Texto: Luiz Gonzaga Godoi Trigo, 2015
Cronograma resumido das principais contribuições à evolução da qualidade no mundo (Estados Unidos, Japão e Europa), até 2000:
1918 – Inspeção industrial (EUA).
1920 – Apontamentos de W.
Shewhart (EUA).
1930 – Inicia-se o controle
estatístico na Bell Telephone Co.,
influenciado por Shewhart (EUA).
1945 – Constituição da SIC -
Sociedade de Engenheiros da Qualidade (EUA) e início dos processos de inspeção
(Japão).
1946 – A SIC passa a ser ASQC –
Associação Americana Para o Controle de Qualidade (EUA). Constituição da JUSE –
União Japonesa de Cientistas e Engenheiros.
1950 – A JUSE convida Deming para
aplicar seu primeiro seminário sobre controle de qualidade no Japão.
1951 – Juran escreve, nos EUA, a
primeira edição do Manual de Controle de
Qualidade, institui os conceitos de economia
da qualidade e qualidade no desenho
(ou projeto). No Japão começam os procedimentos do Prêmio Deming.
1954 – Juran dirige seminários
pra executivos no Japão, sobre planejamento e estabelecimento de objetivos e
metas para a melhoria da qualidade.
1956 – Feigenbaum propõe o Controle Total de Qualidade (TQM) e,
juntamente com Juran, fala da Engenharia
do Controle de Qualidade, nos EUA. No Japão, acontece a integração do Sistema de Qualidade de Feigenbaum,
quase simultaneamente aos EUA.
1960 – No Japão, encarregados de
empresas são treinados nas técnicas de qualidade.
1961 – Origina-se o conceito de zero defeito na Cia. Martín,
desenvolvido por Philip B. Crosby. Os dirigentes promovem o desejo constante e consciente de fazer o
trabalho bem feito na primeira vez (EUA). Fundada na Espanha a Asociación Española para
la Calidad
(AEC).
1962 – Todos os operários
japoneses são treinados nas técnicas de qualidade. Empresas, governos e
universidades promovem a qualidade. Começam os círculos de qualidade. (Japão).
1970 - A JUSE, os sistemas de
prêmio Deming e o governo estimulam a inovação e desenvolvimento da qualidade
nacional japonesa. Como resultado nasce o movimento de Controle Total da
Qualidade (TQC) e o Controle da Qualidade em toda a Empresa.
1974 – Os primeiros círculos de qualidade são implantados na
Lockeed (EUA).
1975 – O TQC se estende aos
desenhos e projetos japoneses. O QFD (Posicionamento na Função de Qualidade)
expande-se pelo Japão.
1978 – Os círculos de qualidade são implantados na Rolls Royce britânica.
1980 - A alta direção das
empresas norte-americanas começa a se interessar pela qualidade como tema
estratégico: 3M, Westinghouse, HP etc. A indústria norte-americana, confrontada
com o desenvolvimento da indústria japonesa, lança o slogan: Se o Japão pode,
também podemos.
1980 – No Japão são implantados o
sistema de produção on time e o
istema Taguchi de desenhos de experimentos. No final da década os métodos
Taguchi e QFD são incorporados às empresas.
1987 – Surge, nos EUA, a primeira
versão das normas sobre sistemas de qualidade ISSO-9000. É instituído o Malcolm
Bridge Quality Award, prêmio norte-americano de qualidade.
1988 – Assinada a carta da
Fundação Européia para Gestão da Qualidade (EFQM).
1989 – Começa, em 19 de outubro,
o Movimento Europeu para a Gestão da Qualidade.
1990 – Masao Kogure introduz, no
Japão, o Controle da Qualidade Total para a Gestão Estratégica (AMTQC).
1992 – O prêmio Europeu para a
Qualidade da EFQM é concedido pela primeira vez.
1994 – Primeira revisão das
normas sobre sistemas de qualidade ISO-9000, nos EUA.
1995 – Na Europa o tratamento de
qualidade estende-se aos setores de serviços, centros de saúde e educação
superior. Surge na Espanha
o Plan Nacional de Evaluación de la Calidad de las
Universidades (PNECU)
1997 – Modelo de EFQM para PYME
(pequenas e médias empresas) da União Européia.
1999 – Revisão do modelo EFQM
europeu para modelo EFQM de Excelência.
2000 – Tendência, na América do
Norte e Europa, rumo a um sistema integrado de gestão que agrupe qualidade,
meio ambiente e prevenção de riscos no trabalho. A integração deve levar em
conta os modelos TQM (norte-americano) e EFQM (europeu). Na América do Norte é
feita a segunda revisão das normas sobre sistema de qualidade ISO 9000.
Fonte: Velasco, C. A. B. e GARCÍA, C. Q. 2003, p. 130 e 131.
A partir do século 21 cada vez mais novas tecnologias de informação e comunicação envolvem e incrementam os processos de qualidade.
X - O esgotamento do fordismo e o
surgimento das sociedades de serviços (conceitos básicos para reflexão)
O fordismo, uma das primeiras grandes aplicações industriais do taylorismo, se estabeleceu ao longo de
quase meio século por meio de uma série de decisões tomadas em vários níveis
(individuais, corporativos, institucionais ou estatais). Foram escolhas
políticas e respostas às crises do capitalismo, especialmente à Grande
Depressão dos anos 1930. Após o final da segunda guerra mundial, em 1945, o fordismo chegou à maturidade como regime
de acumulação plenamente acabado, formando a base de um longo período de
expansão econômica industrial desde 1945 até o início da década de 1970.
Durante esse período os padrões de vida se elevaram nos países capitalistas
desenvolvidos, as tendências de crises foram contidas, a democracia de massa
foi garantida e as ameaças de guerras entre os países capitalistas tornaram-se
remotas, apesar da ameaça da Guerra Fria entre os países capitalistas e
socialistas (1947-1991). Foi durante essa época que floresceu o American Way of Life, tão reproduzido
nas artes disseminadas pela mídia, como nos desenhos de Norman Rockwell, nas
telas do artista Andy Warhol, pela indústria cinematográfica de Hollywood ou
pela publicidade tornada global, levando os símbolos do capitalismo
norte-americano à Europa Ocidental, ao Japão e ao sudeste asiático, à Oceania e
à América Latina.
O fordismo aliou-se ao keynesianismo
(doutrina econômica de Keynes) e juntamente, com o capitalismo, expandiu-se
pelo mundo todo. O fordismo
desenvolveu-se lentamente fora dos Estados Unidos antes de 1939. Após a década
de 1940, foi implantado com mais intensidade na Europa e no Japão, como
resultado do esforço de guerra e da vitória norte-americana. A sua expansão
após a Segunda Guerra consolidou-se pelas políticas de ocupação dos EUA, pelo
Plano Marshall (plano de ajuda aos países europeus devastados pela guerra) e
pelos investimentos diretos norte-americanos que se seguiram. O fato é que os
Estados Unidos foi o líder ocidental a sair vitorioso e fortalecido da segunda
Guerra. Seu grande opositor, a ex-União Soviética (1917-1991), tinha problemas
a resolver em sua área de influência direta na Europa Oriental e Ásia Central e
na exportação da revolução para a África e América Latina, sem contar que a
planificação socialista comprometeu o desenvolvimento pleno da tecnologia e
ciência em todos os níveis da sociedade soviética. Aos médio e longo prazo o
abismo tecnológico entre ambos os países cresceu imensamente, com plena
vantagem para os EUA e o ocidente. O modelo de industrialização capitalista fordista parecia ser a fórmula perfeita
de desenvolvimento permanente.
Caso:
O National Museum of American History
(Museu Nacional da História Americana), um dos imensos museus da Smithsonian Institution de Washington
D.C. (EUA), mostra com farta documentação fotográfica, esquemática, maquetes,
filmes e peças da época, a estruturação dos grande sistemas organizacionais
americanos. O museu mostra como as grandes burocracias privadas e públicas, as
redes de telégrafo, de energia elétrica e de estradas de ferro do início do
século se organizaram. Outro museu Smithsonian imperdível é o Arts and Industries Building, com partes
da exposição comemorativa do centenário da independência norte-americana de
1876, inclusive a produção industrial. O site
da Smithsonian Institution é www.si.edu e do Museu Nacional de História
Americana é www.americanhistory.si.edu.
Mas o fordismo não solucionou todos os problemas. Havia uma diferença
entre o que ele representava e o que realmente oferecia às pessoas. Havia os
excluídos do sistema que se perpetuavam nos países em desenvolvimento e até
mesmo nos países mais desenvolvidos. Gente que não conseguia as benesses
propagadas pela televisão, pelo rádio e pelo cinema. As críticas e práticas da
chamada contracultura da década de 1960 eram paralelas aos movimentos das
minorias excluídas e às críticas da racionalidade burocrática impessoal e fria.
