sexta-feira, 23 de março de 2012

Granada - un sueño en piedra

Desde que voltei da Espanha, a Andalucia, região que visitei, não sai de minha mente, dos meus sonhos e leituras. Eflúvios da minha alma ficaram naquelas montanhas de Sierra Nevada, nas Alpujarras, nos vales rochosos e nas cidades fantásticas, fruto de uma rara conjunção cultural que reuniu muçulmanos, cristãos e judeus no sul da península Ibérica e nos legou algumas formosuras arquitetônicas. Por oito séculos a região foi islâmica. Retomada para os cristãos pelos Reis Católicos Fernando e Isabel, no final do século XV, as montanhas foram dominadas pela guerra de 1568, entre cristãos e os mouros rebelados das Alpujarras e, finalmente, na virada para o século XVII, acontece a brutal expulsão desses mouros para a Berberia, a região do outro lado do Mediterrâneo, no norte da África, onde a civilização islâmica fincara raízes que florescem até hoje. 


A maior atração de Granada é o complexo de Alhambra e Generalife, desde 1984 declarados Patrimônio Mundial da Humanidade pela UNESCO. Acima as imponentes paredes de pedra do Alcazaba, uma das partes mais antigas de Alhambra e a área militar do complexo.


Esse prédio é quadrado por fora e redondo por dentro. É o palácio construído por Carlos V (e nunca por ele utilizado), um edifício espanhol em meio ao complexo islâmico. Hoje é museu e sala de exposições especiais. Quando lá estive acontecia as exposições de Owen Jones e de Escher. Jones foi um arquiteto britânico (1809-1874) que viajou pela Europa e Oriente Médio pesquisando as formas e estilos de palácios, mesquitas, templos e igrejas. Escreveu uma obra-prima, intitulada Gramática do Ornamento. Este livro está disponível na internet e deixo o link para consulta:

http://www.illuminated-books.com/books/grammar.htm 



Generalife compreende os jardins altos e baixos e os palácios que serviam de lugar de descanso e ócio para quando os nobres Nazaríes quisessem deixar Alhambra.


O complexo foi construído entre os anos 1237 e 1391, para abrigar a estirpe nobre que terminou com Muhammad XII - Boadbil, último sultão nazarí que entregou Alhambra aos Reis Católicos no dia 2 de janeiro de 1492. Dizem que quando ele saiu por uma das portas de Alhambra, pediu que a vedassem com pedras para que ninguém mais a utilizasse. Ao sair, em lágrimas, teria ouvido de sua esposa: "Chore como mulher porque não conseguiste defender Alhambra como um homem". O lugar é hoje conhecido por "o suspiro do mouro". Ele perdeu muito. Em árabe, Alhambra quer dizer "la roca" (a rocha) e suas construções, bordeando os penhascos do monte e as matas transformadas em jardins, compõe alguns dos mais intrincados e fabulosos edifícios artísticos do mundo. Acima, o topo de Alhambra visto a partir do centro, com suas ruas tortuosas.


É um dos lugares mais fascinantes que conheci neste planeta. Se Deus permitir, voltarei com muito gosto e para ficar mais tempo.


No centro da cidade está a catedral católica, construída nas bases de Alhambra.



Cheguei em Granada por volta do meio-dia e à tarde não consegui entrar nos palácios de Alhambra porque os ingressos já estavam esgotados para o dia. Ainda bem. Pude passear pelos jardins externos, visitar o palácio Carlos V, ver os arredores e conhecer o Parador, o hotel histórico situado no meio do complexo. Assim me preparei para ver, na manhã seguinte, as tão faladas e descritas belezas andaluzes.


A arte islâmica visa glorificar as obras de Alah. Não são permitidas reproduções de pessoas, animais ou plantas pois, sendo criações divinas, não devem ser reproduzidas pelos humanos. Sua arte, portanto, possui intenções sagradas e o papel da arte sacra é apoiar a vida espiritual daqueles que adentram seus domínios, para inspirar um modo de perceber o mundo e as sutis realidades que ele oculta. 


A estrutura visual do desenho islâmico possui dois aspectos: a caligrafia propiciada pela tradicional escrita arábica e a ornamentação abstrata que utiliza uma linguagem visual variada mas geometricamente integrada. O link do livro acima indicado mostra essa pureza estilística e a sofisticação baseada na reprodução de padrões retirados dos princípios geométricos do mundo. 


Barras de azulejos como essa influenciaram diretamente algumas obras de M. C. Escher. Essa arte de puros ornamentos gravita em torno de dois núcleos conceituais: padrões geométricos e desenhos estilizados de arabescos, espiralados, folhas, insetos e flores, representando vida orgânica e ciclos de existência.


