sexta-feira, 18 de julho de 2014

Brasil, campeão de Hedonismo na Copa




“Não existe pecado do lado de baixo do equador
Vamos fazer um pecado rasgado, suado, a todo vapor
Me deixa ser teu escracho, capacho, teu cacho
Um riacho de amor
Quando é lição de esculacho, olha aí, sai de baixo
Que eu sou professor.”

Chico Buarque

Do seu prazer cuido eu.” Esse é o lema informal dos alunos do curso de Lazer e Turismo da EACH-USP. Um lema descolado que se confirmou na Copa do Mundo depois que pesquisas mostraram o que os estrangeiros mais adoraram no Brasil: alegria e hospitalidade das pessoas, praias, clima, comida e pontos turísticos, nessa ordem. E o que renegaram: preços altos, desigualdade social e trânsito. Sendo assim, sou obrigado a reconhecer aquele lema demagógico, que tem lá a sua validade: o melhor do Brasil são @s brasileir@s, como disse Câmara Cascudo.

Os gringos da Copa saíram com uma ideia paradisíaca do país. O pai do Chico, acima citado, Sérgio Buarque de Holanda, escreveu o clássico Visões do paraíso, onde mostra que desde o século XVI o Brasil excita o imaginário dos estrangeiros com suas fábulas, sonhos, desejos idealizados e realizados. 

Essa é a palavra chave: prazer. Nós, brasileir@s, nos esforçamos para curtir a vida. Somos relaxados, passionais, maliciosos e muitas outras coisas, mas só falarei das qualidades que deliciaram o mundo que nos visitou, física ou virtualmente. Apesar – ou por causa – de tudo, proporcionamos estadias prazerosas àqueles que cedem aos nossos encantos e relevam nossos problemas. 


Alegria e hospitalidade são coisas de quem está de bem com a vida assim como as praias e comidas deliciosas, citadas na pesquisa. Sem contar as bebidas, sexo, drogas, música e clima tropical, que não aparecem formalmente nas estatísticas, mas são evidentes na observação empírica das festas e farras.

Mas nossa esbórnia não é ilimitada, porra-louca pura, que digam os nacionais e estrangeiros que apanharam da polícia, democrática o suficiente para espancar desde ativistas até jornalistas, transeuntes em geral, homens e mulheres de várias idades. A dose regular de relaxo local foi dividida com alguns latino-americanos que invadiram estádios, roubaram ingressos y otras cositas más; com os argentinos que dirigiram loucamente pelas nossas estradas e abusaram do dúbio direito de encher o nosso saco; e até com os dois alemães que tentaram roubar uma obra de arte (uma escultura de bronze de quarenta mil reais)  do saguão do aeroporto de Guarulhos e foram presos. Não foi pior porque boa parte dos indesejáveis foi barrada nas fronteiras. Outros, que passaram pelo filtro, mas cederam à sua torpeza, foram simplesmente detidos e deportados. 

Voltando às coisas boas da vida, dou-me ao direito de viajar no otimismo imaginário. Imagine se esse esforço para proporcionar aos estrangeiros uma boa imagem de nosso país, fosse mantido e ampliado para fazer com que NÒS, o povo, também tenhamos uma imagem melhor de nós mesmos. 


A Copa terminou com o sucesso reconhecido por imensa maioria apesar de tantas coisas: a forma mais ou menos improvisada com que (quase) tudo ficou pronto; das brigas entre facções políticas divergentes; da má vontade de muitos; da rabugentice de outros tantos; das tentativas de sabotagem do evento pelos mais diversos espíritos de porco. Imagine se nossas condições, passadas e presentes, fossem ainda melhores.  

Se o nosso sistema de ensino público gratuito fosse mais decente, teríamos melhor prestação dos serviços nas atividades ligadas ao prazer como viagens, turismo, hotelaria, lazer, eventos, cultura, entretenimento..., pois essas atividades dependem de profissionais qualificados em todos os níveis, inclusive os operacionais e básicos. 

Se o nosso sistema de escolas profissionalizantes e as faculdades fossem melhores, teríamos os gestores, planejadores e analistas dessas áreas com capacidade e criatividade ainda maiores. 

