Quem senão Alberto Caieiro, heterônimo de Fernando Pessoa, receberia o ateu José Saramago nos desvãos incognoscíveis do universo? Ao encontrá-lo, talvez recitasse a parte V do Guardador de Rebanhos, com ares indiferentes e distantes ....
"Há metafísica bastante em não pensar em nada.
O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.
Que idéia tenho eu das cousas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do mundo?
Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
da minha janela (mas ela não tem cortinas).
O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério?
O único mistério é é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
Ea pensar muitas coisas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais do que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas,
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa."
...
Quando estive em Lanzarote pensei entender (mas só pensei e não entendi) porque Saramago escolheu viver naquela ilha devastada por um vulcão, com paisagens áridas e uma geologia viva, tão recente, que parece um planeta alianígena. Suas encostas de lava recém derramadas encontram as águas límpidas do Atlântico sob o céu azul sem poluição e as pessoas vivem em um mundo estranho, tão insólito quanto um conto sartreano ou até mesmo do realismo mágico latino-americano. Um lugar ímpar para uma existência profunda em sua ignorância do universo. Ali, hoje pela manhã, um escritor laureado deixou a vida e navegou rumo ao sol...
Um comentário:
Uma perda e tanto para o mundo!
Alberto Caeiro e Saramago, sempre!
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