company, localizada em Chicago no bairro de Hawthorne. Foi uma tentativa de
humanizar as relações trabalhistas superando os rígidos controles estatísticos
que, segundo os trabalhadores, visavam puramente explorar e condicionar os
empregados para garantir maiores controles sociais e lucros econômicos. A
Experiência de Hawthorne originou uma teoria das relações humanas no trabalho e
projetou Elton Mayo como um dos primeiros grandes críticos de Taylor.
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