“Não
existe pecado do lado de baixo do equador
Vamos fazer um pecado rasgado, suado, a todo vapor
Me deixa ser teu escracho, capacho, teu cacho
Um riacho de amor
Quando é lição de esculacho, olha aí, sai de baixo
Que eu sou professor.”
Vamos fazer um pecado rasgado, suado, a todo vapor
Me deixa ser teu escracho, capacho, teu cacho
Um riacho de amor
Quando é lição de esculacho, olha aí, sai de baixo
Que eu sou professor.”
Chico
Buarque
“Do seu prazer cuido eu.” Esse é o lema informal dos alunos do curso
de Lazer e Turismo da EACH-USP. Um lema descolado que se confirmou na Copa do
Mundo depois que pesquisas mostraram o que os
estrangeiros mais adoraram no Brasil: alegria e
hospitalidade das pessoas, praias, clima, comida e pontos
turísticos, nessa ordem. E o que renegaram: preços altos, desigualdade social e
trânsito. Sendo assim, sou obrigado a
reconhecer aquele lema demagógico, que tem lá a sua validade: o melhor do
Brasil são @s brasileir@s, como disse Câmara Cascudo.
Os
gringos da Copa saíram com uma ideia paradisíaca do país. O pai do Chico, acima
citado, Sérgio Buarque de Holanda, escreveu o clássico Visões do paraíso, onde mostra que desde o século XVI o Brasil excita
o imaginário dos estrangeiros com suas fábulas, sonhos, desejos idealizados e
realizados.
Essa
é a palavra chave: prazer.
Nós, brasileir@s, nos esforçamos para curtir a vida. Somos relaxados,
passionais, maliciosos e muitas outras coisas, mas só falarei das qualidades
que deliciaram o mundo que nos visitou, física ou virtualmente. Apesar – ou por
causa – de tudo, proporcionamos estadias prazerosas àqueles que cedem aos
nossos encantos e relevam nossos problemas.
Alegria
e hospitalidade são coisas de quem está de bem com a vida assim como as praias
e comidas deliciosas, citadas na pesquisa. Sem contar as bebidas, sexo, drogas,
música e clima tropical, que não aparecem formalmente nas estatísticas, mas são
evidentes na observação empírica das festas e farras.
Mas nossa esbórnia não
é ilimitada, porra-louca pura, que digam os nacionais e estrangeiros que
apanharam da polícia, democrática o suficiente para espancar desde ativistas
até jornalistas, transeuntes em geral, homens e mulheres de várias idades. A
dose regular de relaxo local foi dividida com alguns latino-americanos que
invadiram estádios, roubaram ingressos y
otras cositas más; com os
argentinos que dirigiram loucamente pelas nossas estradas e abusaram do dúbio direito
de encher o nosso saco; e até com os dois alemães que tentaram roubar uma obra
de arte (uma escultura de bronze de quarenta mil reais) do saguão do aeroporto de Guarulhos e foram
presos. Não foi pior porque boa parte dos indesejáveis foi barrada nas
fronteiras. Outros, que passaram pelo filtro, mas cederam à sua torpeza, foram
simplesmente detidos e deportados.
Voltando às coisas boas
da vida, dou-me ao direito de viajar no otimismo imaginário. Imagine se esse
esforço para proporcionar aos estrangeiros uma boa imagem de nosso país, fosse
mantido e ampliado para fazer com que NÒS, o povo, também tenhamos uma imagem
melhor de nós mesmos.
A Copa terminou com o
sucesso reconhecido por imensa maioria apesar de tantas coisas: a forma mais ou
menos improvisada com que (quase) tudo ficou pronto; das brigas entre facções
políticas divergentes; da má vontade de muitos; da rabugentice de outros tantos;
das tentativas de sabotagem do evento pelos mais diversos espíritos de porco. Imagine
se nossas condições, passadas e presentes, fossem ainda melhores.
Se o nosso sistema de
ensino público gratuito fosse mais decente, teríamos melhor prestação dos
serviços nas atividades ligadas ao prazer como viagens, turismo, hotelaria,
lazer, eventos, cultura, entretenimento..., pois essas atividades dependem de
profissionais qualificados em todos os níveis, inclusive os operacionais e
básicos.
Se o nosso sistema de
escolas profissionalizantes e as faculdades fossem melhores, teríamos os
gestores, planejadores e analistas dessas áreas com capacidade e criatividade
ainda maiores.
