terça-feira, 13 de maio de 2014

Coxinhas: estilos e taxonomia



Uma palavra nova para um estilo antigo

No princípio o novo significado da velha palavra, coxinha, ofendia genericamente seus alvos, as pessoas que se consideram bem intencionadas e preocupadas com o presente e o futuro de nossas sociedades, atoladas na baderna e na corrupção.  Seria uma ética e estética  social pretensiosamente diferenciada, algo parecido aos antigos conceitos de sangue bom,  sangue puro, cristãos velhos ou nobres de quatro costados. Gente que faz questão de mostrar que não pertence à “essa gentalha que está aí”, mesmo que seus “costados” tenham vindo das classes populares há apenas duas ou três gerações, migrados de outras regiões do Brasil ou de outros países, imigrantes pobres que vieram “fazer a América”.  



Depois o termo ficou mais leve e menos estigmatizado, especialmente pelos que não estão nem aí com a discussão e vivem sua coxice em paz. 

Não há definições ou conceitos sociológicos restritos para o termo coxinha. O que existe está na internet e é recente, algo surgido no início dessa década (por volta de 2010). Em um dos blogs do site IG, está um indício de definição: “Consigo selecionar três perfis que acessam a página: os que acham graça e não sabem direito quem são os ‘coxas’, os que não gostam e ficam bravos ao se identificarem e, por fim, aqueles que se assumem e não veem problema nenhum. E também tem as mulheres, carinhosamente chamadas de ‘coxetes’”, conta Lucas, autor do Dicionário Coxês-Português. Mas o publicitário confessa que todo mundo tem um pouco deles dentro de si.”  


Pelo menos duas publicações da grande imprensa mergulharam superficialmente (sic) no tema. A Folha de S.Paulo (22/04/2012), notou que é uma gíria paulistana para pessoas engomadas, certinhas, que seguem a maioria, gente convencional e conservadora, orgulhosa de seus atributos herdados ou conquistados. Você pode ler a matéria no link:

 
Um dos estudos mais profundos saiu no diário Correio do Brasil (23/06/2013) que, no contexto dos protestos de junho de 2013  reuniu o sociólogo Leonardo Rossato e o professor de português Michel Montanha, que elaboraram uma “análise sociológica” do coxinha e apresentaram uma hipótese sobre sua origem:

“Coxinha, sociologicamente falando, é um grupo social específico, que compartilha determinados valores. Dentre eles está o individualismo exacerbado e dezenas de coisas que derivam disso: a necessidade de diferenciação em relação ao restante da sociedade, a forte priorização da segurança em sua vida cotidiana, como elemento de “não-mistura” com o restante da sociedade, aliadas com uma forte necessidade de parecer engraçado ou bom moço. Até algum tempo atrás, eles não tinham essa necessidade de diferenciação. A diferenciação se dava naturalmente, com a absurda desigualdade social das metrópoles brasileiras. Hoje, com cada vez mais gente ganhando melhor e consumindo, esse grupo social busca outras formas de afirmar sua diferenciação. Para isso, muitas vezes andam engomados, se vestem de uma maneira específica, são ‘politicamente corretos’, dentro de sua noção deturpada de política, e nutrem uma arrogância quase intragável, com pouquíssima tolerância a qualquer crítica. Engomados, bons moços, preocupados em acentuarem suas diferenças do resto da sociedade, inimigos da crítica... Acabaram ridicularizados pelo restante da sociedade. Antes dos protestos, eles só eram visíveis em São Paulo. Coxinha era fenômeno tipicamente paulistano. O coxinha, paradoxalmente é um símbolo do amadurecimento da nossa sociedade, concluiu o jornal: a sociedade brasileira amadureceu porque a estrutura de classes sociais tornou-se mais complexa e diferenciada.”


Distinção, moda, lazer e consumo conspícuo realmente fazem parte do universo dos coxinhas. Só encontro um problema com esta explicação: ela naturaliza uma condição humana que na realidade é produzida socialmente. Ou seja, os coxinhas são coxinhas porque adotam um determinado sistema de crenças e valores compartilhado por outros iguais. Não são coxinhas porque a natureza os fez assim. Eles escolheram ser o que são.”

É um termo novo para designar uma realidade bem antiga, marcante nas sociedades aristocráticas ocidentais e orientais. Ampliou-se com a burguesia nascente europeia, descrita em filmes, livros, musicais e peças de teatro. Podemos abusar e aventar que Thomas Mann faz descrições sublimes sobre a coxice em textos como Buddenbrooks (1899); Tonio Kroger (1903); e na estética bela e angustiante de Morte em Veneza (1912), para ficar em apenas algumas de suas obras e em um único autor. 

Nota acadêmica: Os estudiosos do lazer, turismo, sociologia devem curtir muito Thorstein Veblen, The Theory of the Leisure Class. New York: Macmillan (1899), fundamental para se analisar consumo e lazer conspícuo. Sugiro ainda as obras de Gilles Lipovetsky (A Felicidade Paradoxal: Ensaio sobre a sociedade do hiperconsumo; O Império do Efêmero: a Moda e Seu Destino nas Sociedades Modernas; A Inquietude do Futuro: o tempo hiper-moderno; O Luxo Eterno: da Idade do Sagrado ao Tempo das Marcas) para complementar as análises sobre sociedades contemporâneas e consumo.

Quem quiser pesquisar um pouco mais sobre os estilos, manias, anedotas e suscetibilidades dos coxinhas, pode acessar os seguintes sites: 



Taxonomia  dos coxinhas e coxetes

Não há conceito hegemônico, único, para o universo dos coxinhas. Até mesmo gente dita da esquerda caviar  tem seus laivos de coxices e frescuras. Se bem que eu prefiro o termo esquerda trufa branca, porque é mais chic e enfurece intensamente os coxinhas amargurados (veja mais adiante).  Por outro lado, vários esquerdistas (ou pseudo) quando sobem ao longo das escalas de sucesso, seja financeiro, político, sindical ou acadêmico, também adquirem inequívocos exemplos de coxice sacramentada, especialmente vinhos, charutos, gastronomia e os mais variados e exóticos hobbies, inclusive o sexo.
Mas vamos para uma tentativa de classificação dos coxinhas em si. Na matéria da Folha de São Paulo há uma diferenciação entre coxinhas, playboys, mauricinhos e lelesks (playboys cariocas), mas os coxinhas são os mais caretas, dogmáticos e, eventualmente, chatos e recalcados. Para essa análise usei os poucos estudos existentes e algo empírico-participativo. Não há neste texto construções conceituais, métodos formais ou uma epistemologia elaborada, apenas rudimentos semi-hermenêuticos. Em suma, a taxonomia dos coxinhas foi feita meio no meio nas coxas. 

OBS.: Os exemplos servem para homens e mulheres, apesar de algumas vezes estarem apenas no masculino:

Coxinha feliz – Estão de bem com a sua vida, estilo e grana. Não são necessariamente ricos, mas tem seus desejos e caprichos satisfeitos. Não se preocupam com a vida alheia, curtem os bons momentos e seu glamour sem encher a paciência dos outros (a não ser em suas empresas), pois não são ressentidos ou recalcados com suas carências. Alienados sociais? Claro, mas felizes da vida. Muitos trabalham com assistencialismo, curtem ondas new age e misticismo light. Postam coisas fofas e emotivas na internet. 



Coxinha activia e Johnny Walker – São ricos e pragmáticos. Machos e fêmeas alfa. Assumem sua posição social estável e elevada e estão pouco  se f...... para o mundo. Também não enchem o saco por causa de políticas ou partidos, estão bem acima disso, em seus helicópteros, jatinhos, coberturas e iates. São ínfima minoria da população. 


Coxinha indignada – É raivosa, ressentida e cheia de pruridos contra “o que está por aí”. Tem muito de hipocrisia e outro tanto de ingenuidade. Fala de direitos e deveres éticos, mas usa de influências para burilar ou obter favores fora da fila normal. Já teve momentos melhores na vida, mas hoje se contenta com uma segunda linha de status e poder aquisitivo. Típica classe média alta. Claro que a culpa de suas perdas foi do governo comunistóide que está aí. É abundante nos altos escalões dos setores privado e público. Provavelmente já foi cornead@.  


