domingo, 25 de novembro de 2012

Refletindo sobre nosso ano - para estudantes e profissionais



Darei um exercício para meus alunos da EACH-USP, como avaliação de final de semestre, que vale para todos nós. É para uma disciplina oferecida no último semestre do curso, portanto encerra um período acadêmico importante que é a graduação. Agora os jovens profissionais têm pela frente a inserção no mundo do trabalho e a continuação da longa caminhada pela vida.

O exercício será a redação de um pequeno texto individual, com o seguinte tema, subdividido em três partes: “Por que e como os anos de graduação ajudaram minha formação pessoal e profissional; como eu poderia ter aproveitado mais esse período e quais as principais lições aprendidas para o futuro; e a análise das minhas expectativas para as próximas etapas da vida (pessoal, acadêmica, profissional).”


 Esse exercício vale para todos nós, bastando trocar os “anos de graduação” pelo “ano de 2012”, ou pelo “término de um período de transição profissional”, ou de um “curso de pós-graduação” ou ainda ao final de qualquer período ou processo que julguemos relevante para nossas vidas (início ou fim de um casamento, um estágio, a definição de um novo projeto, sua implementação, análise de porque a produtividade subiu ou caiu etc.).

Eu espero que nossos alunos adquiram a capacidade de fazer, constante e metodologicamente, uma reflexão crítica sobre suas vidas, pois isso é fundamental para a construção conseqüente e responsável de uma carreira. Os acadêmicos fazem isso normalmente: temos que manter atualizado o currículo Lattes, escrever memoriais, passar por processos e reuniões de avaliação e nossas universidades são permanentemente rankeadas e avaliadas.

As corporações também possuem suas avaliações. Se forem bem feitas elas se articulam com o planejamento estratégico e tático, com os objetivos e metas da empresa, com os planos anuais ou semestrais, orçamentos e outros programas setoriais como recursos humanos, comunicação, inovação, criatividade, sustentabilidade etc. O que se chama feedback, nada mais é que uma avaliação crítica por parte dos pares de uma organização.

O mesmo vale para outras instituições públicas, privadas ou do terceiro setor, sejam sindicatos, igrejas, ONGs, escolas, área de saúde, militares e todo tipo de atividade humana organizada.

Saber fazer uma avaliação pessoal periódica inclui guardar, de maneira organizada, os dados e informações que resultaram desse exercício crítico e reflexivo. Isso geralmente se faz em um caderno particular, de forma que a pessoa possa acompanhar seu desenvolvimento ao longo de um tempo. Por que escrever num caderno? Porque muitas vezes há informações pessoais e na rede virtual não segurança absoluta, enquanto que o caderno pode ficar guardado e estar sempre acessível (não depende de sistemas, energia, compatibilidade de software, é imune a vírus – mas não a traças).

Esse procedimento, comum a acadêmicos, corporações, comunidades religiosas ou grupos de estudos e reflexões nas mais diversas áreas, é algo bastante antigo. Antigamente se chamava “exame de consciência”. Isso é algo muito comum a diversas religiões, mas suas origens datam das épocas filosóficas clássicas.

O filósofo e matemático Pitágoras (497 a.C.)  defendeu uma avaliação pessoal diária antes de cada noite: “Não permita que o doce sono se arraste sob os olhos, antes de ter examinado cada uma das ações da tua jornada: onde errei? O que fiz? O que omiti daquilo que deveria ter feito?”.

Sócrates (399 a.C.), apesar de nunca ter escrito nada, foi uma figura principal na filosofia grega, sucedido por Platão e Aristóteles. Ele desenvolveu o processo da maiêutica, ou a possibilidade de “parto das idéias” com o qual pretendia que a pessoa examinasse sua consciência e se preocupasse com seu progresso interior. O filósofo seguia o que estava escrito no frontispício do templo de Apolo, em Delfos, a cidade mais sagrada da antiguidade clássica: “Conhece-te a ti mesmo.”.