Se muito mais gente não fosse apenas monoglota, os contatos com os estrangeiros seriam ainda mais ricos e produtivos. Sem contar que se os conhecimentos de nossa língua portuguesa, falada e escrita, fossem mais profundos, nos expressaríamos de maneira mais profunda e sublime, entre nós mesmos e com os visitantes de outras línguas.

Outra vantagem da boa educação formal é que as polícias seriam mais preparadas e evitariam essa mentalidade tacanha de que tudo se resolve na porrada, na grosseria e na ameaça. A inteligência é uma arma muito  mais eficaz e sutil, basta ver como a polícia carioca enquadrou a sofisticada quadrilha internacional, ligada à FIFA, que traficava ingressos privilegiados do torneio. Foi um prazer a mais na festança global.

Se a infraestrutura fosse maior, bem articulada e planejada, teríamos conforto nos transportes públicos, nos acessos, nas comunicações e informações, o trânsito seria menos caótico e os custos operacionais em geral bem menores. 

Um dos meus colegas, professor de Políticas Públicas, sugeriu que o Brasil fosse o salão de festas do planeta. Assim como Portugal é a colônia de férias da Europa, Las Vegas e Macau concentram os cassinos e entretenimento noturno, Dubai é o destino kitsch-chic das classes deslumbradas pelo consumo espetacular, a Costa Rica e a Nova Zelândia esbanjam suas naturezas selvagens e a Europa é um grande museu artístico e gastronômico, o Brasil ficaria com as festividades especiais. Temos experiência nesse segmento: festas juninas, carnavais, carnavais fora de época, festas religiosas (procissões, quermesses, missas e cultos campais), festivais, feiras, grandes ajuntamentos públicos e privados, sacros e profanos, lúdicos e melodramáticos. 

Por isso que vivemos a hierofania do prazer, expressamos alegrias e devaneios populares e abrimos nossas farras e tradições para os visitantes do país e do mundo. Mostramos que, mesmo perdendo, mantemos certo bom humor (nem todos, é verdade, mas a maioria se aguenta) e sabemos como finalizar uma mega esbórnia com estilo. 


A Copa do Mundo de 2014 teve como campeão de hedonismo o nosso território físico e cultural, este país colorido, tépido e bem temperado por cores, sabores, odores e secreções de todas matizes e gostos. O tesão nacional venceu a fragmentada amargura dos reacionários políticos, dos fundamentalistas religiosos, dos chatos existenciais, dos mau amantes e mal amad@s. O mundo viu e curtiu uma sociedade dinâmica, louca e angustiada, mas que sabe urrar de prazer numa festa rica em generosidade, bom humor e sensações agradáveis. O tesão venceu a amargura. A Roma tropical, como diria Darcy Ribeiro, mostrou suas favelas, palácios, praças e ruas, campos e construções, belezas e problemas, sem medo de ser feliz e com uma hospitalidade exemplar.

Celebramos o prazer, mesmo com as lágrimas amargas das derrotas em campo. Exorcizamos nossos maus agouros com o saudável bálsamo da boa fé e da convicção de que vivemos na boa e dane-se o mundo, pois cada um tem seus problemas assim como temos nossas soluções. De vira-latas da década de 1950 nos tornamos fênix desvairadas de nossos sonhos e desejos. Teve a nossa Copa e, pelo menos nesse hiato de tempo e espaço, vivenciamos a experiência prazerosa de uma utopia realizada. No topo do pódio imaginário da festa universal curtimos a festa, com suas contradições, incoerências e paradoxos, pois a festa é algo mais complexo e desafiador que o nosso cotidiano programado pela ausência de intensidades gozosas. 

Do alto do pódio do hedonismo é que temos que nos perguntar pelo futuro. A festa boa é a que mais reúne gente, bichos e coisas legais. Por isso a última estrofe da música do Chico Buarque (Não existe pecado ao sul do Equador) celebra a saciedade. Para já.

“Deixa a tristeza pra lá, vem comer, me jantar
Sarapatel, caruru, tucupi, tacacá
Vê se esgota, me bota na mesa
Que a tua holandesa
Não pode esperar.”

Luiz Gonzaga Godoi Trigo

terça-feira, 15 de julho de 2014

Copa do Mundo - Teve festa, choro e esbórnia



O pomo da discórdia

O clima social azedou no promissor país tropical em junho de 2013. Os protestos, inicialmente considerados exemplo de cidadania  conscientização, degeneraram para quebradeiras de rua, apoiados por arcaicas teorias demagógicas que unem o totalitarismo da esquerda ao da direita. Os protestos se esvaziaram, mas o descontentamento se manteve, inclusive com ácidas críticas aos governos e aos políticos, à corrupção, à incompetência administrativa estatal e à realização da Copa do Mundo. Denunciaram e criticaram, com razão, os atrasos e altos custos das obras, a FIFA, tudo embasado por argumentos que iam dos mais lógicos aos mais delirantes. E a mídia nacional entrou na onda, mais por oportunismo oposicionista do que por convicções plenamente embasadas. 


“Não vai ter Copa!” Essa frase uniu coxinhas conservadores e esquerdistas rabugentos em torno a um delírio pueril. Parte desses descontentes não perceberam as implicações jurídicas, políticas e econômicas de um compromisso com um megaevento como a Copa do Mundo e o governo federal não conseguiu mudar a percepção das pessoas em relação ao cronograma e as planilhas da organização do torneio. Quando, às vésperas do evento, os protestos e as greves começaram a subir de tom, governos e  polícias de todos os níveis (federal, estadual, municipal) usaram da força física e legal para garantir os jogos. A estupidez de alguns protestantes uniu-se à estupidez policial. A milícia espancou ativistas, populares, jornalistas, políticos e acadêmicos de forma equânime. No final prevaleceu a paz tácita, garantida sob os olhares severos dos organizadores da festa e apoiada pela complacência da  maior parte da população.

O tesão venceu a amargura

Depois do jogo de abertura o Brasil percebeu que a festa decorria normalmente, e era muito divertida. Aí vieram as acusações de que o Brasil tinha comprado a Copa, seríamos campeões com base em fatos fundamentados nas teorias conspiratórias mais oníricas e atrevidas. Depois algumas dessas teorias se deslocaram para outro lado, o Brasil teria vendido a Copa para a Alemanha. Até os colombianos deliraram ao afirmar que a lesão de Neymar seria uma farsa para justificar uma futura derrota brasileira. Resta saber por que um país como a Alemanha, com economia excelente, saúde, educação, segurança e um ótimo time compraria algo, mas a lógica é a primeira vítima dessas teorias esquizoides. 

Com as vitórias iniciais da seleção e o ótimo clima nas doze cidades dos jogos (com raras exceções), o governo federal animou-se a reclamar a paternidade do sucesso e a mídia rendeu-se às evidências, as coisas estavam correndo bem. Até a Dilma disse que seu governo era Padrão Felipão, frase depois cuidadosamente remetida ao fundo da memória. A seleção brasileira embarcou numa onde de choros, vaidades cosméticas (brincos, cabelos, tatoos) e midiáticas (bajulações, selfies, gracinhas nas redes sociais), acompanhando a vibe da festa que continuou por três semanas de glórias e farras. 

A hospitalidade do povo brasileiro foi aclamada unanimemente. Abraços, beijos, sexo, bebidas, música, drogas e comidas para todos os gostos e baladas de todos os preços envolveram brasileiros e estrangeiros em sonhos das noites cálidas do inverno tropical. Comentei com uma amiga, também da área de turismo, que @s profissionais do sexo talvez não ganharam tanto quanto imaginavam porque o sexo gratuito, liberal e festivo de nossa população foi uma das plataformas dessa aclamada hospitalidade, mas isso não foi comentado pela mídia, governos ou instituições, ficou implícito nos bastidores da esbórnia, sob um transparente véu de respeitabilidade e bonomia. Ganharam o pluralismo democrático e as liberdades individuais.   


