Esta postagem é mais longa porque é a cópia de uma carta escrita pelos Professores Mário Beni, Alexandre Panosso Netto e por mim. Será enviada ao Ministério da Educação para que se evite inserir a área de turismo junto com as Ciências Exatas e da Terra. Vários colegas acadêmic@s do Brasil estão apoiando a iniciativa e enviando outros documentos semelhantes. Os detalhes podem ser lidos ao longo do texto.
CARTA DE ESCLARECIMENTO
Ao diretor da Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação
Tendo em vista a inclusão equivocada da área de Turismo na área das ciências exatas e da terra, na última classificação dos cursos de graduação oferecida na consulta pública por meio do Projeto Referenciais Nacionais dos Cursos de Graduação, encampada pelo Ministério da Educação por meio de sua Secretaria de Educação Superior, temos as seguintes considerações a fazer.
Histórico da área no mundo
Segundo os principais estudiosos e expertos do turismo nacional e mundial, a atividade turística, da forma como conhecemos hoje, nasceu a partir de uma confluência de fatores sociais, econômicos e culturais, na virada do século XVII para o século XVIII.
Sabemos que homem sempre se locomoveu na face da terra, mas as condições para a massificação desse deslocamento, como maior rapidez e conforto, somente foram possíveis no século XVIII. A invenção da locomotiva a vapor, a “redescoberta” da natureza com o encantamento pelos Alpes e pelas montanhas, a necessidade de tratamentos de saúde em novos ares, a Revolução Industrial e o crescimento das cidades foram primordiais para fazer nascer e crescer uma nova classe de viajantes.
Com tantas pessoas viajando e com os novos valores culturais e sociais que surgiam, os primeiros estudos científicos da área não demoraram para surgir e datam da década de 1880, tendo sido desenvolvidos concomitantemente na Itália, Suíça e Alemanha. Originalmente dois campos majoritários foram criados: a “indústria de forasteiros” (fremdenindustrie) com forte influência da economia; e o “tráfego de forasteiros” (fremdenverkehr), de cunho sociológico. O primeiro analisava a geração de renda, a entrada de divisas nos destinos, os efeitos do turismo na economia. O segundo analisava as motivações para as viagens, as classes sociais que viajavam como necessidade ou apenas como status entre outros fatores sociais e antropológicos.
Essa dicotomia entre a visão econômica e a visão sociológica se manteve até a década de 1940, quando os autores suíços Walter Hunziker e Kurt Krapf publicaram em Berna, Suíça, um dos mais importantes estudos da área intitulado Grundriβ der Allgemeinen Fremdenverkehrslehre (Tratado de uma teoria geral de turismo) no qual estabeleceram claramente o campo das humanidades como área dos estudos turísticos. Nesse mesmo livro os autores deixam claro que o turismo, por ser um fenômeno que envolve deslocamento, comunicação, encontros e confrontos e que é feito, portanto, pelo homem (“no centro o homem” era o lema desses autores), pode e deve ser estudado pelas mais diversas disciplinas científicas. Desde essa época, portanto, o turismo fortaleceu-se como um fenômeno não somente econômico ou social, mas sim econômico, social, ambiental e cultural e que evolve os mais diversos aspectos do existir humano, portanto, claramente fazendo parte da área científica das humanidades.
Os estudos científicos do turismo, desta forma, sempre estiveram no campo das ciências humanas e sociais e isso nunca foi motivo de dúvida ou questionamento nos quase 130 anos de abordagens teóricas que sobre ele pairam.
Na atualidade, no mundo, existem aproximadamente mil periódicos científicos dedicados ao turismo, quinhentos cursos de mestrado e cem cursos de doutorado, absolutamente todos na grande área de humanidades. Mais de 900 milhões de pessoas se deslocam internacionalmente todos os anos, e esse é um dos objetos de estudo do turismo, o homem em viagem, portanto o turismo é sim uma atividade humana.
Associações de classe, sindicatos, institutos, organismos nacionais e internacionais públicos e privados de turismo existem em todos os países. Em muitos lugares o turismo é uma das principais fontes de recursos, como na Nova Zelândia, Fiji, Espanha, Egito e Cingapura. O turismo há mais de um século já se estabeleceu no mundo como atividade profissional e como campo de estudos avançados.
O ensino e pesquisa de Turismo no Brasil
No Brasil existem nove cursos de mestrado na área e um doutorado em Administração e Turismo. Os cursos de graduação presenciais chegam a quase 600, que juntos somam mais de 55 mil alunos matriculados. Desde 1990, existem 34 editoras que publicam livros de turismo e temos atualmente mais de 20 periódicos científicos na área. Congressos e eventos científicos são articulados e concorridos. Temos uma associação que congrega os profissionais e pesquisadores pós-graduados que atuam na área. Sem dúvida esses indicadores nos levam crer que, mesmo no Brasil, país sem grande tradição turística como os países europeus, o turismo é uma importante atividade que já alcança sua maturidade técnica e científica.