Do alto de Alhambra vê-se parte de Granada. O casco histórico fica do outro lado da cidadela.


Os palácios Nazaríes. Divididos em Palácio de Mexuar (1314-1325; 1362-1391), o Palácio de Comares (1333-1354; 1362-1391); e o Palácio de Los Leones (1362--1391). Eles formam a parte principal do complexo.


Esse é o tipo de redilhado em pedra que enfeita as paredes de Alhambra.


Há que se olhar devagar e em silêncio, para ouvir o milenar discurso desenhado e esculpido nos tetos e paredes, colunas e planos dos palácios.


Neste quarto o escritor norte-americano Washington Irving escreveu seus Contos de Alhambra, obra que, juntamente com os trabalhos de Owen Jones, ajudou a divulgar pelo mundo os detalhes e monumentos fantásticos de Granada.


Do alto de Alcazaba vê-se a parte histórica da cidade, dominada pela imponência da catedral que, junto com outras igrejas e conventos católicos, substitui os minaretes da mesquitas e as antigas artes muçulmanas.


A natureza formada por morros rochosos e árvores silvestres, ...

... ao lado da cultura expressa pela geometria sublime para homenagear Alah, pois só Deus é vencedor.


As fontes, piscinas e canais de água são outra característica do Islã. Os muçulmanos devem orar cinco vezes por dia e lavar-se antes de cada oração. Os povos do deserto sabem glorificar a água que possuem.


Os palácios Nazaríes e a Alcazaba vistos do Generalife. Com sua beleza incrustada nas serras de Granada, os palácios abrigam artes e lendas, cenários suntuosos e imaginário milenar. Um lugar de onde saímos diferentes de quando entramos. Provavelmente mais humanos, conscientes de nossas possibilidades e dos limites e ironias de nossa história.

Sugestões de leitura: El segundo hijo del mercader de sedas, de Felipe Romero. Granada: Comares, 2003.

Acesse o link acima e conheça mais sobre essa arte.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Semana agitada no Turismo

Semana passada foi tão agitada que nem tive tempo de postar as novidades.


Começou na terça-feira, com a 10ª edição do Fórum Panrotas, em São Paulo. É o mais importante e dos mais bem organizados eventos na área.O evento começou com a presença dos ministros de turismo da Argentina, México, Chile e Brasil. A fala de nosso ministro foi pífia, cheia de equívocos e superficial. Pagamos mico ante parte do mundo que entende a real importância de viagens e turismo. Um dia a gente aprende e os governos entenderão algumas coisas óbvias das sociedades pós-industriais.


O local é a sede da Federação do Comércio, na av. Nove de Julho, um prédio bonito, confortável e ... funcional, o que é o mais importante.


Guillermo Alcorta, big boss do Panrotas, entendeu plenamente os desafios que as novas realidades e cenários trazem ao turismo e aglutina personalidades de primeira linha nas palestras, mesas e trocas de experiências do evento que completou uma década. Cerca de 1.200 pessoas foram ouvir, durante dois dias, o que a área nos traz para os próximos meses, já que prever em anos é muito difícil.


Danilo  (Aviesp), Laura Sancti (PUC-Campinas) e Luiz Timossi (Teorema Campinas) são presenças constantes no Fórum.


O prédio é novo, tem uma arquitetura descolada ...


... com alguns ângulos ousados ...


... e curvas aconchegantes.


O evento é conectado e mediado. Quase tudo é on line, assim como o setor de viagens e turismo. Ouvir as análises sobre tendências e cenários da área é descobrir, permanentemente, novos mundos e possibilidades, desafios e perigos. Faz-nos entender que sem a constante observação participativa no setor, a gente se torna rapidamente outsider.


Os coffee breaks e almoços são leves e saborosos e sem aquelas filas horrendas e tumultuadas. Há ilhas de serviço pelo salão e um planejamento logístico eficiente.


A professora Cynthia (EACH-USP) sentiu-se em casa em meio à tecnologia e dezenas de novos exemplos e promessas mercadológicas.


Débora Braga (ECA-USP), Cynthia (EACH-USP), eu e Mariana (EACH-USP) trocamos muitas informações, maledicências, benevolências e fococas durante o evento.


A noite de terça-feira terminou com uma mega-palestra na EACH-USP, feita por dois professores da Universidade de Surrey.


Tinha gente sentada no chão dos corredores e todo mundo ficou até o final. O tema foi Turismo social, algo de garnde interesse para nossas turmas e a sociedade em geral.

Graham Miller é o chefe do departamento de turismo de Surrey, universidade com a qual a USP possui convênios bem articulados.


