Quase todo ano escrevo um conto de Natal. Este ano, 2012, a história é baseada em fatos reais e as semelhanças são propositais:
A dor nos joelhos e nas costas
era insuportável. Nove horas de voo até Dubai; oito horas de espera no
aeroporto, lindo, mas depois de algum tempo tão estuporante quanto Viracopos; e
mais catorze horas até São Paulo. Estávamos quase aterrisando. O sol nascera e
a paisagem suburbana da cidade deslizava sob as asas. Mal dormiu a bordo. Ele não
tinha mais posição na poltrona e ansiava por um banho e um café da manhã ao seu
jeito.
Nuvens de tempestade cobriram o
solo e o céu. Recostado na janela sorria feito bobo, discretamente, pensando no
Natal. Seu presente chegara uns dias antes, afinal, ver ao vivo o time ser
campeão no Japão... não tinha nada melhor. Se bem que as prestações no cartão
de crédito chegariam pontualmente. Sem problema, estava dentro da festa. Grana
para viajar, time campeão, emprego garantido e a namorada esperando para curtir
o reveillon. Pacote completo.
Entre a aterrisagem e a saída do
aeroporto foram quase duas horas, graças à incompetência usual. Ligou assim que
deu linha. Logo percebeu que havia algo diferente. Errado? Não, mas
diferenciado. “E aí, acabei de chegar, tudo bem?”. Um silêncio de alguns
segundos. “Tudo ótimo, e você, foi bem de viagem? Voltou contente?” Mas foi quando disse que ao chegar em casa
queria falar comigo pelo skype, para
se verem nos olhos, teve certeza que o ano não acabara.
A marginal Tietê estava entupida
e o táxi rastejava entre a água suja do rio e o ar poluído das avenidas, sob um
sol majestático, lembrando como os trópicos são aconchegantes para quem chega
do frio e de um mundo alienígena. O computador demorou para ligar, como sempre
quando se está arfante por algo. Ela atendeu no primeiro clic. Estava linda.
Formosa e poderosa, atraente como quando a viu pela primeira vez, há uns três
anos. Moravam meio longe, mas nada que duas horas de voo não resolvessem e que
o mundo virtual não sublimasse.
O maior download de sua vida estava a caminho. Então era isso mesmo. No
auge de sua vida, com a segunda mulher,
teria o primeiro filho. Era a hora, fora o desejo e o sonho discreto, agora
transformado em evento marcado para .. oito meses? Algo assim. Foi na despedida
da viagem de volta, um pouco antes antes de ir ao Japão, numa noite quente
olhando o mar sob a lua cheia. Agora, dois dias antes do Natal, sabia que aquele
orgasmo se perpetuaria por muitos anos na figura de uma pessoa, que era sua
filha (filho?). O Natal desse ano era a comemoração da concepção, de uma nova
vida, prolongamento de suas vidas numa criatura em construção embrionária, mas
que já repartia com eles a sua felicidade e satisfação, suas esperanças e
devaneios. Claro que morariam juntos e no próximo Natal um bebê daria brilho
ainda mais especial às festas.
Um amigo perguntou qual a emoção mais intensa: ver seu time ser
campeão no
Japão ou saber que seria pai, ao voltar?
Ele pensou e disse que as duas eram grandes emoções, uma diferente da
outra. Claro, de
certa forma se complementam, pois é tudo comemoração de vida, de
celebrar
vitórias decisivas a favor da vida.
Ao desarrumar as malas ele olhou em volta e viu seu apartamento com
outros olhos. Uma
nova vida impregnava cada canto e paredes da casa, o ano que viria
tornava-se
mais que uma promessa vã de reveillon. Era um projeto aprovado,
confirmado e almejado.
O banho quente removeu seu
cansaço superficial mas fez emergir a exaustão da viagem. O
frio, a tensão dos jogos, a comida insossa e estranha, as longas
viagens de ônibus até os
estádios, a comemoração contida porque quase nada era permitido
naquela terra. E ainda os
voos eternos de ida e volta, o sabor delicioso e abissal da vitória e
a volta para casa se
fizeram presentes em seu corpo.
A notícia do filho aliviou sua alma. O titulo de seu time era o
passado recente, um sonho
realizado; a perspectiva de ser pai era o futuro insondável, uma
esperança a ser
concretizada no cotidiano de suas vidas. Os presentes de Natal esse
ano foram especiais.
Havia que agradecer, de alguma maneira e para alguém.
Antes de deitar ainda ligou mais uma vez, mas ela já saíra para
trabalhar. Jogou-se na cama
e lembrou dos últimos dias e noite, no outro lado do mundo. Pareciam
irreais agora,
sobrevivendo apenas em sua
memória e numas fotos no facebook. Antes de dormir pensou
em um bebê sorrindo e nos seus sonhos afagou uma criança que o chamava
de papai.
Lá fora, o sol iluminava, forte sob um céu laçado pelas chuvas, a
ante-véspera do Natal.
Luiz Gonzaga Godoi Trigo
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