segunda-feira, 29 de abril de 2013

Turismo global - Vencedores e perdedores



É bom escrever, pois a memória nos trai. Algum tempo depois os detalhes se esboroam, os fatos se confundem e outras coisas simplesmente são esquecidas.  Mas o que é importante fica gravado nos neurônios, a titânio e a laser. Por isso eu escrevo. Está lá no meu diário de bordo, no dia 23 de julho de 1980, uma quarta-feira, quando cheguei em Cingapura, vindo de Maadras, na Índia: “Após dez dias é bom estar em um lugar como este. Assim como a Índia transmite miséria onde quer que se esteja, mesmo nos hotéis de luxo, pois é só abrir a janela ou olhar para o rosto dos empregados, Cingapura é um tipo de Estados Unidos na Ásia. Por todo o lugar a limpeza e a organização estão presentes. Me empanturrei de coca-cola, batatas fritas, hambúrguer e chocolate.” Essas foram as impressões de um jovem guia de turismo (tinha 21 anos), visitando a Ásia pela primeira vez. Lembro que fiquei impressionado com a qualidade dos hotéis na Indonésia, na Austrália, Nova Zelândia e Cingapura. Foi uma surpresa em segurança, eficiência e qualidade nos serviços, especialmente no respeito ao consumidor. Os serviços das operadoras locais de turismo eram primorosos e o que me chamava a atenção era a precisão e seriedade dos profissionais locais, bem diferente de outros lugares como algumas áreas do Brasil ou do México. Mais de três décadas depois a Ásia se firmou como um conjunto de destinos altamente profissionalizados e qualificados. O Brasil segue como uma promessa não cumprida a respeito de seu potencial turístico. 

No que se refere às companhias aéreas, as mudanças foram ainda mais profundas. Na minha época os Emirados Árabes Unidos ou Qatar eram destinos ignorados pelo turismo internacional. A Turquia era uma região tentando se firmar como parceiro europeu confiável. Hoje, esses países islâmicos e vários países da Ásia despontam como exemplos em hotelaria, entretenimento, moda, gastronomia, planejamento turístico e transporte aéreo. 

No último relatório da Skytrax World Airlines Awards  http://www.worldairlineawards.com/ os vinte primeiros lugares mostram uma clara delimitação geográfica:

1.      Qatar Airways (Qatar)
2.      Asiana Airlines (Coréia do Sul)
3.      Singapore Airlines (Cingapura)
4.      Cathay Pacific (Hong Kong)
5.      All Nippon Airways – ANA (Japão)
6.      Ethiad Airways (Emirados)
7.      Turkish Airlines (Turquia)
8.      Emirates (Emirados, Dubai)
9.      Thai Airways (Tailândia)
10.  Malaysia Airlines (Malásia)
11.  Garuda Indonesia (Indonésia)
12.  Virgin Australia (Austrália)
13.  EVA Air (Taiwan)
14.  Lufthansa (Alemanha)
15.  Qantas Airways (Austrália)
16.  Korean Air (Coréia do Sul)
17.  Air New Zealand (Nova Zelândia)
18.  Swiss International Airlines (Suiça)
19.  Air Canada (Canada)
20.  Hainan Airlines (China)

Essa delimitação concentra companhias aéreas dos países islâmicos e asiáticos, restando apenas dias companhias aéreas europeias e uma norte-americana, do Canadá. No início da década de 1990, quando a revista Condé Nast Traveler começou a fazer ranking dos serviços turísticos mundiais a Singapore Airlines já era a primeira colocada, seguida pela antiga Swissair, hoje desaparecida. Outras companhias aéreas europeias como Air France, KLM e Lufthansa  apareciam nos primeiros dez lugares. 

Como estão as aéreas brasileiras na lista? Veja abaixo e a coluna à direita, entre parênteses, é a posição em 2011:

32. TAM         (25º)
54. AZUL       (76º)
56. Avianca    (53º)
69. Trip           (96º)

A GOL não aparece entre as cem melhores. Por outro lado, note como a TAM caiu sete posições e a Azul e Trip avançaram significativamente graças aos seus esforços de melhoria. Em alguns anos, se continuarem a evoluir, serão os protagonistas da área. 