Uma área ligada às Humanidades
Com essa explanação inicial, nos causa estranheza o fato de que o campo de estudos do turismo passou a ser categorizado na área das ciências exatas e da terra na última classificação dos cursos de graduação oferecida na consulta pública por meio do Projeto Referenciais Nacionais dos Cursos de Graduação, encampada pelo Ministério da Educação por meio de sua Secretaria de Educação Superior.
Em nosso entender, sendo a ciência construída de maneira universal, é inconcebível que apenas no Brasil o turismo seja alocado - à revelia da comunidade acadêmica científica nacional e ignorando totalmente mais de um século de estudos da temática no mundo - na área Ciências Exatas e da Terra. Não é uma decisão burocrática que deve dizer em qual área se enquadra um campo de estudos, mas sim a vasta literatura científica que sobre o tema paira.
O estudo do turismo envolve principalmente o estudo do homem em movimento, os impactos por ele gerados e o setor empresarial que fornece condições para que esse movimento ocorra, portanto, pelo que fica evidente, pouco de seu objeto de estudos diz respeito às Ciências Exatas e da Terra.
Não estamos afirmando que o turismo se constitui numa ciência clássica, mas sim que o turismo está no estágio de estabelecimento e sedimentação de seu objeto de estudos e de seu método de investigação, que é formado pelas mais variados métodos científicos, oriundos, principalmente das ciências humanas e sociais com aporte das ciências ambientais e até mesmo das exatas, porém de uma maneira mais reduzida.
O núcleo de ensino, pesquisa e extensão do turismo está nas ciências humanas, articulado com as ciências biológicas, graças à problemática ambiental e com as exatas, devido às implicações econômicas e tecnológicas. Classificá-lo como “ciência exata e da terra” é um grave equívoco e um retrocesso epistemológico no longo caminho até aqui já percorrido. Historicamente, no Brasil, o turismo sempre esteve ligado às comunicações, administração e lazer. Muitos pesquisadores das áreas de arquitetura, urbanismo, geografia, meio ambiente, biologia em geral, economia, estatística, medicina, direito, engenharia ou filosofia trabalham temas relacionados ao turismo, porém a vertente epistemológica principal da área sempre esteve alocada em humanidades. O turismo faz parte de um complexo de serviços altamente qualificados e dotados de alta tecnologia, inserido o contexto de outros serviços como lazer, entretenimento, hospitalidade, gastronomia, eventos, cultura, esportes, varejo, moda e comunicações em geral. Nenhuma dessas áreas correlatas está inserida na área de ciências exatas. Separar o turismo do contexto epistemológico, acadêmico, empresarial e cultural onde está inserido, no Brasil e no mundo, significa eliminar o imenso progresso que as humanidades legaram à área. É evidente que há pesquisa em turismo baseadas em problemas ou métodos das ciências exatas, ou na área de biológicas, mas a origem e maior quantidade – e qualidade – das pesquisas e produções científicas sempre estiveram – e estarão – em humanidades.
Nos eventos internacionais que abordam o tema do turismo essa dúvida – de qual área científica deve estar o turismo - não existe, pois o consenso sobre isso já foi estabelecido dentro dessa academia, sendo considerado um paradigma o fato de estar situado na grande área das humanidades.
Como pesquisadores atuantes e comprometidos com o ensino e com o desenvolvimento do turismo em nosso país, nossa sugestão, fundamentados em anos de estudos e pesquisas nesta área, é de que a subárea TURISMO seja transferida da área Ciências Exatas e da Terra para a área HUMANIDADES.
Solicitamos, ainda, que a comissão de especialistas de turismo do Ministério da Educação seja consultada sobre isso, uma vez que essa comissão, formada por expertos da área, partilha com a comunidade internacional de turismo, do mesmo ponto de vista que ora expressamos acima.
Redigiram esse documento, no dia 14 de outubro de 2009, em ordem alfabética:
Alexandre Panosso Netto - Universidade de São Paulo; Professor Doutor; panosso@usp.br
Luiz Gonzaga Godoi Trigo - Universidade de São Paulo; Professor Associado; trigo@usp.br
Mario Carlos Beni - Universidade de São Paulo; Professor Titular aposentado; beni@usp.br
Um comentário:
olá, professor.
Qual será a resposta? Esperamos que positiva!
Com certeza turismo como Ciência Exata, é retroceder!
Kleber - lzt
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