segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Lendas do fim do mundo

O file Eu sou a lenda, com Will Smith é bom, mas o conto de Robert Matheson, que inspirou o filme, é melhor. O cinema faz concessões à humanidade, a literatura é mais cruel. Mortos-vivos, vampiros e monstros sempre são uma motivação para o medo que assola nossas fantasias. as cenas de New York sem seres humanos, com os animais e o mato retomando as ruas e praças, é assustadora. Não tanto como as torres gêmeas em chamas e desmoronando, mas nos faz pensar se a história de nossa civilização tem um epílogo.
Há uma nova safra de livros e filmes sobre o fim do mundo. The Road, de Cormac Mc Carthy (traduzido como A estrada) é um deles. É uma literatura com requintes de humanidade e o medo aqui vem da guerra devastadora e global que deixa uns poucos sobreviventes lutando pelo que restou do planeta. Aqui os monstros são os humanos. Homem, lobo do homem, é uma realidade cotidiana retratada no texto.
Mas o fim do mundo nos atinge. No livro Everyman, Philip Roth retrata o fim que inexoravelmente nos destruirá, se sobrevivermos até lá: a velhice. Não é um texto otimista e nem faz concessões à beleza da idade avançada e outras coisas tão decantadas por Simone de Beuvoir em seu texto sobre a velhice. Para Roth resta a decrepitude, a solidão e a dor que tomam o ser humano em seus momentos do ocaso perante a vida.
Enquanto o fim não chega, resta-nos a luz dos dias que passam. O prazer de antever o fim nos faz sentir a vida pulsando forte. Saudável. Inebriante. Há um carnaval pela frente.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Que viagem...

Viagem literária. Terminei de ler As benevolentes, de Jonathan Littell. Foram dias viajando atrávés de suas quase 900 páginas, densas e inquietantes. Algumas delas cruéis, muito cruéis. Fazia tempo que um romance não me envolvia tanto. Sonhava com ele à noite. Pensava em algumas passagens durante o dia. O personagem é complexo e nos surpreende cada vez mais e de forma diferente com sua vida, seus atos, suas palavras. Aí está a literatura. O autor nos prende com suas palavras, nos provoca com seus argumentos, nos enreda na história e de repente acabava me comparando àqueles personagens canalhas.
Raramente sinto uma certa náusea quase fisiológica lendo um texto. Senti nesse livro, especialmente nas descrições de violência da guerra e das condições nos campos de trabalho forçado da Alemanha nazista.
O personagem mergulha em si, nos seus pesadelos, em sua culpa, em sua mente ensandecida e no seu desejo sexual devasso e nos convida a sentir, a pensar o que ele está sentindo e pensando. Ele - o personagem - se compara a nós. Chega a dizer que, em seu lugar, provavelmente faríamos o mesmo. Ele surpreende pela amplitude e tranquilidade de seus atos e pensamentos malignos.
Mas, ao terminar a última página, fechei o livro e pensei: ele é muito pior do que nós. Assim espero. Assim tento me convencer.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Os melhores livros que li e curti

Acabei de ler As benevolentes, de Jonathan Littell, um delicioso calhamaço com 900 páginas de literatura instigante. Fazia tempo que eu não lia algo tão bom e denso, uma aventura literária das melhores. Daí pensei em fazer uma lista (parcial) dos melhores livros que já li:

José e seus irmãos, de Thomas Mann. É uma trilogia, publicada no Brasil pela Nova Fronteira.

Paideia, de Werner Jaeger. Fondo de Cultura Económica (México). Uma obra fundamental sobre educação na Grécia antiga.

Viva o povo brasileiro, de João Ubaldo Ribeiro. Divertida e significativa história de uma família baiana que bem representa nossas loucuras e ideais.

Os mandarins, de Simone de Beauvoir. Um relato romanceado do existencialismo francês, uma profunda reflexão sobre a vida e seus momentos.

Obras completas, de Jorge Luis Borges (Editora Emecé, Buenos Aires). Textos e poesias com mitos, mistérios, palavras e fascínios muito particulares do autor.

Contos Reunidos, de Rubem Fonseca. Um dos primeiros romancistas a entender (e prever) a brutalidade e a violência do Brasil atual.

O Senhor dos Anéis, de J.R.R. Tolkien. Ed. Minotauro, Buenos Aires. Li muito antes da obra tornar-se conhecida no Brasil.

Os caminhos da liberdade, de Jean-Paul Sartre. Uma trilogia (A idade da razão; Sursis; e Com a morte na alma) que representa a essência do existencialismo de forma romanceada. Marcou minha juventude e minhas decisões.

As noites difíceis, de Dino Buzzati. Contos curtos e profundos sobre a temporalidade, a morte, a solidão.

