domingo, 29 de julho de 2012

Reflexões ao crepúsculo hibernal paulistano


Sábado ao entardecer flanei pela Paulista, sentindo o ar tépido de um inverno suave dos trópicos. Com bom humor, saí para ver a cidade com olhares preguiçosos, sem recorrer à memória ou ao hábito. São Paulo é uma cidade complexa, caótica, fragmentada, rica, formosa, contraditória, portanto oferece sensações e sentimentos intensos e variados. A cidade é um tesão.


A Paulista é uma das vitrinas-passarelas da cidade. Como toda bela, bem provida e vaidosa, gosta de se ver refletida nos painéis gigantescos de sua cultura econômica poderosa e arrogante.


Assim como gosta de se enfeitar. Sua arte está mesclada à tecnologia, à arquitetura, ao design, à vida cotidiana como espaço de expressão daquilo que cada classe ou grupo entende que deve expressar.


Os resultados, devido ao caos e à sobreposição absurda de prioridades, é um pouco insólito, mas nunca tedioso, jamais insosso. É uma beleza própria, auto-suficiente.


As formas não se explicam ao primeiro olhar. As funções não são evidentes à primeira vista ou pensamento. Há recursos e ferramentas para mostrar ou para ocultar; ou ainda para disfarçar ou distorcer.

Os cenários mostram ousadias amparadas na tranquilidade de quem sabe o que está fazendo. Ou para quem. Aqui as coisas não são óbvias ou simples. Toscas ou nulas. Há um exercício intelectual perceptível nas paisagens construídas. Pode-se criticar seu sentido ou significado, mas não sua intensidade e poder de forjar o mundo.



Grandes espaços, ágoras fortificadas por vales ou torres, abrem-se para mostrar o que ainda há para se fazer e imaginar, para criar e projetar.


O futuro está sendo construído todo dia ...


... e quando ficar pronto será ostensivamente descortinado para ser observado, como este novo edifício ao lado do MASP, recentemente inaugurado.


Vistos, revistos, refletidos, cortejados. Os vidros não são para mostrar o interior, mas sim para refletir e formar imaginários ou sentimentos ante a pólis e sua representação constante junto aos seus habitantes e os turistas que a visitam, embasbacados pela bagunça de temas e problemas, de cenas e ocultações.


Não há uma ordem muito prevista ou previsível. Há junções de peças e opções de uso e abuso.


Há formas pretensamente inovadoras em um mundo que, até pouco tempo,...


... privilegiava as linhas retas das convenções sóbrias, nascidas em tempos do século passado, ...



... e que hoje são vistas por outros ângulos e por novas possiblidades.


Mas os últimos raios do sol ...


... diluem-se lânguidamente enquanto o planeta gira e as luzes naturais são substituídas pelo pulsar artificial dos faróis e lustres elétricos em suas muitas formas e cores.


O entardecer não significa a quietude tediosa dos campos inabitados, mas é o prelúdio da intensidade da noite que irrompe com suas forças e desejos. A placidez é uma ilusão e sua profundidade não é medida em quilômetros, mas em anos-luz.


O oeste se tinge de luz enquanto o solo começa a saborear a vertigem do crepúsculo...


... e o céu incia sua fase de contrastes que marcam a passagem do dia para a noite ou dela para um outro dia.


Momentos de transição, tempos dúbios, os crepúsculos e as alvoradas remetem a despedidas ou a esperanças, mas sempre surpreendem por sua singularidade estética cotidiana e a capacidade de mostrar a nós, meros mortais, ...


... como a beleza pode estar em quase todos os lugares desde a gente decida que assim é e rume para o interior de nossoas próprias reflexões ou se entregue à simples contemplação ...


... do belo bruto e gratuito.


Sempre será necessária uma beleza bem-humorada, absurda, incoerente, displicente, atônita para nos ajudar a entender o mundo e a rir dele e de nós mesmos. Somos uma estirpe misteriosa, estranha e risível, quando não trágica e desgraçada, mas nos nutrimos da esperança e dos mais nobres ideais. E, muitos de nós, conseguem rir de tudo isso ou, pelo menos, ironizar.


Esses cenários urbanos abrigam histórias e sonhos, memórias e esperanças, vidas que se movem, nascem e morrem e todas se expressam e se comunicam. O pequeno texto acima (da mostra SESC de artes 2012) inspira a consciência de que uma cidade deve servir aos seus habitantes, não apenas  como espaço para sua existência básica, mas para sua plenitude e explendor. Vale a vida.

Então veio a noite e as luzes se acenderam.


Nenhum comentário: