sábado, 21 de março de 2020

Isolamento - Primeiras impressões


Tarde de sábado, segundo dia do outono, bebendo vinho branco e ouvindo Elis Regina. Sózinho e isolado fisicamente. Determinações da Quarentena (com maiúscula mesmo) que entrou em vigor hoje, em São Paulo. Um bom momento para voltar ao blog que abandonei há anos, quando migrei para o Facebook e o Instagram. A cidade está mais silenciosa, com poucos carros nas ruas e vias expressas. Uma atmosfera de irrealidade cerca as pessoas. Parece um ensaio, uma dessas loucuras esporádicas que afetam o país como greves, locautes, rebeliões, crises econômicas ou planos econômicos desastrosos, como o do Collor (1990), que confiscou dinheiro de todo mundo, de maneira inédita e inesperada, causando uma queda brutal de consumo. Ou o congelamento de preços no Plano Cruzado (1986), que causou desabastecimento e aumento de preços com ágio embutido. Claro que os mais jovens não se lembram e viveram os últimos trinta anos em um período de crescimento econômico e relativa estabilidade. As crises mundiais de 1997, 2001, 2008 e a instabilidade brasileira de 2014 em diante atrapalhavam a economia e a sociedade, mas nunca houve, desde a Segunda Guerra Mundial, um evento global que transtornasse tanto os países como o Covid-19, o novo Coronavírus. 

De repente estamos todos trancados no centro de um thriller inédito, insidioso e assustador. Não é uma guerra nuclear, não é um ataque alianígena ou terrorista, não é uma mudança climática catastrófica, é um ... vírus. Um dos organismos mais simples e minúsculos do planeta ameaça nossas poderosas civilizações e culturas, modos de produção e tecnologias de informação e comunicação. No mainstream das relações líquidas, hipermodernidades, delírios e modelos algoritmos complexos, o vírus se instala e contamina todo nosso mundo real, virtual e imaginário. Vírus são algum elo entre Eros e Tânatos, entre o tesão e a morte. Os outros 200 vírus da gripe, o HIV, o Ébola qeu o digam, especialmente o HIV., o HPV. 

Entramos em uma clausura, um retiro forçado, um encontro com a gente mesmo e as pessoas que moram conosco. Como moro só estou acostumado com isso, não estranho nada a não ser o fato que essa auto-intimidade é para as próximas semanas ou meses. Gosto de estar comigo. Investi muito dinheiro e conhecimento para me tornar uma pessoa tratável e agradável para mim mesmo. Alguns chamam isso de egoísmo mas é um pragmatismo utilitarista existencial, uma mistura saudável de Jeremy Benthan, Sartre e pitadas generosas de hedonismo. 

Como a garrafa de vinho aproxima-se do final e minhas sensatas lições de "se beber não tecle" continuam válidas, termino essa reflexão por aqui e volto em breve.

Quanto a você, fica em casa; não encha o saco dos outros, se estiver morando com alguém; aproveite essa reclusão para se conhecer melhor (tem suas vantagens, mas às vezes dói) e tente sobeviver com dignidade e equilíbrio emocional. Gosto da expressão jesuítica "afeições desordenadas", que são a origem de nossas mazelas e babaquices. 

Hasta la vista!




Um comentário:

Anônimo disse...

Um belo texto para o nosso deleite, uma mistura de pragmatismo, sensibilidade e muita verdade. Que venham os próximos!