Uma
palavra nova para um estilo antigo
No princípio o novo
significado da velha palavra, coxinha, ofendia genericamente seus
alvos, as pessoas que se consideram bem intencionadas e preocupadas com o
presente e o futuro de nossas sociedades, atoladas na baderna e na
corrupção. Seria uma ética e estética social pretensiosamente diferenciada, algo parecido
aos antigos conceitos de sangue bom, sangue
puro, cristãos velhos ou nobres de quatro costados. Gente que faz
questão de mostrar que não pertence à “essa gentalha que está aí”, mesmo que
seus “costados” tenham vindo das classes populares há apenas duas ou três
gerações, migrados de outras regiões do Brasil ou de outros países, imigrantes
pobres que vieram “fazer a América”.
Depois o termo ficou
mais leve e menos estigmatizado, especialmente pelos que não estão nem aí com a
discussão e vivem sua coxice em paz.
Não há definições ou
conceitos sociológicos restritos para o termo coxinha. O que existe está na internet e é recente, algo surgido no
início dessa década (por volta de 2010). Em um dos blogs do site IG, está um
indício de definição: “Consigo selecionar
três perfis que acessam a página: os que acham graça e não sabem direito quem
são os ‘coxas’, os que não gostam e ficam bravos ao se identificarem e, por
fim, aqueles que se assumem e não veem problema nenhum. E também tem as
mulheres, carinhosamente chamadas de ‘coxetes’”, conta Lucas, autor do
Dicionário Coxês-Português. Mas o publicitário confessa que todo mundo tem um
pouco deles dentro de si.”
Pelo menos duas
publicações da grande imprensa mergulharam superficialmente (sic) no tema. A Folha de S.Paulo
(22/04/2012), notou que é uma gíria paulistana para pessoas engomadas, certinhas,
que seguem a maioria, gente convencional e conservadora, orgulhosa de seus
atributos herdados ou conquistados. Você pode ler a matéria no link:
Um dos estudos mais profundos saiu no diário Correio do Brasil (23/06/2013) que, no contexto dos
protestos de junho de 2013 reuniu o
sociólogo Leonardo Rossato e o professor de português Michel Montanha, que
elaboraram uma “análise sociológica” do coxinha e apresentaram uma hipótese
sobre sua origem:
“Coxinha,
sociologicamente falando, é um grupo social específico, que compartilha
determinados valores. Dentre eles está o individualismo exacerbado e dezenas de
coisas que derivam disso: a necessidade de diferenciação em relação ao restante
da sociedade, a forte priorização da segurança em sua vida cotidiana, como
elemento de “não-mistura” com o restante da sociedade, aliadas com uma forte
necessidade de parecer engraçado ou bom moço. Até algum tempo atrás, eles não tinham essa necessidade de
diferenciação. A diferenciação se dava naturalmente, com a absurda desigualdade
social das metrópoles brasileiras. Hoje, com cada vez mais gente ganhando
melhor e consumindo, esse grupo social busca outras formas de afirmar sua
diferenciação. Para isso, muitas vezes andam engomados, se vestem de uma
maneira específica, são ‘politicamente corretos’, dentro de sua noção deturpada
de política, e nutrem uma arrogância quase intragável, com pouquíssima
tolerância a qualquer crítica. Engomados, bons moços, preocupados em acentuarem
suas diferenças do resto da sociedade, inimigos da crítica... Acabaram
ridicularizados pelo restante da sociedade. Antes dos protestos, eles só eram
visíveis em São Paulo. Coxinha era fenômeno tipicamente paulistano. O coxinha,
paradoxalmente é um símbolo do amadurecimento da nossa sociedade, concluiu o
jornal: a sociedade brasileira amadureceu porque a estrutura de classes sociais
tornou-se mais complexa e diferenciada.”
Distinção,
moda, lazer e consumo conspícuo realmente fazem parte do universo dos coxinhas.
Só encontro um problema com esta explicação: ela naturaliza uma condição humana
que na realidade é produzida socialmente. Ou seja, os coxinhas são coxinhas
porque adotam um determinado sistema de crenças e valores compartilhado por
outros iguais. Não são coxinhas porque a natureza os fez assim. Eles escolheram
ser o que são.”
