terça-feira, 4 de maio de 2010

Fernando Pessoa - um viajante existencial (II)

Para vocês que gostaram de Fernando Pessoa (têm ótimo gosto, por sinal), deixo aqui uma das minhas poesias preferidas: Ode Marítima, assinado como Álvaro de Campos. Como é muito longa - e mais bela ainda, transcrevi apenas as estrofes 3 e 4.

Fotos: Luiz G.G. Trigo, Skorpius III, campo de gelo sul, Chile, 2009.



Ah, todo cais é uma saudade de pedra!
E quando o navio larga do cais
E se repara de repente que se abriu um espaço
Entre o cais e o navio,
Vem-me, não sei porquê, uma angústia recente,
Uma névoa de sentimentos de tristeza
Que brilha ao sol das minhas angústias relvadas
Como a primeira janela onde a madrugada bate,
E me envolve como uma recordação duma outra pessoa
Que fosse misteriosamente minha.



Ah, quem sabe, quem sabe,
Se não parti outrora, antes de mim,
Dum cais, se não deixei, navio ao sol
Oblíquo da madrugada,
Uma outra espécie de porto?
Quem sabe se não deixei, antes de a hora
Do mundo exterior como eu o vejo
Raiar-se para mim,
Um cais grande cheio de pouca gente,
Duma grande cidade meio-desperta,
Duma enorme cidade comercial, crescida, apoplética,
Tanto quanto isso pode ser fora do Espaço e do Tempo?


Obs. A próxima postagem será o preâmbulo do Livro de Viagem, escrito pelo próprio Fernando Pessoa, sobre o que ele entende por viajar.

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