Houve xingamentos contra a presidenta Dilma na abertura e na final, teve enchente em Natal, caiu o viaduto em Belo Horizonte, torcedores invadiram alguns estádios e parcas greves atrapalharam o show em pouquíssimas cidades. Por outro lado, a polícia do Rio de Janeiro deu um show de competência desvendando uma quadrilha internacional de alto nível, ligada à FIFA, que traficava ingressos do mundial e a rede turística nacional, as telecomunicações, a malha aérea, os serviços em geral funcionaram de acordo. Joseph Blatter deu nota 9,25 para a organização da Copa do Brasil, maior que a nota da África do Sul (9,0). Um impressionante número de 95% dos visitantes elogiaram a hospitalidade brasileira como “ótima” ou “boa”.  



A seleção ficou nua...

Então, na tarde de terça-feira, 8 de julho, a Alemanha arrasou o sonho do Hexa, metendo a maior goleada da história das Copas e justamente contra a seleção pentacampeã, no país sede do evento. Não foi desgraça pouca e nem bobagem:

1- NUNCA O BRASIL HAVIA TOMADO 7 GOLS EM UM JOGO OFICIAL
(perdeu para o Uruguai por 6 a 0 na Copa América de 1920) 

As maiores derrotas
 
1917 Brasil 0 x 4 Uruguai Sul-Americano
1920 Brasil 0 x 6 Uruguai Sul-Americano
1925 Brasil 1 x 4 Argentina Sul-Americano
1934 Brasil 4 x 8 Iugoslávia Amistoso
1939 Brasil 1 x 5 Argentina Copa Rocca
1940 Brasil 1 x 6 Argentina Copa Rocca
1940 Brasil 1 x 5 Argentina Copa Rocca
1956 Brasil 1 x 4 Chile Sul-Americano
1959 Brasil 1 x 4 Argentina Sul-Americano
1963 Brasil 4 x 5 Bolívia Sul-Americano
1963 Brasil 1 x 5 Bélgica Amistoso
1980 Brasil 1 x 5 Colômbia Pré-Olímpico 

2 - NUNCA UM TIME HAVIA LEVADO 5 GOLS EM NOS PRIMEIROS 29 MINUTOS DE JOGO EM COPAS
 
3 - NUNCA UM ANFITRIÃO HAVIA SIDO GOLEADO DE FORMA TÃO ACACHAPANTE NA COPA
 
4 - NUNCA FELIPÃO HAVIA PERDIDO UMA PARTIDA COM A SELEÇÃO BRASILEIRA EM MUNDIAIS
(tinha nove vitórias e dois empates) 

5 - NUNCA O BRASIL HAVIA SOFRIDO MAIS DE DEZ GOLS EM UMA EDIÇÃO DE COPA
(o recorde era dez em 1998) 

6 - NUNCA HOUVE UMA GOLEADA TÃO ELÁSTICA NUMA SEMIFINAL
(em 1930, a Argentina goleou os Estados Unidos por 6 a 1. Do outro lado da chave da semifinal, o Uruguai venceu a antiga Iugoslávia pelo mesmo placar. Já na Copa de 1954, a Alemanha Ocidental venceu a Áustria também pelo placar de 6 a 1) 

7 - NUNCA UMA SELEÇÃO HAVIA PERDIDO DUAS COPAS EM CASA
 
Fonte: Folha de São Paulo, 09JUL14

 O país em choque viu a goleada e o clima começou a azedar. No dia 9 de julho, feriado nacional na Argentina, a Holanda perdeu nos pênaltis para los hermanos. Aí começou a guerra na internet e nas ruas entre as duas maiores economias da América do Sul. Aí também terminou a farra na Vila Madalena (São Paulo) e em várias festas organizadas ao longo da Copa. Com a derrota do Brasil pelos holandeses, por três a zero, a provocação subiu alguns pontos.

Rivais irmanados e raivosos

Para mim, os argentinos perderam um pouco a consciência dos limites entre fazer piada ou provocar e tripudiar ou humilhar os derrotados. Avançaram das piadas que ridicularizam alguém para o escárnio que pode ofender pruridos culturais ou patrioteiros. Os argentinos se sentiram em casa, graças à capacidade de improviso das cidades de Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro, que prepararam áreas para camping e estacionamento para milhares de argentinos que vieram, curtir a Copa no Brasil e isso é ótimo. Assim como outros estrangeiros foram bem recebidos e bajulados. Mesmo assim alguns de seus torcedores capricharam na execração de nosso sagrado futebol conspurcado na arena global. Então, no dia 13 de julho, o Maracanã viu uma cena inédita. Brasileir@s em massa torceram pelos alemães, mesmo depois da histórica derrota, tudo para evitar que a arrogância argentina atingisse um patamar divino ante nosso orgulho nacional. Pela primeira vez a torcida argentina foi abafada pela torcida alemã, engrossada pelo coro de milhares de brasileir@s. A imprensa argentina achou isso uma falta de dignidade e alguns relincharam que era um tipo de “síndrome de Estocolmo” dos brasileiros, aquela síndrome que faz os sequestrados simpatizarem com seus sequestradores. Bobagem. 

No dia 15, outra terça-feira, na festa da recepção da seleção alemã em Berlim, houve danças ridicularizando os gaúchos, tipo genérico que se espraia pelos campos do Rio Grande do Sul, Uruguai e Argentina, mas a dança derrisória foi destinada aos hermanos. Ficaram furiosos e falaram em “racismo”. Mas não são eles mesmos que chamam, historicamente, os brasileiros de macaquitos ou negritos?  Piada na pele dos outros é maquiagem...

Teve uma bela Copa, das melhores...

O mais importante na Copa de 2014 foi o bom humor, a festa, o clima de fair play (com exceção de algumas cavalices em campo) e a meteorologia propícia ao ar livre, às ruas e praças com música, dança, paquera e gastronomia variada e deliciosa. As piadas e memes que mais bombaram na internet envolveram, mais ou menos nessa ordem: brasileiros, argentinos, espanhóis, gregos, italianos, portugueses... 

 Várias pesquisas mostram o que os estrangeiros mais adoraram no Brasil: alegria e hospitalidade das pessoas, praias, clima, comida e pontos turísticos, necessariamente nessa ordem. E o que renegaram: preços altos, desigualdade social e trânsito. Sendo assim, sou obrigado a reconhecer aquele lema que eu considerava demagógico, mas tem lá a sua validade: o melhor do Brasil são @s brasileir@s, como já dizia Câmara Cascudo. Gostaram de nós, reconfortante para o ego coletivo. 

Alguns dados fornecidos pelo governo federal mostram o sucesso do evento:

1,015 milhão
Turistas estrangeiros
Visitaram o país no período da Copa do Mundo, vindos de 202 países

95%
dos turistas querem voltar segundo pesquisa do Ministério do Turismo

16,7 milhões
Passageiros em aeroportos
No período entre 10.jun e 13.jul em 21 terminais; no mesmo período de 2013, o número foi de 15 milhões

92%
foi o índice de pontualidade
Média nos 21 aeroportos envolvidos com a Copa

130 km de BRT (ônibus rápido)
Previsão inicial era de 222 km de BRT e 72 km de VLT (Veículo Leve sobre Trilhos)

177 mil foi o efetivo de segurança
271 cambistas foram presos nas cidades-sede e 266 estrangeiros foram barrados

 
Assim como a excelente avaliação feita pelos visitantes, que pode ser analisada no site:


Teve Copa, teve festa e teve muita curtição, apesar dos problemas ocorridos e que podem ser evitados no futuro próximo, como nas Olimpíadas do Rio de Janeiro. 

Os setores de viagens, hospitalidade, eventos e turismo foram dos mais beneficiados. Isso significa um avanço, um up grade nos patamares dos serviços prestados em nosso país. Em termos de imagem global, o evento foi excelente. Em termos de lucros imediatos, foi razoável, os maiores lucros são intangíveis e referem-se à conscientização sobre a importância de se ter um setor de viagens e turismo altamente competitivo, profissionalizado e marcado pela competência técnica e elevada qualidade de serviços. Para isso formação profissional e educação básica são fundamentais, assim como a mentalidade aberta às características globais que interessem ao nosso país. 