Os aeroportos também são sistematicamente analisados e aferidos por consultorias internacionais como a Skytrax: http://www.worldairportawards.com/ 
 
1.      Singapore Changi Airport
2.      Incheon International Airport (Seul, Coréia do Sul)
3.      Amsterdam Schiphol Airport
4.      Hong Kong International Airport
5.      Beijing Capital International Airport
6.      Munich Airport
7.      Zurich Airport
8.      Vancouver International Airport
9.      Tokyo International Airport (Haneda)
10.  London Heathrow Aiport
Evidentemente os aeroportos brasileiros não aparecem entre os cem melhores do mundo. Nossa história da aviação civil nos últimos anos foi marcada pela “crise aérea”, da qual não nos recuperamos totalmente. Na América do Sul, o aeroporto de Lima, no Peru, está em 25º lugar e Guaiaquil, no Equador, em 45º. Depois , no quadro regional da Skytrax,, Santiago do Chile aparece em terceiro lugar (mas também fora dos cem melhores do mundo) e em quarto lugar surge, finalmente, São Paulo, Guarulhos, seguido de Rio de Janeiro, Tom Jobim. 

Sendo assim, temos alguns pressupostos sobre a situação atual:

1.      Trinta anos depois, enquanto os serviços turísticos brasileiros continuam  medíocres, alguns países pequenos do Oriente Médio e da Ásia, além de alguns países com história de sucesso (Cingapura, Japão, Austrália e Nova Zelândia), dominam os fluxos de serviços globais com eficiência, qualidade, alta tecnologia e capacidade de gestão;

2.      O Brasil perdeu as janelas de oportunidade proporcionadas pelos megaeventos da Copa do Mundo e Olimpíadas. Nossa infraestrutura ficará pronta com grande atraso e em patamares muito inferiores aos desejados ou suficientes para competir em nível de excelência internacional;

3.      O que há de melhor em companhias áreas no Brasil está nas mãos dos estrangeiros: a TAM pertence à LAN, chilena; a Avianca é um grupo internacional; a Trip foi comprada pela Azul que, por sua vez, pertence a um norte-americano nascido no Brasil, mas que controla seus grupos empresariais do exterior;

4.      Os aumentos dos fluxos de viagens no Brasil começaram em meados da década de 1990, após o sucesso do Plano Real, que alavancou os governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), seguido pelos governos Lula (2003-2010). Nenhum deles fez as mudanças necessárias para que a infraestrutura aeroportuária saísse das mãos dos militares da Aeronáutica e para que a Infraero começasse a se afastar das gestões aeroportuárias, algo que jamais fez com competência no país. Seus legados, para o turismo, foram tímidos ou quase nulos. Os avanços econômicos e sociais do país não foram acompanhados por avanços nos setores de viagens e turismo, salvo algumas exceções (hotelaria, gastronomia), pois a infraestrutura de transportes (portos, aeroportos, ferrovias, rodovias, metrôs) e a capacidade de planejamento sistêmico e operação articulada do turismo foram absolutamente negligenciadas.   

5.      Os resultados aparecem agora claramente nos rankings mundiais de competitividade, onde o país sequer é citado ou nos quadros demonstrativos de receptivo, onde a entrada de turistas estrangeiros está estagnada há uma década. 

Estamos entre os loosers, os perdedores de oportunidades. Anões geográficos, como Qatar, Cingapura, Hong Kong ou os Emirados, superam imensamente o nosso gigantismo burocrático e a nossa arrogância tropical. Não é estranho que também nos rankings de desempenho educacional, estejamos nos últimos lugares, com gloriosas exceções. O turismo contemporâneo depende de altas tecnologias e elevada capacidade administrativa e econômica, algo que se aprende apenas nas melhores escolas. O Ministério do Turismo está paralisado desde o início do governo Dilma, em 2011, depois de escândalos que levaram parte de sua equipe para a cadeia. Os megaeventos estão sob a responsabilidade exclusiva do Ministério dos Esportes, com o Turismo totalmente alijado, a não  ser de cursinhos de formação profissional, bastante superficiais. Resta saber como os próximos meses poderão melhorar um pouco esse triste cenário.