É um termo novo para designar uma realidade bem
antiga, marcante nas sociedades aristocráticas ocidentais e orientais.
Ampliou-se com a burguesia nascente europeia, descrita em filmes, livros, musicais
e peças de teatro. Podemos abusar e aventar que Thomas Mann faz descrições
sublimes sobre a coxice em textos como Buddenbrooks
(1899); Tonio Kroger (1903); e na
estética bela e angustiante de Morte em
Veneza (1912), para ficar em apenas algumas de suas obras e em um único
autor.
Nota
acadêmica:
Os estudiosos do lazer, turismo, sociologia devem curtir muito Thorstein
Veblen, The Theory of the Leisure Class. New York: Macmillan (1899), fundamental para se analisar
consumo e lazer conspícuo. Sugiro ainda as obras de Gilles Lipovetsky (A Felicidade
Paradoxal: Ensaio sobre a sociedade do hiperconsumo; O Império do
Efêmero: a Moda e Seu Destino nas Sociedades Modernas; A Inquietude do
Futuro: o tempo hiper-moderno; O Luxo Eterno: da Idade do Sagrado ao
Tempo das Marcas) para complementar as análises sobre sociedades
contemporâneas e consumo.
Quem quiser pesquisar
um pouco mais sobre os estilos, manias, anedotas e suscetibilidades dos
coxinhas, pode acessar os seguintes sites:
Taxonomia dos coxinhas e coxetes
Não há conceito
hegemônico, único, para o universo dos coxinhas. Até mesmo gente dita da esquerda caviar tem seus laivos de coxices e frescuras. Se bem
que eu prefiro o termo esquerda trufa branca, porque é mais chic e enfurece intensamente os coxinhas
amargurados (veja mais adiante). Por
outro lado, vários esquerdistas (ou pseudo) quando sobem ao longo das escalas
de sucesso, seja financeiro, político, sindical ou acadêmico, também adquirem
inequívocos exemplos de coxice sacramentada, especialmente vinhos, charutos,
gastronomia e os mais variados e exóticos hobbies,
inclusive o sexo.
Mas vamos para uma
tentativa de classificação dos coxinhas em si. Na matéria da Folha de São Paulo
há uma diferenciação entre coxinhas, playboys,
mauricinhos e lelesks (playboys cariocas), mas os coxinhas são
os mais caretas, dogmáticos e, eventualmente, chatos e recalcados. Para essa
análise usei os poucos estudos existentes e algo empírico-participativo. Não há
neste texto construções conceituais, métodos formais ou uma epistemologia
elaborada, apenas rudimentos semi-hermenêuticos. Em suma, a taxonomia dos
coxinhas foi feita meio no meio nas coxas.
OBS.: Os exemplos
servem para homens e mulheres, apesar de algumas vezes estarem apenas no
masculino:
Coxinha
feliz – Estão de bem com a sua vida, estilo e grana. Não
são necessariamente ricos, mas tem seus desejos e caprichos satisfeitos. Não se
preocupam com a vida alheia, curtem os bons momentos e seu glamour sem encher a paciência dos outros (a não ser em suas
empresas), pois não são ressentidos ou recalcados com suas carências. Alienados
sociais? Claro, mas felizes da vida. Muitos trabalham com assistencialismo,
curtem ondas new age e misticismo light. Postam coisas fofas e emotivas na
internet.
Coxinha
activia e Johnny Walker – São ricos e pragmáticos. Machos
e fêmeas alfa. Assumem sua posição social estável e elevada e estão pouco se f...... para o mundo. Também não enchem o
saco por causa de políticas ou partidos, estão bem acima disso, em seus
helicópteros, jatinhos, coberturas e iates. São ínfima minoria da população.
Coxinha
indignada – É raivosa, ressentida e cheia de pruridos contra
“o que está por aí”. Tem muito de hipocrisia e outro tanto de ingenuidade. Fala
de direitos e deveres éticos, mas usa de influências para burilar ou obter
favores fora da fila normal. Já teve momentos melhores na vida, mas hoje se
contenta com uma segunda linha de status
e poder aquisitivo. Típica classe média alta. Claro que a culpa de suas perdas
foi do governo comunistóide que está aí. É abundante nos altos escalões dos
setores privado e público. Provavelmente já foi cornead@.
