Gosto de refletir sobre
a vida e algumas datas são apropriadas para isso, como o aniversário. Há 4
anos, fiz uma postagem neste blog com fotos e comentários sobre meus melhores
momentos em meio século. Outras coisas boas aconteceram nesses quatro anos.
Alguns anos ajudam a maturar pensamentos, sensações, memórias e interpretações
sobre a vida. E também fazem pensar sobre a crescente proximidade da morte.
Muitos não gostam que
fale sobre a morte, mas nem por isso ela deixa de pairar sobre o fim de nossa
existência. Tenho uma postura dúbia a respeito, já que não me acostumo plenamente
com a ideia e tampouco deixo que isso estrague minha boa vida. Cansei de
refletir sobre a morte quando estudei filosofia. Adorava Sartre (Caminhos da Liberdade, O ser e o nada), Simone de Beauvoir (Todos os homens são mortais) e textos
literários com temas limite de autores como Thomas Mann, Hermann Broch, Cormac
McCarthy, Borges, Marguerite Yourcenar, Philip Roth...
O fato de ficar mais
velho me faz confrontar essa realidade com mais propriedade, algo tipo pesquisa
participativa. P. Roth, então, é absolutamente implacável com a velhice
masculina (Um homem comum, Patrimônio). Sua análise envolve traços biográficos,
pessoais e paternos, além de sua observação objetiva e desapiedada sobre a
condição do ser humano idoso.
Estou envelhecendo
(aliás, estamos). Confesso que fiquei chocado quando, pela primeira vez, uma
jovem se levantou e ofereceu seu assento no metrô. Antes que minha indignação
transparecesse, racionalizei que era uma menina bem educada protagonizando uma
deferência com alguém mais velho. Agradeci sorrindo e continuei em pé,
refletindo que não dava para me iludir com a idade. A razão e o afeto se
encontram nos paradoxos da existência.
O ser humano se
diferencia dos outros animais pela consciência de que é mortal e pela
capacidade de rir. Alguns autores, como Georges Minois, pensam que uma coisa
tem a ver com outra, como consolo dessa amarga tristeza. Concordo, portanto há
que se viver com bom humor e de bem com a vida, sabendo ignorar o que nos
aporrinha demais ou o que é mera tolice, seja a nossa ou a dos outros.
Para explicar melhor
minha relação entre Eros e Tânatos (prazer e morte), remeto ao poema Rubayát,
do persa Omar Khayan, escrito há uns mil anos. Esse poema marcou profundamente
Borges, Amin Maalouf e muitos outros escritores. Há uma bela versão comentada em
português, feita pela editora da Unesp. Para o sábio persa, a vida vale pelo
prazer, pelo vinho e pelas boas sensações e sabedorias. O texto de Khayan articula
o hedonismo grego clássico com o multifacetado hedonismo contemporâneo. Por
exemplo:
“Vamos gozar, Amor, cada breve Momento!
Logo seremos Pó, levado pelo Vento!
Pó jazendo no Pó, e sob o Pó da Tumba,
Sem Vinho, sem Cantor, sem Música ou lamento!
Sem mais interrogar o Humano e o Divino,
Às mãos do Vento errante entrega teu destino,
E teus dedos enlaça nas tranças do esbelto
Jovem que oferta o Vinho – e viva o desatino!
Não desperdices Tempo, discutindo em vão,
Ou em rixas que causem enorme tensão:
Melhor viver alegre, degustando a Uva
Madura, que amargar o fruto temporão.”
Entre experiências e
reflexões, fatos e interpretações, percebo que amadureci por ter contato mais
profundo com as nuances do mundo acadêmico, por saber coisas interessantes do
mundo corporativo e da sociedade em geral. Por, durante décadas, me aprofundar
nas questões conflitantes da sociedade e das pessoas, com seus sonhos,
delírios, neuroses, carências e satisfações.
Quanto ao meu trabalho
na Universidade o que mais gosto é a possibilidade de aprender, me relacionar
com os outros e ter sempre novos desafios. Estar com 54 anos e vislumbrar um
horizonte profissional interessante e divertido (sim, é preciso trabalhar e se
divertir) é fascinante. No meu caso, como funcionário público estadual (São
Paulo), posso ficar na USP até os 70 anos de idade. Ou seja, tenho mais 16
anos, se a saúde (ou Deus) assim o permitir. Claro que posso me aposentar um
pouco antes, dependerá de muitas condições. O importante é saber que existe um
vasto e fértil campo a ser degustado durante os próximos anos. Há apenas dois
anos sou professor titular, portanto a longa estrada do topo da carreira mal se
iniciou.
O que curto em plena
maturidade? Ler meus livros por puro prazer de beber o saber, sem me preocupar
exclusivamente em usá-los em outros textos de minha autoria, em aulas ou
palestras. Claro que acabo usando, mas a finalidade principal é degustar
voluptuosamente desses frutos maduros do conhecimento. Também curto as boas
comidas e bebidas, além da nova dieta saudável com cereais, coisas integrais e
frutas. Adoro cinema, caminhar, ver a natureza e as grandes cidades. Sou
urbano, globalizado, complexo, contraditório, teimoso, paradoxal, bem humorado
e gosto de dar risadas vendo as tolices, desmesuras e desvarios dos outros
(assim como me divirto com minhas idiossincrasias, ou neuroses, se preferir).
Curto pessoas,
situações, histórias, casos e conversas. Gosto de ver as novas gerações se
admirando e aprendendo com o mundo, com as mesmas coisas que ainda me fazem
soltar um “huauuu!” ou uma risada bem franca.
Para mim as questões
fundamentais são o gostar, o escolher e o agir com coragem e prudência. Tudo
isso tem a ver com a vida que decidi levar no contexto das condições que me
foram dadas.
Tenho um lado místico,
mas isso é algo que considero íntimo o suficiente para não ser comentado em
público, como qualquer intimidade. Gosto de preservar alguns mistérios, receios
e particularidades e ainda por cima há coisinhas que nem eu conheço sobre mim
mesmo. Fora as que eu esqueci, sei lá por que.
Em suma: completei
ontem 54 aninhos. É muito? É pouco? É apenas um número. Um pouco de tempo, no
espaço. Faço o possível para continuar sendo o sujeito atuante dessa história,
junto com algumas pessoas que me são caras e ajudam a minha ascese. Gente que
enriquece essa história. Que me resta? A esperança e a vontade de viver os
próximos anos.
Luiz Gonzaga Godoi Trigo
3 comentários:
É isso.
Meu bom e "velho" Prof.Trigo, dizem que a mente nunca envelhece ! A sua certamente que não, sempre buscando novos conhecimentos, viagens, prazeres, sabores e amigos.Grande abraço aqui de Teresina, que como você mesmo disse, "contemporaneidade" do Sol...
QUERIDO AMIGO TRIGO! PARABÉNS MAIS UMA VEZ. MUITO BOM CURTIR AMIGOS ESPECIAIS COMO VOCÊ. VOCÊ SERÁ SEMPRE ESSE GOROTO, FILÓSOFO, VIAJANTE, PESQUISADOR, AMIGO QUE NEM PRECISA TER IDADE, BASTA TER A AMIZADE QUE NOS OFERECE E AS FALAS E PRODUÇÕES QUE NOS ENCANTAM. PARABÉNS!
LUZIA NEIDE
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