Se muito mais gente não
fosse apenas monoglota, os contatos com os estrangeiros seriam ainda mais ricos
e produtivos. Sem contar que se os conhecimentos de nossa língua portuguesa,
falada e escrita, fossem mais profundos, nos expressaríamos de maneira mais
profunda e sublime, entre nós mesmos e com os visitantes de outras línguas.
Outra vantagem da boa
educação formal é que as polícias seriam mais preparadas e evitariam essa
mentalidade tacanha de que tudo se resolve na porrada, na grosseria e na
ameaça. A inteligência é uma arma muito
mais eficaz e sutil, basta ver como a polícia carioca enquadrou a
sofisticada quadrilha internacional, ligada à FIFA, que traficava ingressos
privilegiados do torneio. Foi um prazer a mais na festança global.
Se a infraestrutura
fosse maior, bem articulada e planejada, teríamos conforto nos transportes
públicos, nos acessos, nas comunicações e informações, o trânsito seria menos
caótico e os custos operacionais em geral bem menores.
Um dos meus colegas,
professor de Políticas Públicas, sugeriu que o Brasil fosse o salão de festas
do planeta. Assim como Portugal é a colônia de férias da Europa, Las Vegas e
Macau concentram os cassinos e entretenimento noturno, Dubai é o destino kitsch-chic das classes deslumbradas
pelo consumo espetacular, a Costa Rica e a Nova Zelândia esbanjam suas
naturezas selvagens e a Europa é um grande museu artístico e gastronômico, o
Brasil ficaria com as festividades especiais. Temos experiência nesse segmento:
festas juninas, carnavais, carnavais fora de época, festas religiosas
(procissões, quermesses, missas e cultos campais), festivais, feiras, grandes
ajuntamentos públicos e privados, sacros e profanos, lúdicos e melodramáticos.
Por isso que vivemos a
hierofania do prazer, expressamos alegrias e devaneios populares e abrimos
nossas farras e tradições para os visitantes do país e do mundo. Mostramos que,
mesmo perdendo, mantemos certo bom humor (nem todos, é verdade, mas a maioria
se aguenta) e sabemos como finalizar uma mega esbórnia com estilo.
A Copa do Mundo de 2014
teve como campeão de hedonismo o nosso território físico e cultural, este país
colorido, tépido e bem temperado por cores, sabores, odores e secreções de todas
matizes e gostos. O tesão nacional venceu a fragmentada amargura dos
reacionários políticos, dos fundamentalistas religiosos, dos chatos
existenciais, dos mau amantes e mal amad@s. O mundo viu e curtiu uma sociedade
dinâmica, louca e angustiada, mas que sabe urrar de prazer numa festa rica em
generosidade, bom humor e sensações agradáveis. O tesão venceu a amargura. A
Roma tropical, como diria Darcy Ribeiro, mostrou suas favelas, palácios, praças
e ruas, campos e construções, belezas e problemas, sem medo de ser feliz e com
uma hospitalidade exemplar.
Celebramos o prazer,
mesmo com as lágrimas amargas das derrotas em campo. Exorcizamos nossos maus
agouros com o saudável bálsamo da boa fé e da convicção de que vivemos na boa e
dane-se o mundo, pois cada um tem seus problemas assim como temos nossas
soluções. De vira-latas da década de 1950 nos tornamos fênix desvairadas de
nossos sonhos e desejos. Teve a nossa Copa e, pelo menos nesse hiato de tempo e
espaço, vivenciamos a experiência prazerosa de uma utopia realizada. No topo do
pódio imaginário da festa universal curtimos a festa, com suas contradições,
incoerências e paradoxos, pois a festa é algo mais complexo e desafiador que o
nosso cotidiano programado pela ausência de intensidades gozosas.
Do alto do pódio do
hedonismo é que temos que nos perguntar pelo futuro. A festa boa é a que mais
reúne gente, bichos e coisas legais. Por isso a última estrofe da música do
Chico Buarque (Não existe pecado ao sul
do Equador) celebra a saciedade. Para já.
“Deixa
a tristeza pra lá, vem comer, me jantar
Sarapatel,
caruru, tucupi, tacacá
Vê
se esgota, me bota na mesa
Que
a tua holandesa
Não
pode esperar.”
Luiz
Gonzaga Godoi Trigo