Lynn é uma pesquisadora de turismo social que já veio outras vezes ao Brasil, a convite do professor Marcelo Vilela. Adivinhe o que eles visitaram e adoraram? O SESC Bertioga, um paradigma cinquentenário em turismo social.


Na sexta-feira acabei a semana em Natal (RN), em um evento organizado pelo Instituto Brasileiro de Turismólogos, sobre atualidades no turismo. Falei sobre as imensas possiblidades de nossa profissão e a bobagem que é a pseudo-regulamentação da área, não precisamos disso, mas sim de educação de qualidade, pesquisas sérias, comprometimento e que nossos alunos, professores e profissionais entendam as profundas mudanças pela qual o mundo passa. Acima estou com alunos da UFRN que ajudaram na organização do evento.

Há outras fotos bem legais de Natal que vocês podem acessar na página da moçada, no facebook.

http://www.facebook.com/#!/InstitutoTurismologosRN

terça-feira, 6 de março de 2012

Soledad - uma viagem consigo mesmo

Às vezes, por obrigação profissional, viajo só, como dessa última vez que fiquei uma semana andando pela península ibérica antes do congresso. Já me acostumei, se bem que o ideal é estar em boa companhia, mas viajar sozinho proporciona momentos de reflexão e encontro consigo mesmo. Afinal, a viagem é algo que se faz para se descobrir mais e melhor, uma busca ao nosso interior, aos desvios e encruzilhadas que formam nossa história e nosso ser.  Nessa viagem fiz algumas fotos, movido pelo interesse em identificar pessoas ou situações de solidão, de encontro consigo em uma realidade muitas vezes hostil ou indiferente. Lembro de um livro antigo, Crônica da solidão, escrito pelo já falecido Padre Charbonneau, que viveu um tempo em São Paulo. Nele o autor mostra como a solidão pode ser uma amiga ou um amparo em nossos dias pelo mundo. Vamos às fotos. Em geral, as pessoas não percebiam que estavam sendo fotografadas, para assim capturar seus momentos íntimos sem perturbação ou pose.


Essa garota ficou horas, ao longo da tarde do domingo de carnaval, tocando violino no arco que sai na ponte romana de Córdoba, que atravessa o rio Guadalquivir. Para ganhar algumas moedas ela ficou sob o sol frio da tarde, sozinha, entoando canções, concentrada e serena, de vez em quando dando um sorriso para quem jogava uma moeda.


Essa garota escrevia (desenhava?) sentada junto às grades da catedral de Granada, em uma tarde de sol e ventos suaves. Compenetrada em suas anotações, ela descansava junto à uma das maravilhas góticas da Europa.


A menina estava no páteo das Laranjas, na Catedral-Mesquita de Córdoba, uma sublime junção das arquiteturas islâmica e gótica medieval. Ela enrolou calmamente um baseado e depois o fumou, sozinha. Ali o fumo é bastante tolerado, os guardas viram e ignoraram. Depois ela ficou curtindo a brisa no jardim, com seus pensamentos e sensações.



Las Alpujarras, uma série de povoados na Sierra Nevada,  que chega a três mil metros de altura, entre Granada e o mar Mediterrâneo. A última e mais alta vila é Trevelez, famosa por seu presunto serrano. Ali, esse senhor sentava-se solitário em um banco de madeira, numa minúscula praça, olhando distraído um artesanato qualquer. A região foi o último lugar onde os mouros viveram livremente depois que os reis católicos retomaram a Espanha do domínio muçulmano, no século XIII. Na solidão das montanhas em pleno inverno, o senhor descansa, provavelmente amparado em sua aposentadoria e confortado pela sua memória.


Um almoço, solitário e delicioso, em Ronda, uma outra serra perto de Sevilla e do mar. Sentei-me em uma mesa na calçada, não havia quase ninguém por ali, por ser inverno. Comi uma sopa de legumes com amêndoas raladas e um frango suculento e saboroso. A sobremesa foi uma laranja natural, suculenta e docinha, como as boas memórias.


Espelhos são um desafio para quem está só. Eles nos chamam a atenção e nos fazem, literalmente, refletir sobre nós e o mundo. Borges era obcecado por labirintos, tigres e espelhos. Essa foto foi no lobby de um novo hotel design em Lisboa, recentemente inaugurado.


Anjos são solitários. Vivendo no interstício entre a divindade e os seres humanos, não são nem um nem outro. No filme O céu sobre Berlin (ou Asas do desejo, 1987, direção de Win Wenders), os dois anjos vivem o desejo de sentir como humanos. Em seu universo etéreo, sentem uma angústia por não poderem experimentar o cheiro do café recém-passado, o sabor de uma carne assada, o toque do corpo excitado pelo outro. Sua solidão é transcendental ...


