Desde que voltei da Espanha, a Andalucia, região que visitei, não sai de minha mente, dos meus sonhos e leituras. Eflúvios da minha alma ficaram naquelas montanhas de Sierra Nevada, nas Alpujarras, nos vales rochosos e nas cidades fantásticas, fruto de uma rara conjunção cultural que reuniu muçulmanos, cristãos e judeus no sul da península Ibérica e nos legou algumas formosuras arquitetônicas. Por oito séculos a região foi islâmica. Retomada para os cristãos pelos Reis Católicos Fernando e Isabel, no final do século XV, as montanhas foram dominadas pela guerra de 1568, entre cristãos e os mouros rebelados das Alpujarras e, finalmente, na virada para o século XVII, acontece a brutal expulsão desses mouros para a Berberia, a região do outro lado do Mediterrâneo, no norte da África, onde a civilização islâmica fincara raízes que florescem até hoje.
A maior atração de Granada é o complexo de Alhambra e Generalife, desde 1984 declarados Patrimônio Mundial da Humanidade pela UNESCO. Acima as imponentes paredes de pedra do Alcazaba, uma das partes mais antigas de Alhambra e a área militar do complexo.
Esse prédio é quadrado por fora e redondo por dentro. É o palácio construído por Carlos V (e nunca por ele utilizado), um edifício espanhol em meio ao complexo islâmico. Hoje é museu e sala de exposições especiais. Quando lá estive acontecia as exposições de Owen Jones e de Escher. Jones foi um arquiteto britânico (1809-1874) que viajou pela Europa e Oriente Médio pesquisando as formas e estilos de palácios, mesquitas, templos e igrejas. Escreveu uma obra-prima, intitulada Gramática do Ornamento. Este livro está disponível na internet e deixo o link para consulta:
http://www.illuminated-books.com/books/grammar.htm
Generalife compreende os jardins altos e baixos e os palácios que serviam de lugar de descanso e ócio para quando os nobres Nazaríes quisessem deixar Alhambra.
O complexo foi construído entre os anos 1237 e 1391, para abrigar a estirpe nobre que terminou com Muhammad XII - Boadbil, último sultão nazarí que entregou Alhambra aos Reis Católicos no dia 2 de janeiro de 1492. Dizem que quando ele saiu por uma das portas de Alhambra, pediu que a vedassem com pedras para que ninguém mais a utilizasse. Ao sair, em lágrimas, teria ouvido de sua esposa: "Chore como mulher porque não conseguiste defender Alhambra como um homem". O lugar é hoje conhecido por "o suspiro do mouro". Ele perdeu muito. Em árabe, Alhambra quer dizer "la roca" (a rocha) e suas construções, bordeando os penhascos do monte e as matas transformadas em jardins, compõe alguns dos mais intrincados e fabulosos edifícios artísticos do mundo. Acima, o topo de Alhambra visto a partir do centro, com suas ruas tortuosas.
É um dos lugares mais fascinantes que conheci neste planeta. Se Deus permitir, voltarei com muito gosto e para ficar mais tempo.
No centro da cidade está a catedral católica, construída nas bases de Alhambra.
Cheguei em Granada por volta do meio-dia e à tarde não consegui entrar nos palácios de Alhambra porque os ingressos já estavam esgotados para o dia. Ainda bem. Pude passear pelos jardins externos, visitar o palácio Carlos V, ver os arredores e conhecer o Parador, o hotel histórico situado no meio do complexo. Assim me preparei para ver, na manhã seguinte, as tão faladas e descritas belezas andaluzes.
A arte islâmica visa glorificar as obras de Alah. Não são permitidas reproduções de pessoas, animais ou plantas pois, sendo criações divinas, não devem ser reproduzidas pelos humanos. Sua arte, portanto, possui intenções sagradas e o papel da arte sacra é apoiar a vida espiritual daqueles que adentram seus domínios, para inspirar um modo de perceber o mundo e as sutis realidades que ele oculta.
A estrutura visual do desenho islâmico possui dois aspectos: a caligrafia propiciada pela tradicional escrita arábica e a ornamentação abstrata que utiliza uma linguagem visual variada mas geometricamente integrada. O link do livro acima indicado mostra essa pureza estilística e a sofisticação baseada na reprodução de padrões retirados dos princípios geométricos do mundo.
Barras de azulejos como essa influenciaram diretamente algumas obras de M. C. Escher. Essa arte de puros ornamentos gravita em torno de dois núcleos conceituais: padrões geométricos e desenhos estilizados de arabescos, espiralados, folhas, insetos e flores, representando vida orgânica e ciclos de existência.
Do alto de Alhambra vê-se parte de Granada. O casco histórico fica do outro lado da cidadela.
Os palácios Nazaríes. Divididos em Palácio de Mexuar (1314-1325; 1362-1391), o Palácio de Comares (1333-1354; 1362-1391); e o Palácio de Los Leones (1362--1391). Eles formam a parte principal do complexo.
Esse é o tipo de redilhado em pedra que enfeita as paredes de Alhambra.
Há que se olhar devagar e em silêncio, para ouvir o milenar discurso desenhado e esculpido nos tetos e paredes, colunas e planos dos palácios.
Neste quarto o escritor norte-americano Washington Irving escreveu seus Contos de Alhambra, obra que, juntamente com os trabalhos de Owen Jones, ajudou a divulgar pelo mundo os detalhes e monumentos fantásticos de Granada.
Do alto de Alcazaba vê-se a parte histórica da cidade, dominada pela imponência da catedral que, junto com outras igrejas e conventos católicos, substitui os minaretes da mesquitas e as antigas artes muçulmanas.
A natureza formada por morros rochosos e árvores silvestres, ...
... ao lado da cultura expressa pela geometria sublime para homenagear Alah, pois só Deus é vencedor.
As fontes, piscinas e canais de água são outra característica do Islã. Os muçulmanos devem orar cinco vezes por dia e lavar-se antes de cada oração. Os povos do deserto sabem glorificar a água que possuem.
Os palácios Nazaríes e a Alcazaba vistos do Generalife. Com sua beleza incrustada nas serras de Granada, os palácios abrigam artes e lendas, cenários suntuosos e imaginário milenar. Um lugar de onde saímos diferentes de quando entramos. Provavelmente mais humanos, conscientes de nossas possibilidades e dos limites e ironias de nossa história.
Sugestões de leitura: El segundo hijo del mercader de sedas, de Felipe Romero. Granada: Comares, 2003.
Acesse o link acima e conheça mais sobre essa arte.