Hoje à noite faço a conferência de abertura do VII CITURDES (Congresso Internacional sobre Turismo Rural e Desenvolvimento Sustentável), em Porto Alegre (RS). Abaixo alguns apontamentos que usarei. Farei postagens do evento e da cidade gaúcha. Até lá, tchê!
As facetas do turismo rural
O imaginário sobre o Brasil possui cinco séculos e as primeiras descrições dos viajantes estrangeiros focavam sua natureza exuberante e as populações nativas, tão diferentes dos europeus, africanos e os povos do Oriente Médio, o universo humano até então familiar aos europeus do século XVI. Dotado de um imenso e selvagem território permeado por florestas, rios caudalosos, serras e campos, o Brasil foi interpretado como um lugar exótico, um paraíso tropical perigoso, uma terra onde tudo era permitido. Era a típica colônia de exploração latino-americana que permitiria viagens e aventuras fantásticas e assim foi ao longo de sua história. Os relatos do alemão Hans Staden (1557) e os livros ilustrados do francês André Thevet (Les Singularitez de la France Antartique, 1557; La Cosmogrophie Universelle, 1575) foram manifestações artísticas primordiais sobre o Brasil.
A história do país mesclou as primeiras áreas urbanas (São Vicente, São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Recife) e o imenso território rural: sertão nordestino, o caminho de Peabiru, as viagens dos bandeirantes, as reduções jesuíticas, os quilombos, as fazendas de monocultura (açúcar, café, cacau), os tropeiros e os pampas, o ciclo de mineração e, finalmente, a Amazônia.
O mundo rural brasileiro não é mais aquele preconizado por Monteiro Lobato, na década de 1920, onde o Jeca Tatu e as saúvas moldavam um cenário de atraso e subdesenvolvimento. Tampouco é o ambiente hostil imerso na superstição reacionária anti-republicana dos sertões de Euclides da Cunha. O campo, descrito por Paulo Prado, como formado por uma “população sem nome, exausta pela verminose, pelo impaludismo e pela sífilis”, oferece hoje outras facetas. Já se vão longe, no crepúsculo do passado, as aventuras vividas por Leite Moraes, no final do século XIX ou relatadas por Olavo Bilac e Manoel Bomfim no início do século XX pelos rios, matas e florestas brasileiras. Nem se pode pensar em reviver a emoção do Padre Sommer, caçando uma jaguarana preta, numa gruta escura armado apenas com uma zagaia de aço afiada já que a fauna é para ser protegida e não caçada por necessidade de defesa ou esporte. Wilson Martins entendeu que o romance de Mário Palmério, Vila dos Confins, é um tipo de “Retrato do Brasil”, tão amargurado e melancólico quanto o de Paulo Prado, mas muito mais eloqüente, sendo espantosa, na época, a diferença das idades culturais que separavam os homens das cidades dos homens do interior.
Uma cultura sertaneja forte e bem estruturada aparece nas obras de Ariano Suassuna e Guimarães Rosa, porém ainda relacionada a um passado marcado pelos aspectos patriarcais. Enfim, o país de plantations adquiriu uma nova identidade econômica e cultural no contexto de um mundo que se tornou pós-industrial.
Os espaços urbanos atingiram um desenvolvimento marcado pelas regiões metropolitanas interligadas a outros centros globais importantes e os espaços rurais imersos numa outra lógica de produção econômica, cultura e lazer, onde as diferenças entre cidades e campos tornam-se cada vez menos agudas e incompatíveis. O turismo nos espaços rurais apresenta várias facetas e segmentações. Cada vez mais as diferenças entre as cidades e o mundo rural são atenuadas pelas tecnologias de inclusão digital e de comunicações.
Nesses novos contextos articulam-se sustentabilidade, preservação e a inclusão social com novas tecnologias, conforto, segurança e diversidade. Penso que o turismo nos espaços rurais tem que se pautar cada vez mais pelas experiências bem sucedidas nos países desenvolvidos e nos projetos de ponta implantados no Brasil. Rusticidade e simplicidade não significam desconforto, insegurança ou falta de higiene; a preservação pode conviver com o desenvolvimento sustentável, como acontece nos parques nacionais da América do Norte e de alguns lugares da Europa. Seu desenvolvimento exige saberes tão diversos como ecologia, geografia, antropologia, políticas públicas, hospitalidade, turismo, gastronomia e entretenimento. Não há mais tempo ou espaço para improvisações ou mentalidades retrógradas que tentam justificar alojamentos sem ar-condicionado na Amazônia ou no Pantanal, ou atividades de campo sem segurança mínima e treinamento capacitado dos guias e monitores. Tampouco é possível ignorar as características geológicas do território que, devido à alta de planejamento ou ganância irracional, eventualmente causam desastres como naufrágios de barcos de passageiros, enchentes e avalanches que atingem áreas turísticas, contaminação alimentar, desorganização urbana, poluição e devastação ambiental, prejuízos a comunidades e falta de competitividade. Profissionalismo e qualidade, eficiência e eficácia, estudos acadêmicos e gestão pública ou privada, interesses privados e públicos, cidadania e empreendedorismo, são os parâmetros e métodos de todo tipo de atividade ligada a viagens e turismo.
Luiz Gonzaga Godoi Trigo
Para ver a programação completa do CITURDES:
http://www6.ufrgs.br/pgdr/citurdes/apresentacao.php
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