terça-feira, 15 de julho de 2014

Copa do Mundo - Teve festa, choro e esbórnia



O pomo da discórdia

O clima social azedou no promissor país tropical em junho de 2013. Os protestos, inicialmente considerados exemplo de cidadania  conscientização, degeneraram para quebradeiras de rua, apoiados por arcaicas teorias demagógicas que unem o totalitarismo da esquerda ao da direita. Os protestos se esvaziaram, mas o descontentamento se manteve, inclusive com ácidas críticas aos governos e aos políticos, à corrupção, à incompetência administrativa estatal e à realização da Copa do Mundo. Denunciaram e criticaram, com razão, os atrasos e altos custos das obras, a FIFA, tudo embasado por argumentos que iam dos mais lógicos aos mais delirantes. E a mídia nacional entrou na onda, mais por oportunismo oposicionista do que por convicções plenamente embasadas. 


“Não vai ter Copa!” Essa frase uniu coxinhas conservadores e esquerdistas rabugentos em torno a um delírio pueril. Parte desses descontentes não perceberam as implicações jurídicas, políticas e econômicas de um compromisso com um megaevento como a Copa do Mundo e o governo federal não conseguiu mudar a percepção das pessoas em relação ao cronograma e as planilhas da organização do torneio. Quando, às vésperas do evento, os protestos e as greves começaram a subir de tom, governos e  polícias de todos os níveis (federal, estadual, municipal) usaram da força física e legal para garantir os jogos. A estupidez de alguns protestantes uniu-se à estupidez policial. A milícia espancou ativistas, populares, jornalistas, políticos e acadêmicos de forma equânime. No final prevaleceu a paz tácita, garantida sob os olhares severos dos organizadores da festa e apoiada pela complacência da  maior parte da população.

O tesão venceu a amargura

Depois do jogo de abertura o Brasil percebeu que a festa decorria normalmente, e era muito divertida. Aí vieram as acusações de que o Brasil tinha comprado a Copa, seríamos campeões com base em fatos fundamentados nas teorias conspiratórias mais oníricas e atrevidas. Depois algumas dessas teorias se deslocaram para outro lado, o Brasil teria vendido a Copa para a Alemanha. Até os colombianos deliraram ao afirmar que a lesão de Neymar seria uma farsa para justificar uma futura derrota brasileira. Resta saber por que um país como a Alemanha, com economia excelente, saúde, educação, segurança e um ótimo time compraria algo, mas a lógica é a primeira vítima dessas teorias esquizoides. 

Com as vitórias iniciais da seleção e o ótimo clima nas doze cidades dos jogos (com raras exceções), o governo federal animou-se a reclamar a paternidade do sucesso e a mídia rendeu-se às evidências, as coisas estavam correndo bem. Até a Dilma disse que seu governo era Padrão Felipão, frase depois cuidadosamente remetida ao fundo da memória. A seleção brasileira embarcou numa onde de choros, vaidades cosméticas (brincos, cabelos, tatoos) e midiáticas (bajulações, selfies, gracinhas nas redes sociais), acompanhando a vibe da festa que continuou por três semanas de glórias e farras. 

A hospitalidade do povo brasileiro foi aclamada unanimemente. Abraços, beijos, sexo, bebidas, música, drogas e comidas para todos os gostos e baladas de todos os preços envolveram brasileiros e estrangeiros em sonhos das noites cálidas do inverno tropical. Comentei com uma amiga, também da área de turismo, que @s profissionais do sexo talvez não ganharam tanto quanto imaginavam porque o sexo gratuito, liberal e festivo de nossa população foi uma das plataformas dessa aclamada hospitalidade, mas isso não foi comentado pela mídia, governos ou instituições, ficou implícito nos bastidores da esbórnia, sob um transparente véu de respeitabilidade e bonomia. Ganharam o pluralismo democrático e as liberdades individuais.   


Houve xingamentos contra a presidenta Dilma na abertura e na final, teve enchente em Natal, caiu o viaduto em Belo Horizonte, torcedores invadiram alguns estádios e parcas greves atrapalharam o show em pouquíssimas cidades. Por outro lado, a polícia do Rio de Janeiro deu um show de competência desvendando uma quadrilha internacional de alto nível, ligada à FIFA, que traficava ingressos do mundial e a rede turística nacional, as telecomunicações, a malha aérea, os serviços em geral funcionaram de acordo. Joseph Blatter deu nota 9,25 para a organização da Copa do Brasil, maior que a nota da África do Sul (9,0). Um impressionante número de 95% dos visitantes elogiaram a hospitalidade brasileira como “ótima” ou “boa”.  



A seleção ficou nua...

Então, na tarde de terça-feira, 8 de julho, a Alemanha arrasou o sonho do Hexa, metendo a maior goleada da história das Copas e justamente contra a seleção pentacampeã, no país sede do evento. Não foi desgraça pouca e nem bobagem:

1- NUNCA O BRASIL HAVIA TOMADO 7 GOLS EM UM JOGO OFICIAL
(perdeu para o Uruguai por 6 a 0 na Copa América de 1920) 

As maiores derrotas
 
1917 Brasil 0 x 4 Uruguai Sul-Americano
1920 Brasil 0 x 6 Uruguai Sul-Americano
1925 Brasil 1 x 4 Argentina Sul-Americano
1934 Brasil 4 x 8 Iugoslávia Amistoso
1939 Brasil 1 x 5 Argentina Copa Rocca
1940 Brasil 1 x 6 Argentina Copa Rocca
1940 Brasil 1 x 5 Argentina Copa Rocca
1956 Brasil 1 x 4 Chile Sul-Americano
1959 Brasil 1 x 4 Argentina Sul-Americano
1963 Brasil 4 x 5 Bolívia Sul-Americano
1963 Brasil 1 x 5 Bélgica Amistoso
1980 Brasil 1 x 5 Colômbia Pré-Olímpico 

2 - NUNCA UM TIME HAVIA LEVADO 5 GOLS EM NOS PRIMEIROS 29 MINUTOS DE JOGO EM COPAS
 
3 - NUNCA UM ANFITRIÃO HAVIA SIDO GOLEADO DE FORMA TÃO ACACHAPANTE NA COPA
 
4 - NUNCA FELIPÃO HAVIA PERDIDO UMA PARTIDA COM A SELEÇÃO BRASILEIRA EM MUNDIAIS
(tinha nove vitórias e dois empates) 

5 - NUNCA O BRASIL HAVIA SOFRIDO MAIS DE DEZ GOLS EM UMA EDIÇÃO DE COPA
(o recorde era dez em 1998) 

6 - NUNCA HOUVE UMA GOLEADA TÃO ELÁSTICA NUMA SEMIFINAL
(em 1930, a Argentina goleou os Estados Unidos por 6 a 1. Do outro lado da chave da semifinal, o Uruguai venceu a antiga Iugoslávia pelo mesmo placar. Já na Copa de 1954, a Alemanha Ocidental venceu a Áustria também pelo placar de 6 a 1) 

7 - NUNCA UMA SELEÇÃO HAVIA PERDIDO DUAS COPAS EM CASA
 
Fonte: Folha de São Paulo, 09JUL14

 O país em choque viu a goleada e o clima começou a azedar. No dia 9 de julho, feriado nacional na Argentina, a Holanda perdeu nos pênaltis para los hermanos. Aí começou a guerra na internet e nas ruas entre as duas maiores economias da América do Sul. Aí também terminou a farra na Vila Madalena (São Paulo) e em várias festas organizadas ao longo da Copa. Com a derrota do Brasil pelos holandeses, por três a zero, a provocação subiu alguns pontos.

Rivais irmanados e raivosos

Para mim, os argentinos perderam um pouco a consciência dos limites entre fazer piada ou provocar e tripudiar ou humilhar os derrotados. Avançaram das piadas que ridicularizam alguém para o escárnio que pode ofender pruridos culturais ou patrioteiros. Os argentinos se sentiram em casa, graças à capacidade de improviso das cidades de Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro, que prepararam áreas para camping e estacionamento para milhares de argentinos que vieram, curtir a Copa no Brasil e isso é ótimo. Assim como outros estrangeiros foram bem recebidos e bajulados. Mesmo assim alguns de seus torcedores capricharam na execração de nosso sagrado futebol conspurcado na arena global. Então, no dia 13 de julho, o Maracanã viu uma cena inédita. Brasileir@s em massa torceram pelos alemães, mesmo depois da histórica derrota, tudo para evitar que a arrogância argentina atingisse um patamar divino ante nosso orgulho nacional. Pela primeira vez a torcida argentina foi abafada pela torcida alemã, engrossada pelo coro de milhares de brasileir@s. A imprensa argentina achou isso uma falta de dignidade e alguns relincharam que era um tipo de “síndrome de Estocolmo” dos brasileiros, aquela síndrome que faz os sequestrados simpatizarem com seus sequestradores. Bobagem. 