Coxinha temerosa – Tem medo de perder o pouco que tem. É classe média remediada, foi uma vez para a Disney World e acha que conhece os Estados Unidos e toda sua problemática sócio-política, cultural e econômica. Pode ficar em dúvida se é mais americanalhada ou nacionalista, fruto de sua confusão mental e raiva de não ter o dinheiro que gostaria.  


Coxinha chatinha – É uma mescla de Mauricinho, bom menino, limpinho, pensa que é ético, mas é perturbado com o  estilo do país e do mundo e em geral. Mete-se em encrencas porque delira e imagina viver em outra realidade. Faz caras e bocas de superior a tudo  e a todos, inclusive em relação aos outros coxinhas. 


Coxinha sertaneja – São os agroboys and girls, fruto da riqueza pujante do agrobusiness brasileiro.  Os que são realmente ric@s estão nas duas primeiras categorias, ou seja, nem aí para a geral.


Coxinha religiosa – Reza a Deus e a todos os santos, padres e pastores, para que os comunistas no poder saiam e voltem os militares com seus valores sagrados, decentes, familiares. Ficariam molhadinh@s se lessem (e entendessem) Nelson Rodrigues. 

Coxinha raivosa – É o tipo Lobão e outros exemplares metidos a machão alfa (mas tem rapadura que é cupcake...), valente, brigão e acha que sabe tudo porque lê Veja, Seleções e o Almanaque do Escoteiro Mirim. Deixou de ler a versão em português da The Economist (é monoglota), porque sai na Carta Capital, revista chapa branca do governo. Em termos econômicos abunda na classe média; em termos culturais é básica. 


Coxinha beta – É coxinha da segunda ou terceira linha econômica. Sabe que não é alfa, já se conformou com isso, porém murmura e se lamuria pelos cantos. Se faz de vítima do sistema, mas com grande dignidade.   


Coxinha provocadora – É inteligente, bem com a sua vida, mas adora provocar o povo ressentido. Possui um sadismo lúdico e sabe como irritar tanto os defensores da esquerda quanto os detratores conservadores raivosos, temerosos e indignados. 


Coxinha ressentida – Abunda na parte da classe média que caiu de nível sócio-econômico pelos mais diversos motivos, mas adora jogar a culpa de suas asneiras ou limitações no governo. Fica genuinamente indignada, briga, fala coisas desagradáveis para os outros e projeta suas frustrações. É mais sofrida que os outros pois pensa que não tem o dinheiro e prestígio que merece.




Pseudo-coxinhas – São os que aspiram ser coxinhas, os pretenciosos, mas não conseguem. São pobres, endividados, preocupados com o que os outros vão falar e pensar deles... Não se assumem e nem se divertem, especialmente por causa de seus preconceitos arcaicos. 


O sonho dourado dos coxinhas e assemelhados.

Coxinha amarga – É uma criatura psicologicamente perturbada, desesperada, infeliz. Seu reacionarismo e más condições sócio-econômicas pioram sua já lamentável existência. Está em um estágio abaixo da coxinha ressentida. 

Coxinha progressista – Está próxima das fronteiras da esquerda trufa branca. Tem certa consciência social, mas ainda se prende às suas raízes pequeno-burguesas. Vive seu imaginário em uma fronteira confortável.

Claro que esse arremedo de taxonomia não se esgota, seja no conteúdo ou em sua estrutura. A sociedade é algo muito dinâmico, portanto algumas novas categorias podem ser inseridas. Uma ótima taxonomia seria também a da nossa esquerda, com as suas divisões e sub-divisões, dos fundamentalistas aos reformistas, passando pela esquerda caviar e trufa branca, mas isso é outra história.   

Enfim, esse texto não é um tratado sociológico. É apenas humor, sátira, curtição, então se você se identificou com alguma dessas categorias ... it´s up to you, um termo bem coxês.


Para terminar, deixo o link com a diatribe contra aqueles que usam o termo coxinha, feita pelo arcaico-raivoso Lobão. Claro que saiu na revista Veja, famosa lápide do que há de mais reacionário e coxoso neste país: 





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