As doze sedes beneficiaram-se imensamente da festa, mas o Rio de Janeiro teve o privilégio de sediar a final. As imagens do Corcovado, do Maracanã, das praias e da cidade encantaram o mundo. Em dois anos teremos uma nova exposição mundial. Que os acertos sejam aperfeiçoados e os erros sanados. Vai ter Olimpíadas!    

Luiz Gonzaga Godoi Trigo, 2014


segunda-feira, 7 de julho de 2014

Copa do Mundo - Sucesso nacional e quase no final



Desde 12 de junho deste ano, 32 seleções e centenas de milhares de estrangeiros vieram para o Brasil participar da Copa do Mundo. Agora, às vésperas das semifinais entre os quatro grandes do futebol mundial (Brasil, Alemanha, Argentina e Holanda), dá para analisar razoavelmente como se desenvolve o megaevento. Lembro que publiquei neste blog, em 12 de junho, algumas reflexões sobre como nos veríamos após os torneios. Ainda não chegamos ao final, mas entendo que o Brasil se posiciona como um vencedor, ganhando ou não o primeiro lugar. 

Quanto aos números da Copa, estatísticas gerais estão no site da FIFA:

 


A ótima constatação é que o Brasil sai fortalecido e com uma imagem muito melhor daquela que antecedeu a Copa. Antes, o clima era de um país à beira de um colapso geral: atrasos nas obras, denúncias de superfaturamento, protestos de rua (iniciados em junho de 2013 e que evoluíram para críticas contra o evento), o clima de incerteza econômica gerado por interpretações dúbias sobre o cenário nacional, o início atribulado das campanhas para as eleições majoritárias, tudo isso incentivado pelas atitudes e pensamentos pessimistas gerados pela oposição e seus simpatizantes. A mídia, as redes sociais e parte da opinião pública anteviam o  caos e o governo não deu conta de reverter a percepção da população. Então os jogos começaram e, apesar de pequenos e localizados problemas, tudo funcionou bem, com os estrangeiros se sentindo em casa no tépido inverno brasileiro e os nacionais relaxando e festando. Pouquíssimos dias após o início da festa a imprensa internacional se perguntava sobre os motivos de tanto pessimismo e má vontade dos brasileiros para com seu próprio país, já que a percepção era de bem estar, normalidade e curtição. 


Os incidentes foram poucos, como aqueles causados por parte da classe média nos estádios que ofereceu laivos de boçalidade. O xingamento da presidenta da República no jogo de abertura, por exemplo, foi péssimo. Uma vaia seria tolerável, algo até normal nesses eventos esportivos, mas as ofensas explícitas, cantadas e mostradas ao mundo pelas TVs, mostraram a falta de bom senso. O mesmo aconteceu quando alguns vaiaram o hino do Chile. Ambos os fatos são exemplos de ausência de fair play e de sensibilidade cidadã, mas isso foi de menos e se perdeu no glamour da festa como um todo.

A torcida contra a seleção brasileira ou contra a própria Copa foi outra bobagem que tomou conta de uma minoria barulhenta, rapidamente diluída quando a bola rolou pelos gramados das doze sedes do Mundial. Meu colega da EACH-USP, Wagner Iglecias, professor de Gestão de Políticas Públicas, inseriu o problema no devido contexto:

“Parece-me uma tremenda bobagem torcer contra o Brasil na Copa por conta de motivos eleitoreiros. O povo brasileiro sabe separar muito bem o sucesso ou o fracasso dentro dos gramados daquilo que está em jogo na eleição, de fato muito mais importante para a vida de todos. Vejamos:

1994 - Brasil campeão - Eleito FHC, candidato governista
1998 - Brasil perdeu a Copa - Reeleito FHC, candidato governista
2002 - Brasil campeão - Eleito Lula, candidato da oposição
2006 - Brasil perdeu a Copa - Reeleito Lula, candidato governista
2010 - Brasil perdeu a Copa - Eleita Dilma, candidata governista

Mesmo sendo uma Copa no Brasil, o que mais poderia impactar a eleição seria o sucesso ou o fracasso na organização do evento, e não os gols feitos ou sofridos pela equipe de Felipão, Neymar e companhia.”

Wagner Iglecias, facebook,04/07/2014.

Ele entendeu plenamente a questão. O que poderia realmente acabar com a imagem do Brasil seria o caos instalado nos aeroportos, nas vias de acesso ou nos hotéis, um acidente aéreo de grandes proporções, tumultos incontroláveis nas ruas, colapso de energia ou comunicações, incidentes com mortos e feridos em estádios ou espaços públicos. 


 A queda do viaduto em Belo Horizonte teve pouco impacto na mídia, devido aos poucos mortos e feridos e porque obviamente foi responsabilidade da empreiteira e da prefeitura da cidade. O fato inseriu-se na longa lista de desastres provocados pela imperícia, relaxo, corrupção e descaso que envolve construtoras e o poder público no país. A construção de edificações, segundo a Previdência Social, é o segundo setor com o maior número de mortes em acidentes do trabalho no país, perdendo apenas para área de Transporte Rodoviário de Carga. A triste história dos desastres é tão antiga que gerou uma música satírica no início da década de 1970:

Cai cai , cai cai outra construção civil
realmente ninguém segura a arquitetura do Brasil.
cai, cai tudo que se constrói da tampa da caneleira, à ponte Niterói
cai até o elevado do doutor Paulo Frontein
cai o teto do mercado é a moral de quem não tem.

Demolição. Juca Chaves, década de 1970.


Basta ver os acidentes ocorridos nos estádios, como a queda da grua na Arena Corinthians (acima), felizmente terminada a tempo dos jogos.

Mas o que ajudou a mudar o clima geral do país, para os visitantes? Várias pesquisas mostraram o que os estrangeiros mais adoraram no Brasil: alegria e hospitalidade das pessoas, praias, clima, comida e pontos turísticos, necessariamente nessa ordem. E o que mais renegaram: preços altos, desigualdade social e trânsito infernal. Sendo assim, sou obrigado a reconhecer aquele lema que eu considerava demagógico, mas tem lá a sua validade: o melhor do Brasil são @s brasileir@s, como já dizia Câmara Cascudo. Gostam da gente e isso é reconfortante para o ego coletivo.

Rapidamente o tesão foi vencendo a amargura e a oposição venal teve que se calar face aos fatos e festas.  




Os protestos das ruas resvalaram para a violência irracional e, ao meu entender, injustificável. Ao atacarem bancos, concessionárias de carros, equipamento público urbano (lixeiras, postes de sinalização...), atrapalharem o trânsito já caótico e incentivar, por outro lado, a violência policial contra os manifestantes e até mesmo contra aos que tinham ido pacificamente protestar, os extremistas afastaram a população das ruas. Em São Paulo, uma das manifestações tentou se aproximar da Arena Corinthians (antes do início da Copa) e foi devidamente afastada por membros das torcidas organizadas do clube. Não entenderam que o espaço e o tempo sagrados do futebol tem limites que precisam ser respeitados não apenas pelos crentes e devotos, mas pela sociedade em geral. 

Não sou especialista em futebol, mas analistas elogiaram o nível técnico das partidas, o número de gols nas fases iniciais, a garra e disposição dos jogadores. Alguns jornalistas entenderam que essa está sendo uma das melhores copas de todos os tempos, graças aos desempenhos e o clima livre, leve e solto.

