É bom escrever, pois a
memória nos trai. Algum tempo depois os detalhes se esboroam, os fatos se
confundem e outras coisas simplesmente são esquecidas. Mas o que é importante fica gravado nos
neurônios, a titânio e a laser. Por isso eu escrevo. Está lá no meu diário de
bordo, no dia 23 de julho de 1980, uma quarta-feira, quando cheguei em
Cingapura, vindo de Maadras, na Índia: “Após
dez dias é bom estar em um lugar como este. Assim como a Índia transmite
miséria onde quer que se esteja, mesmo nos hotéis de luxo, pois é só abrir a
janela ou olhar para o rosto dos empregados, Cingapura é um tipo de Estados
Unidos na Ásia. Por todo o lugar a limpeza e a organização estão presentes. Me
empanturrei de coca-cola, batatas fritas, hambúrguer e chocolate.” Essas
foram as impressões de um jovem guia de turismo (tinha 21 anos), visitando a
Ásia pela primeira vez. Lembro que fiquei impressionado com a qualidade dos
hotéis na Indonésia, na Austrália, Nova Zelândia e Cingapura. Foi uma surpresa
em segurança, eficiência e qualidade nos serviços, especialmente no respeito ao
consumidor. Os serviços das operadoras locais de turismo eram primorosos e o
que me chamava a atenção era a precisão e seriedade dos profissionais locais,
bem diferente de outros lugares como algumas áreas do Brasil ou do México. Mais
de três décadas depois a Ásia se firmou como um conjunto de destinos altamente
profissionalizados e qualificados. O Brasil segue como uma promessa não
cumprida a respeito de seu potencial turístico.
No que se refere às
companhias aéreas, as mudanças foram ainda mais profundas. Na minha época os
Emirados Árabes Unidos ou Qatar eram destinos ignorados pelo turismo
internacional. A Turquia era uma região tentando se firmar como parceiro
europeu confiável. Hoje, esses países islâmicos e vários países da Ásia
despontam como exemplos em hotelaria, entretenimento, moda, gastronomia,
planejamento turístico e transporte aéreo.
No último relatório da
Skytrax World Airlines Awards http://www.worldairlineawards.com/
os vinte primeiros lugares mostram uma clara delimitação geográfica:
1.
Qatar Airways (Qatar)
2.
Asiana Airlines (Coréia do Sul)
3.
Singapore Airlines (Cingapura)
4.
Cathay Pacific (Hong Kong)
5.
All
Nippon Airways – ANA (Japão)
6.
Ethiad
Airways (Emirados)
7.
Turkish
Airlines (Turquia)
8.
Emirates
(Emirados, Dubai)
9.
Thai
Airways (Tailândia)
10. Malaysia Airlines (Malásia)
11. Garuda Indonesia (Indonésia)
12. Virgin Australia (Austrália)
13. EVA Air (Taiwan)
14. Lufthansa (Alemanha)
15. Qantas Airways (Austrália)
16.
Korean Air (Coréia do Sul)
17. Air New Zealand (Nova Zelândia)
18. Swiss International Airlines (Suiça)
19. Air Canada (Canada)
20. Hainan Airlines (China)
Essa delimitação
concentra companhias aéreas dos países islâmicos e asiáticos, restando apenas
dias companhias aéreas europeias e uma norte-americana, do Canadá. No início da
década de 1990, quando a revista Condé Nast Traveler começou a fazer ranking
dos serviços turísticos mundiais a Singapore Airlines já era a primeira
colocada, seguida pela antiga Swissair, hoje desaparecida. Outras companhias
aéreas europeias como Air France, KLM e Lufthansa apareciam nos primeiros dez lugares.
Como estão as aéreas
brasileiras na lista? Veja abaixo e a coluna à direita, entre parênteses, é a
posição em 2011:
32. TAM (25º)
54. AZUL (76º)
56. Avianca (53º)
69. Trip (96º)
A GOL não aparece entre
as cem melhores. Por outro lado, note como a TAM caiu sete posições e a Azul e
Trip avançaram significativamente graças aos seus esforços de melhoria. Em
alguns anos, se continuarem a evoluir, serão os protagonistas da área.