Luiz Gonzaga Godoi Trigo

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Meus 54 anos de idade - uma reflexão




Gosto de refletir sobre a vida e algumas datas são apropriadas para isso, como o aniversário. Há 4 anos, fiz uma postagem neste blog com fotos e comentários sobre meus melhores momentos em meio século. Outras coisas boas aconteceram nesses quatro anos. Alguns anos ajudam a maturar pensamentos, sensações, memórias e interpretações sobre a vida. E também fazem pensar sobre a crescente proximidade da morte. 

Muitos não gostam que fale sobre a morte, mas nem por isso ela deixa de pairar sobre o fim de nossa existência. Tenho uma postura dúbia a respeito, já que não me acostumo plenamente com a ideia e tampouco deixo que isso estrague minha boa vida. Cansei de refletir sobre a morte quando estudei filosofia. Adorava Sartre (Caminhos da Liberdade, O ser e o nada), Simone de Beauvoir (Todos os homens são mortais) e textos literários com temas limite de autores como Thomas Mann, Hermann Broch, Cormac McCarthy, Borges, Marguerite Yourcenar, Philip Roth... 

O fato de ficar mais velho me faz confrontar essa realidade com mais propriedade, algo tipo pesquisa participativa. P. Roth, então, é absolutamente implacável com a velhice masculina (Um homem comum, Patrimônio). Sua análise envolve traços biográficos, pessoais e paternos, além de sua observação objetiva e desapiedada sobre a condição do ser humano idoso. 

Estou envelhecendo (aliás, estamos). Confesso que fiquei chocado quando, pela primeira vez, uma jovem se levantou e ofereceu seu assento no metrô. Antes que minha indignação transparecesse, racionalizei que era uma menina bem educada protagonizando uma deferência com alguém mais velho. Agradeci sorrindo e continuei em pé, refletindo que não dava para me iludir com a idade. A razão e o afeto se encontram nos paradoxos da existência. 

O ser humano se diferencia dos outros animais pela consciência de que é mortal e pela capacidade de rir. Alguns autores, como Georges Minois, pensam que uma coisa tem a ver com outra, como consolo dessa amarga tristeza. Concordo, portanto há que se viver com bom humor e de bem com a vida, sabendo ignorar o que nos aporrinha demais ou o que é mera tolice, seja a nossa ou a dos outros.

Para explicar melhor minha relação entre Eros e Tânatos (prazer e morte), remeto ao poema Rubayát, do persa Omar Khayan, escrito há uns mil anos. Esse poema marcou profundamente Borges, Amin Maalouf e muitos outros escritores. Há uma bela versão comentada em português, feita pela editora da Unesp. Para o sábio persa, a vida vale pelo prazer, pelo vinho e pelas boas sensações e sabedorias. O texto de Khayan articula o hedonismo grego clássico com o multifacetado hedonismo contemporâneo. Por exemplo:

Vamos gozar, Amor, cada breve Momento!
Logo seremos Pó, levado pelo Vento!
Pó jazendo no Pó, e sob o Pó da Tumba,
Sem Vinho, sem Cantor, sem Música ou lamento!

Sem mais interrogar o Humano e o Divino,
Às mãos do Vento errante entrega teu destino,
E teus dedos enlaça nas tranças do esbelto
Jovem que oferta o Vinho – e viva o desatino!

Não desperdices Tempo, discutindo em vão,
Ou em rixas que causem enorme tensão:
Melhor viver alegre, degustando a Uva
Madura, que amargar o fruto temporão.”

Entre experiências e reflexões, fatos e interpretações, percebo que amadureci por ter contato mais profundo com as nuances do mundo acadêmico, por saber coisas interessantes do mundo corporativo e da sociedade em geral. Por, durante décadas, me aprofundar nas questões conflitantes da sociedade e das pessoas, com seus sonhos, delírios, neuroses, carências e satisfações. 

Quanto ao meu trabalho na Universidade o que mais gosto é a possibilidade de aprender, me relacionar com os outros e ter sempre novos desafios. Estar com 54 anos e vislumbrar um horizonte profissional interessante e divertido (sim, é preciso trabalhar e se divertir) é fascinante. No meu caso, como funcionário público estadual (São Paulo), posso ficar na USP até os 70 anos de idade. Ou seja, tenho mais 16 anos, se a saúde (ou Deus) assim o permitir. Claro que posso me aposentar um pouco antes, dependerá de muitas condições. O importante é saber que existe um vasto e fértil campo a ser degustado durante os próximos anos. Há apenas dois anos sou professor titular, portanto a longa estrada do topo da carreira mal se iniciou.  

