sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Uma história dos velhos carnavais







Essa foto postada pela minha amiga e jornalista, Vera Longhini, no Facebook, me fez lembrar uma incrível história de carnaval, que nunca contei a ninguém. Até agora. Foi uma situação-limite causada por minha inexperiência, criatividade e imprudência. Terminou bem, mas o desastre flertou intensamente em minha estreia como Diretor de Turismo de Campinas. A sorte foi que os jornalistas estavam longe da encrenca e a maior parte já tinha ido embora naquela madrugada de quarta-feira de cinzas, 9 de fevereiro de 1989. Na foto estou em pé, na última fila, de óculos e já com pouco cabelo, apesar dos trinta anos.

Tudo começou quando no início de 1988, fui contratado pela PUC-Campinas para ser professor do curso de turismo. Outro fato importante é que, desde 23 de outubro de 1987, eu escrevia quinzenalmente uma matéria sobre um destino internacional no suplemento de turismo do jornal Correio Popular, de Campinas. Como o curso de jornalismo da PUCC era no mesmo instituto, eu conhecia uma boa parte dos jornalistas da cidade, pois vários eram colegas professores. No final do ano o PT ganhou as eleições para diversas cidades como Piracicaba, Santos, São Paulo e Campinas. O prefeito eleito, Jacó Bittar, era uma figura importante na política. Fundador do PT, ex-líder sindical da Petrobrás, amigo pessoal do Lula, graduado em direito pela PUCC e político pragmático, Jacó convidou o Marco Aurélio Garcia (futuro assessor internacional do Lula e da Dilma) para ser o secretário de Cultura, Esportes e Turismo. Professor de história da Unicamp, Garcia trouxe dois jovens diretores para as áreas e cultura e esportes, mas não conhecia gente do turismo. O maior problema era que o carnaval de 1989 acontecia no início de fevereiro e a prefeitura tinha um tempo exíguo para organizar a farra. Foi quando chegaram ao meu nome. Um jovem professor de turismo que se tornava um pouco conhecido na cidade graças às suas matérias no principal jornal da terra. Eu apoiara a chapa do Jacó e Toninho (Antonio Costa Santos, assassinado em 10 de setembro de 2001, quando era prefeito de Campinas) publicamente e o Marco Aurélio me chamou para saber se eu assumiria e resolveria o carnaval. Topei e fui à luta.

Não havia verbas deixadas pela administração anterior e o Jacó conseguiu um belo patrocínio da Petrobrás e da Coca-Cola. Com a estrutura da prefeitura e a equipe do Departamento de Turismo (uma ótima equipe, muitos graduados pela PUCC) organizamos os bailes populares e o desfile das escolas de samba que aconteciam nas noites de domingo e terça-feira. Partido novo, gente nova, tivemos um grande apoio da mídia, das universidades, das próprias escolas e de muita gente. Foi aí que tive a ideia fatídica, imediatamente aceita pelo PT, pela prefeitura e por boa parte do público: encerrar o carnaval de rua de Campinas com um bloco do PT, caracterizando assim o “carnaval da vitória”.  

Tudo foi dando certo: o diretor da Faculdade de Letras da PUCC emprestou as salas para as reuniões, em dezembro, pois só a partir de janeiro teríamos a posse da Prefeitura; as eleições de Rei Momo e Rainha do Carnaval ocorreram graças ao SESC Campinas, que emprestou as instalações; os funcionários municipais, CPFL, Polícia Militar, bombeiros e um monte de fornecedores trabalharam duro na estrutura que tomava uma das principais avenidas da cidade; o jornalistas, curiosos em ver como o PT se sairia em um evento popular, fizeram a maior divulgação. Emagreci uns cinco quilos naquelas semanas, mas quando rolaram os bailes populares e o primeiro desfile tomou conta da avenida, no domingo, vi que tudo dera certo. Na noite de terça-feira seria o grande final (apesar da apuração de votos, na quarta-feira, mas isso era outra história). O desfile seria encerrado pela Estrela Dalva, campeã do ano anterior. Depois viria o famoso bloco do PT e a Polícia Militar, que garantia a segurança. 

A encrenca começou para decidir como o bloco sairia, quem participaria e outras questões difíceis de decidir quando tomo mundo dá palpites. Havia uma antipatia mútua entre o PT e a PM, fruto dos anos de ditadura e das lutas democráticas. Então o pessoal do PT não queria que a PM fosse atrás do bloco, uma bobagem na prática, mas uma ação simbólica significativa. Eu estava o início da concentração com vários colegas da administração me ajudando.  A Estrela Dalva saiu, fomos atrás, um tenente antipático da PM não gostou nada das provocações (sim, a gente provocou a PM, fruto de imaturidade e vontade de desforra pelos anos de chumbo) e a coisa foi engrossando. A PM cercou o bloco para evitar que populares participassem. Começou uma pressão física tendendo para um empurra-empurra e aí vi que a festa poderia terminar, naquela madrugada, em pancadaria. Um péssimo final para a primeira festa popular de um partido dos trabalhadores. O presidente da escola (não lembro o nome desse santo homem, já falecido), vendo a asneira feita por nós, policiais e militantes, me perguntou se queria que ele parasse a escola, algo impensável num desfile, pois uma escola de samba não para depois que começa o seu périplo. Disse que sim e fui correndo ao palanque chamar o prefeito. Quando contei ao Jacó, ele percebeu na hora o rolo armado e foi comigo até o conflito, a uns duzentos metros do palanque. Não havia mais jornalistas, pois o desfile oficial terminara. Menos mal para a administração e a PM. 

Quando o tenente viu que eu voltava com o prefeito, começou a me acusar. Devolvi os argumentos e começamos a gritar um com o outro. Jacó, que era mais bravo e teimoso que nós, berrou ordens, ordenou à PM que ficasse na retaguarda, que todo mundo se calasse e a Estrela alva prosseguisse. E assim foi. A escola de samba, o bloco do PT e a polícia, todo mundo fazendo carão, terminando o carnaval de 1989 em grande estilo. Foi uma grande festa na dispersão, fui beijado, abraçado, a PM se mandou e a cidade amanheceu na paz das avenidas cobertas com confete e serpentina.

No ano seguinte veio um novo oficial da PM cuidar da segurança da festa. Ficamos amigos, resolvemos os problemas que surgiram, e lá fiquei, os quatro anos da administração. Quando logo depois, em uma das entrevistas, me perguntaram se era a primeira vez que rolava o bloco do PT eu respondi: não, essa foi a última vez. E fomos felizes para sempre.

Luiz Gonzaga Godoi Trigo