Os aeroportos também
são sistematicamente analisados e aferidos por consultorias internacionais como
a Skytrax: http://www.worldairportawards.com/
1.
Singapore Changi Airport
2.
Incheon International Airport (Seul,
Coréia do Sul)
3.
Amsterdam Schiphol Airport
4.
Hong Kong International Airport
5.
Beijing Capital International Airport
6.
Munich Airport
7.
Zurich Airport
8.
Vancouver International Airport
9.
Tokyo International Airport (Haneda)
10.
London Heathrow Aiport
Evidentemente os
aeroportos brasileiros não aparecem entre os cem melhores do mundo. Nossa
história da aviação civil nos últimos anos foi marcada pela “crise aérea”, da
qual não nos recuperamos totalmente. Na América do Sul, o aeroporto de Lima, no
Peru, está em 25º lugar e Guaiaquil, no Equador, em 45º. Depois , no quadro
regional da Skytrax,, Santiago do Chile aparece em terceiro lugar (mas também
fora dos cem melhores do mundo) e em quarto lugar surge, finalmente, São Paulo,
Guarulhos, seguido de Rio de Janeiro, Tom Jobim.
Sendo assim, temos
alguns pressupostos sobre a situação atual:
1.
Trinta anos depois, enquanto os serviços
turísticos brasileiros continuam medíocres,
alguns países pequenos do Oriente Médio e da Ásia, além de alguns países com
história de sucesso (Cingapura, Japão, Austrália e Nova Zelândia), dominam os
fluxos de serviços globais com eficiência, qualidade, alta tecnologia e
capacidade de gestão;
2.
O Brasil perdeu as janelas de oportunidade
proporcionadas pelos megaeventos da Copa do Mundo e Olimpíadas. Nossa infraestrutura
ficará pronta com grande atraso e em patamares muito inferiores aos desejados
ou suficientes para competir em nível de excelência internacional;
3.
O que há de melhor em companhias áreas
no Brasil está nas mãos dos estrangeiros: a TAM pertence à LAN, chilena; a
Avianca é um grupo internacional; a Trip foi comprada pela Azul que, por sua
vez, pertence a um norte-americano nascido no Brasil, mas que controla seus
grupos empresariais do exterior;
4.
Os aumentos dos fluxos de viagens no
Brasil começaram em meados da década de 1990, após o sucesso do Plano Real, que
alavancou os governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), seguido pelos
governos Lula (2003-2010). Nenhum deles fez as mudanças necessárias para que a
infraestrutura aeroportuária saísse das mãos dos militares da Aeronáutica e
para que a Infraero começasse a se afastar das gestões aeroportuárias, algo que
jamais fez com competência no país. Seus legados, para o turismo, foram tímidos
ou quase nulos. Os avanços econômicos e sociais do país não foram acompanhados
por avanços nos setores de viagens e turismo, salvo algumas exceções
(hotelaria, gastronomia), pois a infraestrutura de transportes (portos,
aeroportos, ferrovias, rodovias, metrôs) e a capacidade de planejamento sistêmico
e operação articulada do turismo foram absolutamente negligenciadas.
5.
Os resultados aparecem agora claramente
nos rankings mundiais de competitividade,
onde o país sequer é citado ou nos quadros demonstrativos de receptivo, onde a
entrada de turistas estrangeiros está estagnada há uma década.
Estamos entre os loosers, os perdedores de oportunidades.
Anões geográficos, como Qatar, Cingapura, Hong Kong ou os Emirados, superam
imensamente o nosso gigantismo burocrático e a nossa arrogância tropical. Não é
estranho que também nos rankings de
desempenho educacional, estejamos nos últimos lugares, com gloriosas exceções.
O turismo contemporâneo depende de altas tecnologias e elevada capacidade
administrativa e econômica, algo que se aprende apenas nas melhores escolas. O
Ministério do Turismo está paralisado desde o início do governo Dilma, em 2011,
depois de escândalos que levaram parte de sua equipe para a cadeia. Os
megaeventos estão sob a responsabilidade exclusiva do Ministério dos Esportes,
com o Turismo totalmente alijado, a não
ser de cursinhos de formação profissional, bastante superficiais. Resta
saber como os próximos meses poderão melhorar um pouco esse triste cenário.
Luiz Gonzaga Godoi
Trigo