Desejo a todos(as) um Natal significativo e pleno de paz. Hoje minha postagem é especial. É um texto originalmente publicado no dia 24 de dezembro de 1.999, no jornal Correio Popular de Campinas (SP). O texto é ficção, mas foi inspirado no meu tio materno, Juvenal Américo de Godoy Filho, hoje com 90 anos. Na época ele estava viúvo a pouco tempo e esse crepúsculo de sua vida inspirou o “crepúsculo da véspera de Natal” que novamente apresento para vocês, com mínimas alterações de estilo e algumas correções.
Feliz Natal!
Crepúsculo da véspera
Nozes, figos secos e vinho do porto: uma combinação insólita para o quente Natal brasileiro, mas estimulantemente saborosa. O avô pensava nessas frivolidades bebendo mais um gole de Sandeman e olhava do terraço as luzes coloridas dos outros prédios e das ruas sem movimento. Os últimos raios do sol deixaram tonalidades coloridas no céu explodindo de estrelas. Era noite de Natal. Em breve um dos filhos o buscaria para a ceia, a primeira sem a sua mulher. A avó morrera no início do ano após um problema cardíaco grave e rápido. De repente, aos 78 anos, a morte deixou de ser uma idéia para tornar-se um espectro palpável que não mais o angustiava. Ele sabia que, no Natal, a dor da ausência se agrava e a saudade se domina a memória e o coração. A vida é uma sucessão de conquistas e perdas e agora, esperando passar o Natal com seus filhos e netos, refletia novamente sobre sua existência.
O que mais vinha à mente eram as lembranças dos Natais passados. Naquele tempo ele era o jovem e bem sucedido pai, cercado dos filhos, dos seus pais, de irmãos e sobrinhos, de amigos e de sua querida mulher. A festa em sua casa tinha Papai Noel, brinquedos e presentes para todos, árvore enfeitada e mesa generosa. Lembrou-se de um outro Natal, em Londres, com pouca neve e muito Armagnac, quando a filha mais velha fazia doutorado e morava em uma casinha perto da estação Candem Town. Depois vieram os Natais da maturidade com os primeiros netos e finalmente aquele dezembro terrível, quando o filho mais novo morreu em um acidente automobilístico, voltando de São Sebastião.
Lembrava-se também dos Natais distantes de sua infância em uma pequena cidade do interior, onde o tempo demorava a passar e o cheiro das damas-da-noite preenchia com volúpia os crepúsculos do verão. Na verdade, ainda havia algo desse cheiro na cidade, especialmente nas alamedas arborizadas. O cheiro das castanhas da infância era inesquecível de tão bom, assim como o cheiro do tender que sua mulher fazia e que, nem nos Estados Unidos, ele encontrou igual. O odor dos figos secos tornou-se real enquanto ele mastigava um espécime retirado de sua jarra de cristal, presente das bodas de ouro. Não havia mais castanhas no Natal, nem seus pais, nem o filho caçula, nem a esposa, nem o frescor da juventude que ele exibira em seus músculos até os 60 anos.
Mas havia o tempo presente. Guardara o cartão que seu neto lhe mandara depois da morte da avó: "Nada no mundo é permanente e somos tolos em desejar que uma coisa perdure, porém mais tolos ainda seríamos se não a apreciássemos enquanto a temos. — Somerset Maughan". Isso era razoável. Ele vivera intensamente, cumpriu seus deveres conjugais, paternais e profissionais. Esperava, ainda, completar alguns projetos e sonhos. Um deles viria em breve: o primeiro bisneto. Em meados de dezembro sua neta o convidou para jantar e, durante a sobremesa com vinho do porto, um parecido com aquele que agora lhe aveludava o paladar, contou que estava grávida de três meses. Era o processo vital em andamento. Os velhos diziam que sempre que um partia outro chegava, às vezes mais do que um, e a família crescia e se espalhava pelo mundo.
