Texto e fotos: Luiz Gonzaga Godoi Trigo
Lisboa é também chamada de luzboa, devido à luminosidade mais meridional que banha o país.
Mesmo no outono e inverno, nos dias ensolarados, a região da bacia mediterrânica (apesar de Lisboa estar à beira do Atlântico), é muito mais luminosa que o norte cinzento da Europa, com suas chuvas e nevoeiros. Essa fonte de luz e água, no Chiado, mostra como a cidade se veste quase todo o ano de alto astral.
No final de semana fiz um passeio que há tempos desejava. Tomei o elétrico (bonde) em frente ao Hotel Mundial, no centro, da famosa linha 28, e percorri ruelas estreitas, com casarões antigos, esplanadas à beira de pequenos precipícios urbanos e igrejas fantásticas como a do Condestável e a Basílica da Estrela.
Meu destino era o ponto final. Um parque verde e amplo que abriga um dos fascínios lisboetas.
O famoso Cemitério dos Prazeres. Assim como algumas cidades brasileiras possuem cemitérios charmosos, com túmulos artísticos e antigos (sem falar de Buenos Aires, com La Recoleta, ou o cemitério de Punta Arenas, no Chile, sobre o qual já postei), Lisboa nos apresenta esse paradoxo estético entre a pujança da vida e a realidade serena da morte.
Há centenas de obras de arte tumulares, baseadas no cristianismo, na maçonaria, na gnose ou simplesmente na política.
Com todo respeito, essa afirmação de pertencimento é absolutamente deslocada da dimensão que a morte nos reserva. O pertence escrito no topo do mausoléu é uma ficção baseada no título de propriedade (são sepulturas eternas, outra palavra imprópria) que nada garante ser definitivo. Os etruscos, romanos, egípcios e gregos antigos; os maias e aztecas; todos os povos que passaram pelo planeta sabem que o pó humano se mescla ao pó do planeta depois de alguns meros séculos e, geralmente, torna-se anônimo. Pode ficar, em alguns poucos casos, a memória histórica, mas a matéria se esvai no fluxo da vida e da morte.
Tampouco é necessário desprezar nossa vida atual. Ela existe, pulsa, ri e chora. A existência humana clama sua presença e cada um de nós sente isso, desde nossa alvorada até o momento que caímos no sono, seja no sentido literal cotidiano, existencial ou metafórico. Mas cada um escreve o que bem entender na sua tumba, nos seus livros e na sua vida.
Os fundos do cemitério, localizado em uma esplanada elevada, se abrem para o rio Tejo e a ponte 25 de Abril.
No silêncio do parque, com suas árvores e necrópoles de mármore, a vista formosa da cidade nos lembra que a vida possui uma força inexorável.
É interessante ver como alguns se valeram de amigos ilustres para falar sobre sua existência.
Anjos exuberantes e silenciosos nos lembram que a transcendência é uma possibilidade, algo que incendeia o imaginário. Ao mesmo tempo, no céu ...
... jatos comerciais deslizam ruidosamente, preparando-se para aterrar no aeroporto, localizado não muito longe.
Os ciprestes e as colunas marmóreas, memoriais insistentes que tentam superar a efemeridade existencial, fornecem uma paisagem serena.
Uma paisagem "humana, demasiadamente humana"...
Ao sair dali, pegando o bonde de volta, resta o sabor das castanhas assadas que nos lembra o final do ano, nascimento da luz...
... e o passeio ao pé do rio Tejo, quase ao crepúsculo. Quando a tarde cai nessa cidade, que conheceu tantas glórias e horrores, tantas aventuras e delírios, é hora de pensar onde comer e beber uma taça de vinho em honra dos vivos e mortos, em honra de nós mesmos.
Obs.: Visitei o cemitério no final da semana passada e só hoje postei (passei a semana em atividades acadêmicas, no Porto e na Universidade de Aveiro). Nesse período, tivemos duas perdas, colegas da EACH-USP que se foram. Deixo as reflexões, especialmente essa última foto, com as águas e a luz, como homenagem às suas memórias e aos momentos que compartilhamos juntos.
3 comentários:
Trigo amigo
Bela postagem esta sua. seu texto me faz viajar também e recordar algumas dessas passagens que você escreve
parabéns
abraço do amigo Homero
querido amigo,
fiquei hospedado num apto ao lado da igreja do Condestável e relembrei os dias felizes por lá vivido.
é muito bom ler seus relatos sempre tão poeticos em letras e imagens
grande abraço,
Marcio Mariguela
querido amigo,
fiquei hospedado num apto ao lado da igreja do Condestável e relembrei os dias felizes por lá vivido.
é muito bom ler seus relatos sempre tão poeticos em letras e imagens
grande abraço,
Marcio Mariguela
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