O que curto em plena maturidade? Ler meus livros por puro prazer de beber o saber, sem me preocupar exclusivamente em usá-los em outros textos de minha autoria, em aulas ou palestras. Claro que acabo usando, mas a finalidade principal é degustar voluptuosamente desses frutos maduros do conhecimento. Também curto as boas comidas e bebidas, além da nova dieta saudável com cereais, coisas integrais e frutas. Adoro cinema, caminhar, ver a natureza e as grandes cidades. Sou urbano, globalizado, complexo, contraditório, teimoso, paradoxal, bem humorado e gosto de dar risadas vendo as tolices, desmesuras e desvarios dos outros (assim como me divirto com minhas idiossincrasias, ou neuroses, se preferir).


Curto pessoas, situações, histórias, casos e conversas. Gosto de ver as novas gerações se admirando e aprendendo com o mundo, com as mesmas coisas que ainda me fazem soltar um “huauuu!” ou uma risada bem franca. 

Para mim as questões fundamentais são o gostar, o escolher e o agir com coragem e prudência. Tudo isso tem a ver com a vida que decidi levar no contexto das condições que me foram dadas. 

Tenho um lado místico, mas isso é algo que considero íntimo o suficiente para não ser comentado em público, como qualquer intimidade. Gosto de preservar alguns mistérios, receios e particularidades e ainda por cima há coisinhas que nem eu conheço sobre mim mesmo. Fora as que eu esqueci, sei lá por que.

Em suma: completei ontem 54 aninhos. É muito? É pouco? É apenas um número. Um pouco de tempo, no espaço. Faço o possível para continuar sendo o sujeito atuante dessa história, junto com algumas pessoas que me são caras e ajudam a minha ascese. Gente que enriquece essa história. Que me resta? A esperança e a vontade de viver os próximos anos.

Luiz Gonzaga Godoi Trigo  

domingo, 7 de abril de 2013

Museu do Misticismo em Ávila, Espanha





Na cidade murada de Ávila, Espanha, há um museu do misticismo que é bancado pela municipalidade e teve apoio de vários estudiosos para sua implementação.



 Nas  muralhas está uma placa de bronze com os nomes dos grandes místicos cristão, judaicos e muçulmanos que fizeram de Ávila seu lar de meditação e aprofundamento ascético. Santa Tereza, a primeira mulher a ter o título de doutora da Igreja Católica e São João da Cruz, outro  mistico com o título de doutor eclesial, são as figuras mais famosas da cidade. Por ali também passou São Francisco de Bórgia (o terceiro superior dos jesuítas). Aliás, Santo Inácio de Loyola, o fundador da Companhia de Jesus, teve muita influência junto aos seus contemporâneos e doutos santos. 

Com essa história rica em ascese espiritual, nada mais propício que Ávila abrigue um espaço de interpretação mística, mas algo bem descolado e aberto a pessoas de todos as crenças e estilos.



O "museu" é um espaço minimalista, com arquitetura moderna, sem ícones ou estátuas explicitamente religiosas. Possui alguns poucos símbolos, grandes áreas vazias, textos curtos nas paredes austeras e luzes, sombras e formas sutis.

Adorei a poesia do místico muçulmano, Ibn’ Arabi, de Múrcia, que simplesmente diz:

Mi corazón abarca todas las formas,

Contiene um prado para las gacelas,

Y um monastério para los cristianos.

Hay um templo para los idolatras

Y um santuario para los peregrinos.

Em él está la tabla de la Torá

Y el libro del Corán.

Yo sigo la religión del amor

Y voi por qualquier caminho

Para donde me lleve el camello.

Esta es la verdadeira fe,

Esta es la verdadeira religión.”








Na entrada do espaço há um jogo de palavras prováveis que nos acometem quando pensamos em algo místico. Pode-ser agregar outras palavras e sentimentos...



Essa é a vista que se tem do vale localizado atrás das muralhas. O museu fica ali perto, entre as muralhas e os balaústres de ferro que nos separam das suaves profundezas geológicas da cidade. Profundezas radicais, só mesmo no fundo da alma que vislumbra o universo.


Quem quiser saber mais, consulte o  site do Centro de Intepretação do Misticismo:

http://www.avilamistica.es/interpretacion/