... pois são apenas uma ponte invisível e sutil entre Deus e a humanidade. O anjo de cima é da catedral de Sevilla e o de baixo está no mural na pequena igreja de Lagos, Algarve, Portugal. Andróginos, belos, enigmáticos, os anjos povoam nossa solidão com esperanças submersas em nossos desejos.


Invisíveis também são os mendigos em nossas ruas. Esses estão em uma escadaria de mármore em pleno centro de Lisboa, ao lado do Chiado e Rossio, em uma praça movimentada e vibrante. Mas eles estão à margem do mundo e da sociedade, em uma solidão profunda amargada pela indiferença dos outros ou pelo fato de terem perdido a materialidade que suporta a existência social.


Em uma igreja quase vazia, ali ao lado do Rossio, em Lisboa, esse senhor senta e medita ao pé da imagem do Beato João Paulo II. No outono de sua vida, ele se refugia em uma igreja para, talvez, se entregar à meditação, à reflexão em forma de oração.

O crepúsculo da vida é árduo e sentido. Philip Roth, o brilhante escritor norte-americano, mostra a velhice do homem no livro Everymen. Christopher Isherwood também mostra essa solidão da velhice masculina em A single man, transformado em filme (Direito de amar, 2009, direção de Tom Ford). 

A soledad, vivida na península ibérica, foi mais uma experiência de encontro comigo mesmo. Algo rico e profundo que me preparou para os deliciosos encontros humanos que se seguiram em Lisboa e em Aveiro. O importante é estar consigo ou com os outros, desde que se vivencie nossas vidas com a cristalina consciência de existir em um contexto, dado e construído, de acordo com nossos desejos e possibilidades ampliadas. 

sexta-feira, 2 de março de 2012

Gender in Tourism - Universidade de Aveiro, Portugal. 2012

Foram dois dias de trabalho intenso e inédito. Pela primeira vez uma grande pesquisa realizada entre Portugal e Brasil está levantando as questões de gênero no mercado de trabalho do turismo, nos dois países. Nos dias 1 e 2 de março estivemos reunidos (mestrandos, doutorandos e professores de vários países), em um encontro cuja língua oficial foi o inglês, para discutir a questão da mulher (e outros segmentos) no mercado de turismo e na sociedade em geral.


Cerca de 50 pessoas participaram de quatro conferências e seis sessões de comunicação de trabalhos previamente selecionados.


Saí na quarta-feira da estação Oriente, em Lisboa, numa manhã nublada, a bordo do comboio (trem) Alfapendular rumo ao norte ...


... para a bela e formosa cidade de Aveiro,  situada numa ria (complexo de canais junto ao mar), entre Coimbra e Porto.


O organizador do evento foi o Prof. Carlos Costa, da Universidade deAveiro, bastante conhecido no Brasil, na Europa e na Ásia, onde realiza trabalhos de pesquisa e formação na área de viagens e turismo. Ele fez a apresentação do projeto e deu as boas vindas aos participantes.


Carlos Costa e Chris Cooper (dir.), que fez a primeira das quatro conferências do evento. Ele falou sobre cenários e tendências para o turismo.


Um dos auditórios da Universidade ficou reservado para nós e o coffee break foi realizado por estudantes de hotelaria que mostraram muita eficiência e educação nos seus serviços.


Na primeira noite, foi realizado um jantar no complexo histórico denominado Olaria, uma antiga fábrica de tijolos que virou centro de congressos.


A Profa. Anália Torres (socióloga), de Portugal, realizou a segunda conferência apresentando dados sobre a situação das mulheres em 25 países europeus.


Alexandre Panosso (USP), Helena Costa (UnB), Carlos Costa (Univ. de Aveiro) e eu, felizes da vida em um dos intervalos do evento.


Parte do nosso grupo posou, antes do almoço, na entrada do edifício do restaurante. Aliás, almoços bem variados e saborosos no restaurante universitário, um exemplo a ser copiado urgentemente por algumas universidades brasileiras...


Realizei a terceira conferência, sobre as origens mitológicas, filosóficas e históricas do machismo. Helena Costa (Universidade de Brasília) encerrou com uma explanação clara e muito bem estruturada sobre os primeiros dados da pesquisa no Brasil. Eu a conheço desde que foi minha aluna no mestrado de Turismo da Universidade do Vale do Itajaí em Balneário Camboriú (SC), uma ótima aluna ma época e hoje uma pesquisadora segura e com estilo.


Em meio voltaremos a Aveiro para o INVTUR, um evento de grande porte (umas 700 pessoas) que reunirá pesquisadores de vários países. Acima o site do evento e os oradores convidados. Falarei sobre ... (aguarde os próximos capítulos).

Agora é preparar a volta para casa, rumo ao calor tropical e a vida acadêmica brasileira.