Fiasco, de Stanislaw Lem. Alianza Ed., Madrid. Uma obra-prima de ficção científica sobre um contato entre terrestres e uma civilização alianígena no século 22.

O enteado, de Juan José Saer. O melhor texto que li sobre nosso estranhamento perante o mundo. O autor é argentino.

Everyman, de Philip Roth. Uma análise cruel sobre a velhice.

Falta muita coisa, mas dá para ter uma pálida e tênue idéia do meu imaginário.

E você? Quais os melhores livros que já leu?

sábado, 5 de janeiro de 2008

Vamos ficar mudos?

Volta o projeto de lei para banir, extirpar, probir, censurar, palavras estrangeiras de nossa língua pátria. Vamos emudecer, pois eu falo uma língua européia (português, de Portugal) recheada de expressões que vieram do francês, árabe, das línguas nativas, italiano, japonês, chinês, russo, espanhol... Vou falar em Tupi-Guarani?
Alguém pensa em incentivar escolas, empresas e outras instituições a promover o ensino do português, da leitura e de línguas estrangeiras à toda população? Será que não se percebe que uma língua estrangeira é um plus, uma outra possibilidade de pensar, de adquirir cultura? Uma ampliação do universo linguístico-cultural?
A mentalidade jeca e retrógrada imagina que falar ou escrever em outra língua é o quê? Pedantismo? Esnobismo? Coisa de rico? Mas que rafuagem intelectual mais rastaquera. Se há abusos (no comércio, por exemplo) deixa quieto. Problema das lojas, das vitrines, da publicidade que imagina a língua estrangeira como algo superior. Uma ferradura não justifica a outra. A língua portuguesa falada no Brasil é rica, variada, preciosa, forte, saudável e maravilhosa. Não serão algumas palavrinhas ou expressões alianígenas que afetarão a beleza e a força do português. Pelo contrário. A língua se enriquece, se amplia, se refestela com as novas palavras. Por supuesto. Eu não sou monoglota e fico feliz por isso. Muito feliz. É bom falar outra língua. É bom ler, assistir filmes, dar risadas, pensar em coisas diferentes. Ver o mundo. Sem nenhum demérito pelas nossas coisas, por nosso país. Acho incrível ver jovens aprendendo japonês, alemão, árabe, hebraico, inglês, criando linguagem na internet. Isso é o futuro. Isso é inovação. Isso é pensamento aberto e saudável. Chega de mata-burros pretensamente legais que ao invés de promover a língua passam atestado de complexo de inferioridade. Já imaginou a informática, a publicidade, o turismo, a hotelaria, a pesquisa acadêmica, sem palavras estrangeiras quando necessário? Eu não seguirei essa bobagem. This is a real bull shit. Tô fora. Xô! Sai bobeira. Sai bagual.

2008: praia e cachoeira

Atravessei a linha imaginária temporal de nossa civilização ocidental (ano novo, para os íntimos) de forma tradicional: curtindo praias e cachoeiras. Mas praias sem poluição, sem água-viva e sem aquele caos urbano que é transplantado para o litoral em algumas épocas do ano (só tinha um semi-caos). E cachoeiras de águas límpidas e frias, cercadas por rochas primordiais e pela mata atlântica.
Tive o prazer de rever uma praia da minha adolescência, ainda não destruída pela especulação imobiliária e com jeito de quem vai atravessar boa parte do século 21 sem essas desgraças que matam o prazer de curtir a natureza. E com conforto, apesar dos borrachudos. Mas tinha vagalumes, estrelas cadentes no céu estrelado, amizades antiquíssimas para rememorar tudo o que aprontamos no passado e, claro, os filhotes, a nova geração que me chama de "tio" e com a qual compartilho as brincadeiras antigas e novas, trocando risadas e asneiras. Kids and seniors, all together in the wilderness.
Onde foi? Num dos santuários mais ou menos preservados do país: Ilhabela. Mergulhei ao longo da ilha das Cabras; desci a corredeira da Cachoeira da Lage, depois de 20 anos; nadei nos poços frios de águas limpas dos rios; servi meu sangue aos borrachudos; me refestelei com os mariscos da Novi Iorqui (restaurante no final da estrada, sentido sul, rumo a Cachoeira da Lage), fizemos churrasco e falamos muuuuuita bobagem. Old friends, always new experiences.
Tenham um ótimo 2008, 9, 10... Com paz, saúde, dinheiro, prazer, cultura, esporte, amizades, inteligência e sabedoria. O universo e o infinito, para nós todos.
Obs. Os textos em inglês são protesto contra o projeto de lei de banir palavras estrangeiras de nossa língua. That´s real bull shit.