No dia 15, outra terça-feira, na festa da recepção da seleção alemã em Berlim, houve danças ridicularizando os gaúchos, tipo genérico que se espraia pelos campos do Rio Grande do Sul, Uruguai e Argentina, mas a dança derrisória foi destinada aos hermanos. Ficaram furiosos e falaram em “racismo”. Mas não são eles mesmos que chamam, historicamente, os brasileiros de macaquitos ou negritos?  Piada na pele dos outros é maquiagem...

Teve uma bela Copa, das melhores...

O mais importante na Copa de 2014 foi o bom humor, a festa, o clima de fair play (com exceção de algumas cavalices em campo) e a meteorologia propícia ao ar livre, às ruas e praças com música, dança, paquera e gastronomia variada e deliciosa. As piadas e memes que mais bombaram na internet envolveram, mais ou menos nessa ordem: brasileiros, argentinos, espanhóis, gregos, italianos, portugueses... 

 Várias pesquisas mostram o que os estrangeiros mais adoraram no Brasil: alegria e hospitalidade das pessoas, praias, clima, comida e pontos turísticos, necessariamente nessa ordem. E o que renegaram: preços altos, desigualdade social e trânsito. Sendo assim, sou obrigado a reconhecer aquele lema que eu considerava demagógico, mas tem lá a sua validade: o melhor do Brasil são @s brasileir@s, como já dizia Câmara Cascudo. Gostaram de nós, reconfortante para o ego coletivo. 

Alguns dados fornecidos pelo governo federal mostram o sucesso do evento:

1,015 milhão
Turistas estrangeiros
Visitaram o país no período da Copa do Mundo, vindos de 202 países

95%
dos turistas querem voltar segundo pesquisa do Ministério do Turismo

16,7 milhões
Passageiros em aeroportos
No período entre 10.jun e 13.jul em 21 terminais; no mesmo período de 2013, o número foi de 15 milhões

92%
foi o índice de pontualidade
Média nos 21 aeroportos envolvidos com a Copa

130 km de BRT (ônibus rápido)
Previsão inicial era de 222 km de BRT e 72 km de VLT (Veículo Leve sobre Trilhos)

177 mil foi o efetivo de segurança
271 cambistas foram presos nas cidades-sede e 266 estrangeiros foram barrados

 
Assim como a excelente avaliação feita pelos visitantes, que pode ser analisada no site:


Teve Copa, teve festa e teve muita curtição, apesar dos problemas ocorridos e que podem ser evitados no futuro próximo, como nas Olimpíadas do Rio de Janeiro. 

Os setores de viagens, hospitalidade, eventos e turismo foram dos mais beneficiados. Isso significa um avanço, um up grade nos patamares dos serviços prestados em nosso país. Em termos de imagem global, o evento foi excelente. Em termos de lucros imediatos, foi razoável, os maiores lucros são intangíveis e referem-se à conscientização sobre a importância de se ter um setor de viagens e turismo altamente competitivo, profissionalizado e marcado pela competência técnica e elevada qualidade de serviços. Para isso formação profissional e educação básica são fundamentais, assim como a mentalidade aberta às características globais que interessem ao nosso país. 


As doze sedes beneficiaram-se imensamente da festa, mas o Rio de Janeiro teve o privilégio de sediar a final. As imagens do Corcovado, do Maracanã, das praias e da cidade encantaram o mundo. Em dois anos teremos uma nova exposição mundial. Que os acertos sejam aperfeiçoados e os erros sanados. Vai ter Olimpíadas!    

Luiz Gonzaga Godoi Trigo, 2014


2 comentários:

Maria José Giaretta disse...

Na minha humilde avaliação eu não me lembro de ter visto antes tantas agressões em campo, mordidas, joelhadas;
Também para mim agora quando alguém fala padrão FIFA, me causa uma imagem igual não é uma Brastemp, quer dizer é arrogante e ruim;
Para a gestão pública fazer a lição de casa direito, cumprir cronograma; não bloquear ruas para a população em prol do evento e não pregar prego até a data da inauguração e
para os empresários não subir o preço de forma abusiva como aconteceu em algumas cidades sede.

Maria José Giaretta disse...

Na minha humilde avaliação eu não me lembro de ter visto antes tantas agressões em campo, mordidas, joelhadas;
Também para mim agora quando alguém fala padrão FIFA, me causa uma imagem igual não é uma Brastemp, quer dizer é arrogante e ruim;
Para a gestão pública fazer a lição de casa direito, cumprir cronograma; não bloquear ruas para a população em prol do evento e não pregar prego até a data da inauguração e
para os empresários não subir o preço de forma abusiva como aconteceu em algumas cidades sede.