segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Conto de Natal - 2012


Quase todo ano escrevo um conto de Natal. Este ano, 2012, a história é baseada em fatos reais e as semelhanças são propositais:





A dor nos joelhos e nas costas era insuportável. Nove horas de voo até Dubai; oito horas de espera no aeroporto, lindo, mas depois de algum tempo tão estuporante quanto Viracopos; e mais catorze horas até São Paulo. Estávamos quase aterrisando. O sol nascera e a paisagem suburbana da cidade deslizava sob as asas. Mal dormiu a bordo. Ele não tinha mais posição na poltrona e ansiava por um banho e um café da manhã ao seu jeito.

Nuvens de tempestade cobriram o solo e o céu. Recostado na janela sorria feito bobo, discretamente, pensando no Natal. Seu presente chegara uns dias antes, afinal, ver ao vivo o time ser campeão no Japão... não tinha nada melhor. Se bem que as prestações no cartão de crédito chegariam pontualmente. Sem problema, estava dentro da festa. Grana para viajar, time campeão, emprego garantido e a namorada esperando para curtir o reveillon. Pacote completo.

Entre a aterrisagem e a saída do aeroporto foram quase duas horas, graças à incompetência usual. Ligou assim que deu linha. Logo percebeu que havia algo diferente. Errado? Não, mas diferenciado. “E aí, acabei de chegar, tudo bem?”. Um silêncio de alguns segundos. “Tudo ótimo, e você, foi bem de viagem? Voltou contente?”  Mas foi quando disse que ao chegar em casa queria falar comigo pelo skype, para se verem nos olhos, teve certeza que o ano não acabara.

A marginal Tietê estava entupida e o táxi rastejava entre a água suja do rio e o ar poluído das avenidas, sob um sol majestático, lembrando como os trópicos são aconchegantes para quem chega do frio e de um mundo alienígena. O computador demorou para ligar, como sempre quando se está arfante por algo. Ela atendeu no primeiro clic. Estava linda. Formosa e poderosa, atraente como quando a viu pela primeira vez, há uns três anos. Moravam meio longe, mas nada que duas horas de voo não resolvessem e que o mundo virtual não sublimasse.

O maior download de sua vida estava a caminho. Então era isso mesmo. No auge de sua vida,  com a segunda mulher, teria o primeiro filho. Era a hora, fora o desejo e o sonho discreto, agora transformado em evento marcado para .. oito meses? Algo assim. Foi na despedida da viagem de volta, um pouco antes antes de ir ao Japão, numa noite quente olhando o mar sob a lua cheia. Agora, dois dias antes do Natal, sabia que aquele orgasmo se perpetuaria por muitos anos na figura de uma pessoa, que era sua filha (filho?). O Natal desse ano era a comemoração da concepção, de uma nova vida, prolongamento de suas vidas numa criatura em construção embrionária, mas que já repartia com eles a sua felicidade e satisfação, suas esperanças e devaneios. Claro que morariam juntos e no próximo Natal um bebê daria brilho ainda mais especial às festas.

Um amigo perguntou qual a emoção mais intensa: ver seu time ser campeão no
Japão ou saber que seria pai, ao voltar?

Ele pensou e disse que as duas eram grandes emoções, uma diferente da outra. Claro, de
certa forma se complementam, pois é tudo comemoração de vida, de celebrar
vitórias decisivas a favor da vida.

 Ao desarrumar as malas ele olhou em volta e viu seu apartamento com outros olhos. Uma
nova vida impregnava cada canto e paredes da casa, o ano que viria tornava-se
mais que uma promessa vã de reveillon. Era um projeto aprovado, confirmado e almejado.

O banho quente removeu  seu cansaço superficial mas fez emergir a exaustão da viagem. O
frio, a tensão dos jogos, a comida insossa e estranha, as longas viagens de ônibus até os
estádios, a comemoração contida porque quase nada era permitido naquela terra. E ainda os
voos eternos de ida e volta, o sabor delicioso e abissal da vitória e a volta para casa se
fizeram presentes em seu corpo.

A notícia do filho aliviou sua alma. O titulo de seu time era o passado recente, um sonho
realizado; a perspectiva de ser pai era o futuro insondável, uma esperança a ser
concretizada no cotidiano de suas vidas. Os presentes de Natal esse ano foram especiais.
Havia que agradecer, de alguma maneira e para alguém.

Antes de deitar ainda ligou mais uma vez, mas ela já saíra para trabalhar. Jogou-se na cama
e lembrou dos últimos dias e noite, no outro lado do mundo. Pareciam irreais agora,
 sobrevivendo apenas em sua memória e numas fotos no facebook. Antes de dormir pensou
em um bebê sorrindo e nos seus sonhos afagou uma criança que o chamava de papai.

Lá fora, o sol iluminava, forte sob um céu laçado pelas chuvas, a ante-véspera do Natal.

Luiz Gonzaga Godoi Trigo


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