As várias correntes de oposição começaram a se fundir no mesmo momento em que o
fordismo, como sistema econômico,
parecia mais fortalecido. Além da oposição iniciada nos países centrais do
capitalismo, havia as críticas na periferia do sistema. Países pobres, onde as
promessas de desenvolvimento, satisfação das necessidades e integração aos
países ricos nunca se cumpriam e na prática esse modelo provocava destruição
das culturas locais e opressão, em troca de poucos benefícios destinados apenas
às corruptas elites locais que colaboravam com as multinacionais e com os
métodos de gestão importados. Os progressos garantidos a todos não eram
harmoniosamente distribuídos e criavam laços problemáticos de dependência.
Começaram então a surgir
movimentos de libertação nacional, de caráter nacionalista ou socialista, e a
hegemonia dos Estados Unidos foi contestada por vários grupos, desde o
Movimento dos Países Não-Alinhados (seja ao capitalismo ou ao socialismo) até
alguns setores da Organização das Nações Unidas, especialmente ligados à cultura
(Unesco), alimentação (FAO e trabalho (OIT). Evidentemente os países do
socialismo real (ex-União Soviética, leste europeu, China, Coréia do Norte)
eram as grandes forças de contraposição ao capitalismo ocidental liderado pelos
EUA.
Os problemas não eram apenas
políticos. A face política e cultural desses conflitos tinha origem em raízes
econômicas. Políticas de substituição de importações na América Latina geraram
pólos industriais, a Europa ocidental e o Japão desenvolviam suas indústrias e
todos passaram a competir com os norte-americanos em ambientes totalmente
novos. “De modo mais geral, o período de 1965 a 1973 tornou cada vez
mais evidente a incapacidade do fordismo e do keynesianismo de conter as
contradições inerentes ao capitalismo. Na superfície, essas dificuldades podem
ser mais bem apreendidas por uma palavra: rigidez. Havia problemas com a
rigidez dos investimentos de capital fixo de larga escala e de longo prazo em
sistemas de produção em massa que impediam muita flexibilidade de planejamento
e presumiam crescimento estável em mercados de consumos invariantes”
(Harvey 1993, pág. 135).
Essa
rigidez
é uma característica do capitalismo industrial que será duramente criticada por
diversos analistas. Rigidez refere-se à disciplina rígida, hierarquizada, quase
militar que prevalecia nas indústrias e em alguns antigos setores de serviços
como bancos, hotéis, escolas, transportes ferroviários e marítimos. A conquista
de qualidade em serviços nas sociedades pós-industriais teve que combater duramente
essas antigas práticas gerenciais e administrativas para possibilitar o avanço
nos parâmetros de qualidade .
Para complicar o quadro
internacional, em 1973 a
Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) aumentou os preços do
óleo e embargou a exportação do produto durante a guerra árabe-israelense. Com
um número considderável de países islâmicos na Opep, o embargo e o aumento dos
preços do petróleo foi uma retaliação pelo apoio que vários países ocidentais (liderados
pelos EUA) deram a Israel. O aumento causou a elevação do custo dos insumos de
energia e vários problemas financeiros no mercado internacional, principalmente
uma instabilidade econômica preocupante. Em 1975, a cidade de Nova
Iorque, dona de um dos maiores orçamentos políticos do mundo, atingia a
falência técnica, exemplificando a gravidade dos problemas mundiais.
A recessão de 1973, aprofundada
pelo choque do petróleo, catalisou uma série de movimentos que comprometeram o
fordismo. Ao mesmo tempo surgiam os avanços tecnológicos nas áreas de
eletrônica, telecomunicações e informática que dariam o golpe final nos antigos
processos industriais e administrativos existentes.
As décadas de 1970 e 1980 foram
períodos turbulentos de reacomodação social e política, econômica e cultural.
Novas formações econômicas começaram a surgir, fruto das incertezas e dos
conflitos mal resolvidos em um mundo que se transformava profundamente.
Essas mudanças fortaleceram o
setor terciário, de comércio e serviços. As novas tecnologias propiciaram esse
desenvolvimento e, concomitantemente, racionalizavam e criavam novas linhas de
produção automatizadas no setor industrial.
Foi a época do aparecimento dos
robôs nas indústrias, da disseminação de computadores cada vez menores, mais
rápidos e baratos, da explosão dos chips
e de novas linguagens de comunicação.