A arbitragem foi criticada em vários momentos e alguns incidentes em campo mancharam a beleza do esporte. O caso de Neymar, atacado brutalmente no jogo contra a Colômbia é um exemplo de covardia e tacanhice. Um jogador mediano, desconhecido e sem grande coisa a perder, atacou violentamente por trás o astro, em uma jogada que poderia ser ainda mais grave. Neymar saiu de campo e da Copa. A mídia e as redes sociais reverberaram o fato, desde ao explorar a emotividade até a fazer críticas mesquinhas. Um comentário no facebook tentava minimizar o fato dele sair da competição porque é milionário, jovem, tem uma bela namorada, foi de helicóptero para casa e é queridinho nacional. Típico gol contra, causado por ressentimento. Se ele ganha muito, é por causa da lógica do sistema no qual se insere como um dos seus mais competentes e lúcidos atores. O que não se analisou é que não importa o quanto rico e famoso ele seja, o seu grau de frustração é imenso porque sua saída da Copa foi motivada por uma atitude covarde, rasteira e traiçoeira. É o típico exemplo citado por Nietzsche em suas obras (O anticristo, Genealogia da moral) sobre o que é ser ruim, baixo, mesquinho, como foi o agressor colombiano. Mas são os riscos de um esporte que, no passado, era ainda mais violento. 


A polícia brasileira pegou a FIFA com a boca na botija. O caso dos ingressos desviados e comercializados no mercado clandestino mostrou as ações dúbias e duramente criticadas do autoritarismo da entidade, sem contar as suspeitas de corrupção. Resta ver se os inquéritos darão resultados, pois isso depende da colaboração da entidade, que não tem um histórico edificante. As denúncias globais contra a FIFA explodiram no dia 1º de julho de 2014, no jornal britânico Sunday Times, por causa da eleição do Qatar para a Copa de 2022. Depois o assunto foi capa da revista The Economist.  O todo poderoso presidente Joseph Blatter, 78 anos, paira solene sobre as denúncias, que são bem antigas. O uruguaio Eduardo Galeano, em seu livro Futebol ao sol e à sombra (Porto Alegre: L&PM, 2013), mostra os desmandos desde a gestão do brasileiro João Havelange, sétimo presidente da FIFA, de 1974 a 1998, precedido no cargo por Sir Stanley Rous e sucedido por Joseph Blatter. De 1963 a 2011, João Havelange foi membro do Comitê Olímpico Internacional. Em 1998, ele foi eleito Presidente de Honra da FIFA. Galeano mostra as relações perigosas entre a FIFA e empresas como Adidas, Coca-Cola e o Comitê Olímpico Internacional (COI), sempre aliado tácito dos negócios esportivos que também envolvem a FIFA. Os tentáculos de Havelange se estendem ao futebol brasileiro, tendo indicado seu genro, Ricardo Teixeira, para presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF0, de 1989 à 2012, quando foi afastado por suspeita de corrupção. O caso está bem descrito no recente livro O lado sujo do futebol (Editora Planeta, 2014), de Amaury Ribeiro Jr., Leandro Cipolini, Luiz carlos Azenha e Tony Chastinet.  

É nesse clima internacional de festas, suspeitas, glamour, denúncias de corrupção, vitórias e derrotas dramáticas, que se desenvolve a Copa brasileira, sob o sol e as chuvas tropicais, em um país imenso, complexo, colorido, alegre e violento. 


Após a Copa restarão os comentários, elogios, críticas, outras denúncias e a erupção dos debates para as eleições majoritárias. O segundo semestre promete novas emoções e a continuação dos conflitos entre os “apocalípticos e os integrados” do país do futebol.

Assisti a dois jogos ao vivo, um no Mineirão (Colômbia e Grécia) e outro na Arena Corinthians (Bélgica e Coréia do Sul) e vários jogos pela TV. Sem ser um aficionado fanático pelo futebol curto a festa e fico feliz pelo Brasil ter sediado a Copa. Foi importante para o turismo e a hospitalidade nacionais, ter sediado os jogos. Os setores de viagens e turismo, gastronomia, lazer, transportes, eventos, esportes, cultura, artes e comunicações foram alguns dos mais beneficiados com o evento, como serão com as Olimpíadas, no Rio de Janeiro. O Brasil recebeu um fluxo intenso e de alto astral com os contatos internacionais, as trocas comerciais, relações humanas, divulgação midiática intensa e pode mostrar o que tem de melhor, assim como o que precisa ser aprimorado.


Que os jogos terminem em festa, em paz e coroados de emoções. Que vençam os melhores (que seja o Brasil, claro) e que  país se reconheça cada vez mais nesse multifacetado espelho real e virtual das festas globais.