Coxinha
temerosa – Tem medo de perder o pouco que tem. É classe
média remediada, foi uma vez para a Disney World e acha que conhece os Estados
Unidos e toda sua problemática sócio-política, cultural e econômica. Pode ficar
em dúvida se é mais americanalhada ou nacionalista, fruto de sua confusão
mental e raiva de não ter o dinheiro que gostaria.
Coxinha
chatinha – É uma mescla de Mauricinho, bom menino, limpinho,
pensa que é ético, mas é perturbado com o
estilo do país e do mundo e em geral. Mete-se em encrencas porque delira
e imagina viver em outra realidade. Faz caras e bocas de superior a tudo e a todos, inclusive em relação aos outros
coxinhas.
Coxinha
sertaneja – São os agroboys
and girls, fruto da riqueza pujante do agrobusiness
brasileiro. Os que são realmente ric@s
estão nas duas primeiras categorias, ou seja, nem aí para a geral.
Coxinha
religiosa – Reza a Deus e a todos os santos, padres e
pastores, para que os comunistas no poder saiam e voltem os militares com seus
valores sagrados, decentes, familiares. Ficariam molhadinh@s se lessem (e
entendessem) Nelson Rodrigues.
Coxinha
raivosa – É o tipo Lobão e outros exemplares metidos a
machão alfa (mas tem rapadura que é cupcake...), valente, brigão e acha que
sabe tudo porque lê Veja, Seleções e o Almanaque do Escoteiro Mirim. Deixou de
ler a versão em português da The Economist (é monoglota), porque sai na Carta
Capital, revista chapa branca do governo. Em termos econômicos abunda na classe
média; em termos culturais é básica.
Coxinha
beta
– É coxinha da segunda ou terceira linha econômica. Sabe que não é alfa, já se
conformou com isso, porém murmura e se lamuria pelos cantos. Se faz de vítima
do sistema, mas com grande dignidade.
Coxinha
provocadora – É inteligente, bem com a sua vida,
mas adora provocar o povo ressentido. Possui um sadismo lúdico e sabe como
irritar tanto os defensores da esquerda quanto os detratores conservadores
raivosos, temerosos e indignados.
Coxinha
ressentida – Abunda na parte da classe média que caiu de nível
sócio-econômico pelos mais diversos motivos, mas adora jogar a culpa de suas
asneiras ou limitações no governo. Fica genuinamente indignada, briga, fala
coisas desagradáveis para os outros e projeta suas frustrações. É mais sofrida
que os outros pois pensa que não tem o dinheiro e prestígio que merece.
Pseudo-coxinhas
– São os que aspiram ser coxinhas, os pretenciosos, mas não conseguem. São pobres,
endividados, preocupados com o que os outros vão falar e pensar deles... Não se
assumem e nem se divertem, especialmente por causa de seus preconceitos
arcaicos.
O sonho dourado dos coxinhas e assemelhados.
Coxinha
amarga – É uma criatura psicologicamente perturbada, desesperada,
infeliz. Seu reacionarismo e más condições sócio-econômicas pioram sua já
lamentável existência. Está em um estágio abaixo da coxinha ressentida.
Coxinha
progressista – Está próxima das fronteiras da
esquerda trufa branca. Tem certa consciência social, mas ainda se prende às
suas raízes pequeno-burguesas. Vive seu imaginário em uma fronteira confortável.
Claro que esse arremedo
de taxonomia não se esgota, seja no conteúdo ou em sua estrutura. A sociedade é
algo muito dinâmico, portanto algumas novas categorias podem ser inseridas. Uma
ótima taxonomia seria também a da nossa esquerda, com as suas divisões e
sub-divisões, dos fundamentalistas aos reformistas, passando pela esquerda
caviar e trufa branca, mas isso é outra história.
Enfim, esse texto não é um tratado sociológico. É apenas humor, sátira, curtição, então se você se identificou com alguma dessas categorias ... it´s up to you, um termo bem coxês.
Para
terminar, deixo o link
com a diatribe contra aqueles que usam o termo coxinha, feita pelo
arcaico-raivoso Lobão. Claro que saiu na revista Veja, famosa lápide do que há
de mais reacionário e coxoso neste país:
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