Sêneca (65 d.C.) e os estóicos declaravam que “nos tornamos cada vez piores porque ninguém examina a própria vida. Pensamos raramente nas ações futuras; as do passado, nunca, e, no entanto, do passado nos vem a luz para decidir em relação ao porvir.”

No judaísmo antigo, Fílon (45 d.C.) fez uma forte sugestão para todas as pessoas, que remete à sabedoria grega: “Procura incansavelmente conhecer a si mesmo. Examina as cavernas dos sentidos. Eu não te dou uma ordem maior que aquela de olhar a tua própria alma.”

Orígenes, que foi discípulo de São Clemente e um padre cristão da antiguidade (ano 254) declarou que: “é indispensável examinar aquilo que devemos fazer e aquilo que devemos evitar, aquilo que nos falta e aquilo de que somos ricos, aquilo que devemos melhorar e aquilo que devemos conservar.” Todos os primeiros doutores da Igreja, vários deles santificados, aproveitaram os antigos conhecimentos gregos, judaicos e babilônicos e, sob a nova vertente cristã, estabeleceram as bases do exame de consciência para promover a constante melhora (a Toyota, apesar de nada a ver com o cristianismo antigo,  usa essa frase para alicerçar suas políticas empresariais). A lista é longa: Santo Antão (356), São Basílio (379), São João Crisóstomo, Doroteu de Gaza (540), Santo Agostinho (430), São João Cassiano (435), São Leão Magno (461), São Bento de Aniane (821), São Bernardo e Claraval (1153), Santa Catarina de Sena (1380), Tomás Kempis (1471) e toda uma tradição que remete à Patrística helênica e latina. O fundador dos jesuítas, Santo Inácio de Loyola, com base nesses conhecimentos clássicos, desenvolveu no século XVI, em Manresa (Espanha), os Exercícios Espirituais, uma seqüência de métodos reflexivos para ordenar as emoções das pessoas e possibilitar uma maior consciência sobre seus pensamentos e atos. Sua contribuição foi tão importante que suscitou vários estudos psicanalíticos sobre seu método e um estudo clássico do semiólogo Roland Barthes (Sade, Fourier e Loyola. São Paulo: Martins Fontes, 2005), onde ele identifica quatro textos nos Exercícios: literal, semântico, alegórico e analógico. Para Barthes, “os Exercícios são o livro da pergunta, não da resposta. Para se ter alguma idéia das formas que pode assumir a marca impressa por Deus na balança, é necessário recorrer ao Diário Espiritual.”. Esse Diário Espiritual é p caderno que citei no início do texto.

Isso significa que essa avaliação de final de curso, pode servir de início (ou continuação, para os alunos(as) que já fazem uma reflexão sistemática) para um processo de reflexão crítica sobre suas vidas, seus objetivos e metas, erros e acertos, qualidade que devem ser mantidas ou melhoradas e características que devem ser extintas ou melhoradas.

Ao longo dos séculos XIX e XX a psicanálise, e as hostes de seus seguidores, avançara,m nesses domínios e nos legaram novas concepções sobre nossas vidas. Muitas são oriundas do tesouro da sabedoria clássica grega, judaico ou cristã.

Então, espero ter deixado claro, que essa próxima avaliação não se restringe apenas aos meus alunos(as) e nem serve apenas para “nota”. É um exercício que pode ser feito por qualquer pessoa e visa a longa caminhada existencial que todos temos por esse mundo. E o mais importante:  quem coordena e dirige o processo é a própria pessoa, com base nos textos e experiências anteriormente relatados e devidamente estudados e pensados. É um exercício de reflexão para avaliar seus próprios avanços e limites. Não há respostas “certas” ou “erradas” para esse tipo de prova. O mais importante é o processo de pensamento, de reflexão e avaliação feito de si e para si mesmo.

Não é fácil. Nem rápido. Más é um processo eficiente e altamente satisfatório para quem o realiza. Divirta-se e evolua de acordo com seus desejos, necessidades e objetivos.

Luiz Gonzaga Godoi Trigo

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