Lembrava-se também dos Natais distantes de sua infância em uma pequena cidade do interior, onde o tempo demorava a passar e o cheiro das damas-da-noite preenchia com volúpia os crepúsculos do verão. Na verdade, ainda havia algo desse cheiro na cidade, especialmente nas alamedas arborizadas. O cheiro das castanhas da infância era inesquecível de tão bom, assim como o cheiro do tender que sua mulher fazia e que, nem nos Estados Unidos, ele encontrou igual. O odor dos figos secos tornou-se real enquanto ele mastigava um espécime retirado de sua jarra de cristal, presente das bodas de ouro. Não havia mais castanhas no Natal, nem seus pais, nem o filho caçula, nem a esposa, nem o frescor da juventude que ele exibira em seus músculos até os 60 anos.
Mas havia o tempo presente. Guardara o cartão que seu neto lhe mandara depois da morte da avó: "Nada no mundo é permanente e somos tolos em desejar que uma coisa perdure, porém mais tolos ainda seríamos se não a apreciássemos enquanto a temos. — Somerset Maughan". Isso era razoável. Ele vivera intensamente, cumpriu seus deveres conjugais, paternais e profissionais. Esperava, ainda, completar alguns projetos e sonhos. Um deles viria em breve: o primeiro bisneto. Em meados de dezembro sua neta o convidou para jantar e, durante a sobremesa com vinho do porto, um parecido com aquele que agora lhe aveludava o paladar, contou que estava grávida de três meses. Era o processo vital em andamento. Os velhos diziam que sempre que um partia outro chegava, às vezes mais do que um, e a família crescia e se espalhava pelo mundo.
A notícia do nascimento dera-lhe alento no período pré-natalino e agora, na noite mais sagrada da cristandade, ele, que nunca foi religioso, refletia que uma criança realmente simbolizava o amor compartilhado, a esperança no futuro e a fé em algo que transcende nossa própria vida. Poderia ser uma transcendência meramente genética, mas já é alguma coisa. Algo como os livros que um tio escreveu na década de 1960, que ele de vez em quando pegava para sentir sua existência, já que eram sobre religiões comparadas e o autor, um sociólogo, morreu na década de 1980, uma das primeiras vítimas da Aids. .
Havia um último gole de vinho na taça. Olhou a bebida contra o horizonte, do alto do 18° andar e brindou ao futuro. Não apenas ao bisneto que veria em meses, mas aos tataranetos que muito provavelmente não conheceria.
Se estivesse em um navio, jogaria a taça ao mar. Sentia-se saudoso, mas satisfeito; perto da morte, mas disposto a viver cada último dia de sua vida. Sentia falta dos que foram, mas imaginava que as crianças da família tinham uma longa vida pela frente. Entrou na sala, acendeu a luz e o anjo, um enfeite de Natal, reluziu com suas vestes brilhantes e seu semblante refletido nas bolas vermelhas e douradas da árvore. A brisa trouxe frescor e o avô percebeu que os odores e sons de sua infância, de sua juventude e de sua vida madura se mesclavam no apartamento, deixado como a avó cuidava. Estavam ali o tio, em seu livro amarelado; o filho caçula, no quadro perto das samambaias; seus pais em seus genes; seus amigos na pequena adega, pois várias garrafas eram presentes antigos; e sua esposa, em tudo o que o cercava, inclusive nos filhos e netos.
O interfone avisou que o neto o esperava na garagem. Enxugou uma lágrima, deixou a janela um pouco aberta para a brisa entrar e olhou para o espelho. O velho bonito e com olhos brilhantes devolveu o olhar com outra lágrima, agora de alegria. Havia uma festa, uma família esperando-o e crianças aguardando os presentes e a mágica que a vida lhes reservava. Era o chamado da vida, o sentido e o significado do Natal. O elevador chegou e ele embarcou para o futuro.
Luiz Gonzaga Godoi Trigo
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