Em termos mais técnicos, o eixo
principal das mudanças ocorridas nas últimas décadas do século XX foi a
superação do fordismo em virtude do
surgimento da chamada acumulação
flexível:
“A acumulação flexível é marcada por um confronto direto com a rigidez
do fordismo. Ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos
mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo
surgimento de setores de produção inteiramente novos, por novas maneiras de
fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas
altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A
acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões de desenvolvimento
desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando, por
exemplo, não só um vasto movimento no emprego no chamado ‘setor de serviços’,
mas também conjuntos industriais completamente novos em regiões até então
subdesenvolvidas. Ela também envolve um novo movimento de compressão do
espaço-tempo no mundo capitalista – os horizontes temporais da tomada de
decisões pública e privada se estreitaram, ao passo que a comunicação via
satélite e a queda dos custos de transporte possibilitaram cada vez mais a
difusão imediata dessas decisões num espaço cada vez mais amplo.” (Harvey
1993, pág. 140).
Horizontes mais amplos,
tecnologias mais sofisticadas, comunicações mais rápidas e baratas, novas
possibilidades de acesso. Essas são as
sementes da globalização que transformou completamente o mundo entre o final do
século XX e o início do século XXI.
Essas sociedades pós-industriais
possuem, portanto, um eixo caracterizado por termos como informação e conhecimento,
palavras encontradas na maioria dos analistas e pesquisadores sobre as novas
sociedades. Os serviços são então marcados por essas qualidades. Para não
deixar dúvida sobre o que se está analisando sob o setor de informação para
serviços, Charles Handy faz uma lista:
Educação
Artes
criativas e arquitetura
Pesquisa
Trabalhos
em escritórios
Música
Design
Serviço
público
Processamento
de dados
Mídia
Comunicações
Software
Vendas
Filmes
Contabilidade
Igrejas
Direito
Fotografia
Imóveis
Psicologia
e Psiquiatria
Telecomunicações
e Correio
Publicidade
Trabalho
social
Editoração
Finanças
Ciência
Administração
Gerenciamento
Sindicatos
Museus
e TV
Setor
gráfico
Governo
(legislativo e executivo)
Fonte: Handy, C. 1990, p. 15-16
Essas divisões e agrupamentos
variam de acordo com os autores que analisam o mundo atual e a globalização.
As sociedades agrárias
trabalhavam com commodities, produtos armazenáveis que significavam riquezas
palpáveis, mais ou menos perecíveis (cereais, frutas, tecidos, minerais, gado,
óleo mineral e vegetal etc.). As sociedades de economia industrial trabalhavam
com bens, produtos manufaturados e
duráveis, com valor agregado às matérias primas e insumos, permeados pelo
trabalho humano, a preciosa mais-valia de Karl Marx. As sociedades se serviços
trabalham com os próprios serviços e
as sociedades da experiência trabalham com sensações,
na visão de Gilmore e Pine. Em um patamar mais exigente, essas sensações devem
ser um espetáculo para o cliente, mas um espetáculo com certa autenticidade.
Ao longo dessa vertente as
antigas economias, ou sociedades, não desaparecem. Incorporam-se aos novos
patamares. Continuamos a precisar de suprimentos e bens, mas a tecnologia e os
processos gerenciais desenvolvidos ao longo dos séculos já nos garantem essa
riqueza material em escala suficiente. O que existe é uma má distribuição
dessas riquezas pelo mundo, aliada a uma concentração brutal de riquezas e
renda nas mãos de minorias estabelecidas nos países desenvolvidos e, em menor
escala, nos países em desenvolvimento. Continuamos a necessitar de
qualidade, seja no mundo agrário, industrial ou de serviços. E essa hipotética
sociedade da experiência igualmente fundamenta-se em commodities, nos bens e serviços, pois as sensações não vêem do
nada, não são puramente subjetivas ou imateriais. A qualidade continua a permear
essas novas formações sociais. Do futuro e do passado. Prover ou providenciar
uma matéria-prima, um bem, um serviço ou uma experiência com altos níveis de
excelência depende de qualidade.
No futuro, a bordo das naves ou
estações espaciais, seja em órbita da Terra ou atravessando o sistema solar
rumo a “novos mundos, novas vidas”, ainda haverá commodities, bens, serviços e experiências a bordo. Assim como
padrões de qualidade, pois as naves pioneiras não terão assistência técnica de
reparo ou manutenção logo depois do cinturão de asteroides, entre as primeiras luas
de Júpiter. Pelo menos no início das viagens espaciais de longo alcance.
Portanto, o desafio de se conseguir – e manter – elevados padrões de qualidade
é um projeto de longo alcance para a humanidade. Um desafio do presente e do
futuro, para os próximos séculos.
Mas o desafio é fazer isso aqui e
agora, em pleno século 21. Cada vez melhor e com mais economia, racionalidade e
excelência.
Texto: Luiz Gonzaga Godoi Trigo, 2015
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