segunda-feira, 17 de junho de 2013

"Desculpem o transtorno, estamos mudando o país!"




Desde 3 de junho há protestos pelo país. O início foi a revolta pelo aumento das tarifas do transporte público e contra o péssimo serviço oferecido por ônibus, trens e até por metrôs. 


Os políticos ignoraram, a polícia reprimiu com a costumeira boçalidade, alguns fizeram muxoxo e chamaram os manifestantes de baderneiros, esnobes ou nefelibatas. Então as manifestações explodiram e tomaram as redes sociais, as ruas e a mídia, necessariamente nessa ordem. 

Manuel Castells é um dos sociólogos que escreveu sobre os últimos movimentos sociais no mundo e sua articulação pelas redes sociais. Em seu livro Comunicación y poder (Madrid: Alianza, 2009), ele analisa como a internet, o tweeter, as redes sociais em geral e os telefones celulares se articulam com grupos e propostas políticas alternativas. Analisa também como sentimentos e ideias comuns podem ser organizados em manifestações reais e virtuais, listas digitais, grupos de ação e, em alguns casos, em ocupações contra regimes totalitários ou crises profundas, como aconteceu no norte da África, Turquia, Síria, Espanha...  Quando candidato à presidência dos EUA, Barack Obama aproveitou as possiblidades inovadoras do mundo virtual, o que foi importante para garantir sua vitória, justamente junto à população conectada e interessada em novas propostas. Agora, chegou a vez do nosso país.

No Brasil, o dia 17 de junho de 2013 foi marcado por manifestações nas principais cidades: Porto Alegre, Rio de Janeiro, Brasília, São Paulo, Belo Horizonte, Fortaleza, Vitória e até em várias cidades dos Estados Unidos onde há comunidades significativas de brasileiros. A maioria dos protestos foi pacífica.


Os motivos: o pontapé inicial foi o aumento das tarifas de transporte público que catalisou as revoltas e frustrações face às políticas públicas em geral. O serviço de transporte é ruim, o trânsito piorou muito nos últimos anos, há poucos investimentos em metrôs, trens e terminais confortáveis para atender a população. Some as inúmeras carências em segurança pública, saúde, educação e planejamento urbano. Adicione corrupção, cinismo, impunidade, mentiras, dubiedade jurídica, atentados sistemáticos contra a ética, seja em âmbito público, privado ou no terceiro setor. Cubra tudo com gastos absurdos para megaeventos internacionais. O superfaturamento de projetos mescla-se com mau planejamento, atrasos no cronograma das obras e uma clara sensação de que o famoso legado das Copas e das Olimpíadas será muito pouco face ao que foi prometido e louvado há apenas três ou quatro anos. Pior: o que já está pronto não oferece conforto, seguranças e justificativa para os altos custos e atrasos.

Então, pouco e mal se fez pelos megaeventos que, em si, seriam muito interessantes para o país. Por outro lado, esses eventos deixarão poucos legados na infraestrutura e no setor de serviços em geral. Mas bilhões foram gastos, sem transparência ou justificativas razoáveis. 

Sem contar o fantasma da inflação que ressurge, os problemas econômicos que não são bem explicados, a queda das ações de empresas como Petrobrás e as dúvidas sobre o modelo político e econômico adotado no Brasil. 

É um momento de ação e reflexão. Mudanças são exigidas e necessárias. Em breve começará a troca de acusações entre governo e oposição, partidos políticos tentarão capitalizar ganhos, grupos de interesses (legítimos e turvos) darão declarações e acadêmicos tentarão explicar essa primavera política outonal. 

Em meio a uma Copa das Confederações sediada no país, as pessoas se voltam para os problemas nacionais, regionais e comunitários. É bom que o mundo veja como adoramos futebol, mas não nos alienamos à problemática da construção social e dos desafios que enfrentamos há séculos.


Quem tem medo do povo nas ruas? Quem desgosta das denúncias e cobranças justificadas? Até quando o cinismo e a impunidade dos poderosos estarão acima da ética e da justiça social? É preciso que evoluamos rumo a novos patamares democráticos, pluralistas e até mesmo libertários. 

Há algo de podre nas nossas sociedades. Há um mal estar muito grande no ar. Apesar dos avanços sociais das últimas décadas, ainda resta muito a fazer. As classes dominantes voltaram sua face para o povo e se fecharam em seus condomínios financeiros, imobiliários e imaginários. 

Agora essas manifestações exigem saber as causas e efeitos, discutem pretensos dogmas institucionais ou partidários. Dos vinte centavos da tarifa a uma ampla agenda de reinvindicações, o movimento cresceu e pegou de surpresa os políticos, as instituições diretivas, a mídia e a população em geral. 

Querem mudanças. Querem explicações. Querem respeito. 

Então, termino com meu xará, o Gonzaguinha:

É!
A gente não tem cara de panaca
A gente não tem jeito de babaca
A gente não está
Com a bunda exposta na janela
Prá passar a mão nela...

É!
A gente quer viver pleno direito
A gente quer viver todo respeito
A gente quer viver uma nação
A gente quer é ser um cidadão
A gente quer viver uma nação...




Luiz Gonzaga Godoi Trigo

Nenhum comentário: