Alguém pensa seriamente que podemos cancelar agora,
na véspera, um evento como a Copa do Mundo no Brasil? Só se a gente fosse mesmo
muito sem noção, irresponsável ou porra-louca ao extremo. Pensemos algumas
questões:
No passado mais ou
menos recente, algumas pessoas escolheram opções equivocadas com base em
informações fragmentadas, fatos mal interpretados ou distorcidos de acordo com
suas preferências, preconceitos, ideologias ou até mesmo em virtude de suas
frustrações pessoais.
Por exemplo, entre
abril e junho de 1982, a Argentina invadiu as ilhas Malvinas, dominadas pelo
Reino Unido, desde o século XIX (1833). A guerra foi uma manobra da ditadura
argentina para atrair demagogicamente a população face ao fracasso das medidas
desastrosas do regime militar. Sem contar que a superioridade tecnológica e
militar dos ingleses não oferecia grandes chances de vitória para a Argentina. Mesmo assim, vários brasileiros
apoiaram a ditadura argentina como uma tática contra o imperialismo britânico. De
nada adiantou, os argentinos foram varridos das ilhas em poucas semanas e
recentemente as Falklands comemoraram os 40 anos da vitória.
Por ocasião dos ataques
terroristas de 11 de setembro de 2001, alguns brasileiros “nacionalistas”
apoiaram os fanáticos islâmicos que realizaram os atos de barbárie nos Estados
Unidos. Não viram que esses ataques despertariam a fúria assassina dos mais
reacionários representantes da águia norte-americana e que isso desencadearia
uma sequencia de guerras (Afeganistão, Iraque) e de novos ataques terroristas
pelo mundo. Sem contar que quase três mil pessoas inocentes perderam a vida
(sem contar os feridos e o prejuízo imobiliário) de uma forma espetacular,
midiática e estúpida.
Dessa vez é a Copa do
Mundo de 2014 aqui, no Brasil, que se tornou alvo de uma minoria de pessoas que
teima que não terá Copa.
Há pelo menos dois tipos de
torcidas contra. A primeira torce apenas
contra a seleção brasileira de futebol porque imagina que se o Brasil ganhar o
hexa campeonato isso facilitará a campanha do PT para a reeleição presidencial.
É uma posição partidária, mas entende que a Copa deve acontecer normalmente
para não atrapalhar a imagem do Brasil no exterior e os negócios inerentes a
essa imagem, já razoavelmente comprometida em função da bagunça nacional. O segundo tipo torce para que a Copa
sequer aconteça. Esse segmento delirante é composto por uma pequena parte da
extrema esquerda e uma pequena parte da direita nacionalista e atrasada. É um
tipo de ranço raivoso e pueril que faz algumas pessoas reagirem de forma
desmesurada perante um problema real. Alguns são simplesmente chatos, ranzinzas
ou problemáticos. Outros cristalizaram alguma posição ideológica e teimam até o
fim.
Mas enfim, como será
Copa do mundo no Brasil? Essa é a pergunta de alguns bilhões de dólares.
Vai ter Copa. Isso é
evidente. Não se pode solicitar a participação em um empreendimento desses (nós
quisemos, e na época poucos reclamaram); articular empresas, governos e
instituições em dezenas de projetos por todo o país; gastar (bem ou mal) alguns
bilhões de dólares; prometer mil coisas e criar expectativas nacionais e
globais; estar em destaque na mídia global, com a bundinha exposta na janela e
depois dizer: não brinco mais. Terá Copa sim. Pode ser meio bagunçada, a
logística falhará em alguns pontos (espero que em nenhuma área vital), os
protestos ocorrerão em algumas cidades e os ganhos serão capitalizados pelos
governos, assim como as perdas e os danos serão motivos de trocas de acusações
entre a FIFA, governos e empresas.
Ainda há um clima
morno, chocho, até frio, a poucos dias do início dos jogos. É provável que
depois da abertura, dia 12 de junho (dia dos namorados no Brasil), se tudo
correr razoavelmente bem, o clima esquente e, com as vitórias em campo, o humor
e o tesão nacionais aumentem. Os que querem simplesmente melar a Copa têm uma
visão espúria e infantil da realidade.
Alguns dos meus vizinhos, em Campinas (SP) já decoram seus apartamentos. Isso deve aumentar nos próximos dias.
Mas, há motivos
suficientes para as críticas, não podemos ignorar os problemas, a bagunça e o "mal feito":
atrasos nas obras;
superfaturamento dos custos dos estádios;
medidas autoritárias por exigência da FIFA
(que nunca escondeu suas exigências radicais, aceitas explicitamente quando o
Brasil se candidatou);
demagogia no geral por parte de alguns
políticos;
incompetência nos três
níveis governamentais (federal, estadual e municipal) para viabilizar os
projetos, cuidar das questões ambientais e, finalmente, promover licitações
corretas e transparentes.
Pelo menos os estádios estão prontos. Já os tão desejados legados, foram entregues pela metade ou inacabados, alguns
foram simplesmente cancelados como o mítico e encantado trem-bala Rio-São
Paulo. Hoje muitos percebem que doze sedes é um exagero. Cidades como Brasília,
Natal, Cuiabá e Manaus nem deveriam sediar o evento, pois os estádios não terão
uma ocupação sistemática pelo simples fato de não haver grandes times no
pedaço, sem contar a distância
geográfica, no caso das duas últimas. Mas agora não adianta, feito está.
A discussão sobre a
Copa acontece em um contexto nacional complexo. Há um ano ocorreram grandes
manifestações populares nas cidades brasileiras por causa de aumentos das
tarifas de transportes, falta de infraestrutura, corrupção, impunidade e
descontentamento com várias carências e desmandos do país. Neste ano, de 2014,
a proximidade das eleições gerais para presidente e governadores traz novos
desafios e achaques políticos, pois parte da oposição conservadora está
transtornada com a possibilidade do PT ficar mais quatro anos no governo
federal. Então os embates mesclam as arenas esportivas com as arenas políticas,
sociais e econômicas.
Nas redes sociais essas
discussões atingiram altos índices de teimosia, desinformação, estupidez e
alguma cavalice existencial. Isso não é ruim, pois o debate se faz necessário e
o país precisa se olhar nos olhos e ser olhado, criticamente, pela comunidade
internacional. O que é um pouco desnecessário são algumas posições inflamadas,
principalmente de uma direita retrógrada, ressentida e frustrada, assim como algumas pílulas de parte da
esquerda amargurada. Mas essa esquerda tem mostrado muito mais bom humor e savoir faire que vários coxinhas
basbaques.
A edição de maio da revista alemã Der Spiegel espinafrou a organização da Copa e a segurança das cidades brasileiras. Cabe a nós mostrar que houve exagero por parte deles. Ou, então, confirmar suas funestas expectativas.
A Adidas surfou na imagem erótica e sacana que o Brasil possui no exterior. Essa imagem foi alimentada durante décadas pela propaganda oficial da ditadura militar e ainda hoje é veiculada em filmes, músicas e pelas ruas e praças do país. O Brasil é um destino sexual.
Mas a hipocrisia nacional se nega a ver algumas coisas óbvias como, por exemplo, menininhas se prostituindo na noite das grandes metrópoles ou na beira de algumas estradas. Fica a piada com a indignação.
Centenas de colunas,
entrevistas, blogs e reportagens já foram escritas sobre a nossa Copa.
Reproduzo
uma das entrevistas, realizada com Roland Bonadona, um francês que
conhece como poucos o turismo brasileiro,
onde reside há 20 anos. Bonadona comanda há quase uma década a Accor no
Brasil, maior rede de hotéis no país, com mais de 30 000 leitos. Desde 2013,
Bonadona acumula também a direção da rede para as Américas.
Para ele, a realização da Copa do Mundo seria a chance de ouro para
ampliar significativamente o número de turistas que visitam o país anualmente.
“Infelizmente, não tivemos um time de especialistas que pudessem ajudar o
Brasil a aproveitar todo o potencial da Copa”, diz. Confira trechos da entrevista
retirados do site da revista Exame.
1) EXAME - O que significa para o turismo de um
país a realização da Copa do Mundo ou da Olimpíada?
Roland Bonadona - São oportunidades únicas, e o
potencial de ambos os eventos é enorme. A Copa do Mundo é a maior vitrine para
o turismo que se pode imaginar.
Antes de o evento começar, a mídia internacional
produz conteúdos sobre o país e suas particularidades. Durante os jogos, são
centenas de milhões de pessoas absorvendo informações sobre o país.
2) EXAME - E o Brasil soube
aproveitar?
Roland Bonadona - Não. Quase nada foi feito para
promover o turismo. O governo preferiu acreditar que o Brasil se venderia
sozinho. Não é o suficiente. O país tem recursos naturais, cultura e talvez o
maior número de locais tombados pela Unesco.
3) EXAME - O que foi feito?
Roland Bonadona - Foram construídos hotéis que vão
modernizar o parque hoteleiro brasileiro. Os aeroportos melhoraram, ainda que
estejam longe do ideal. Isso aumenta a qualidade da recepção aos turistas antes
e depois dos jogos. Não podemos dizer que perdemos tudo, que gastamos uma
fortuna e não seremos recompensados. Seremos, mas poderíamos ser muito
mais.
4) EXAME - Faltou planejamento?
Roland Bonadona - A estratégia foi mal definida.
Quem cuida da promoção do Brasil no exterior são a Embratur e o Ministério do
Turismo. São dois órgãos que deveriam ter especialistas em promoção do turismo,
mas não têm. O governo estava mais preocupado em controlar o preço de hotéis e
de passagens aéreas.
5) EXAME - Por que o turismo foi colocado
de lado?
Roland Bonadona - O Ministério do Turismo não é
valorizado. A pasta é considerada irrelevante pelos políticos. Isso mostra que
nem o governo enxerga o setor como importante. Mas nele há criação de empregos,
investimentos e arrecadação de impostos.
6) EXAME - Quais países conseguiram um
legado para o turismo com a Copa do Mundo?
Roland Bonadona - A Alemanha fez um belo trabalho.
Promoveu o destino e a ideia de que os alemães são acolhedores. A França também
soube impulsionar o turismo. De quebra, ambos conseguiram alavancar a
autoestima da população.
7) EXAME - O que ainda pode ser
feito?
Roland Bonadona - Agora o que resta é focar ações
de marketing digital em redes sociais, como YouTube e Facebook. Não é algo que
exige um investimento alto.
Fonte: http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/1063/noticias/no-turismo-o-brasil-ja-perdeu-a-copa (16ABR2014)
Quanto aos números, o
site UOL tem uma seção especial sobre a Copa, com notícias, histórico, fatos e dados. Aqui trago um resumo comparativo. Dos
estádios, todos estouraram o orçamento e a Arena Itaquerão foi capa da revista
Exame de maio de 2014.
Entenda os custos da Copa, o retorno previsto e de onde
vieram os gastos. Não foi apenas o governo federal que botou dinheiro na festa,
como está bem demonstrado.
Estádios
Reformados Custo
Inicial Custo final (Milhões de Reais)
Mané Garrincha 745 1.400
Maracanã 600 1.050
Mineirão 426 695
Fonte Nova 592 689
Castelão 518 623
Beira Rio 130 330
Arena da Baixada 184 326
Estádios
Construídos Custo
Inicial Custo final
Itaquerão 820 1.170
Arena Amazônia 515 669
Arena Pernambuco 529 532
Arena Pantanal 424 570
Arena das Dunas 350 400
Quanto
a FIFA ganha com a Copa: US$ 4 bilhões ou R$ 8,8 bilhões
Quanto
o Brasil investe: R$
28,1 bilhões
Financiamento federal: R$ 8,7 bi
Orçamento federal: R$
5,6 bi
Recursos privados: R$
6,5 bi
Recursos locais (estadual
e municipal): R$
7,3 bi
Impacto
previsto no Brasil: R$
16,8 bi – arrecadação de tributos
R$ 9,4 bi – turismo
R$ 5 bi
- consumo das famílias
380
mil empregos temporários
330
mil empregos permanentes
+
0,4% do PIB anual até 2019
Finalmente, veja
algumas informações conseguidas em uma pesquisa sobre as expectativas dos brasileiros com a Copa. É um material inédito e altamente técnico, coordenado pelo prof. Alexandre
Panosso (EACH-USP). Acesse:
As informações oficiais sobre o evento estão no Portal da Copa: http://www.copa2014.gov.br/
Então, vai ter Copa. Como
será? Saberemos tudo ao anoitecer do domingo, 13 de julho de 2014, quando tudo
terminar. Que os jogos comecem e que o Brasil saia dessa melhor do que entrou.
Merecemos a festa, a farra e a esbórnia. A pior coisa que pode acontecer para a malha de serviços turísticos e de hospitalidade brasileiros é melarmos a nossa Copa do mundo. Isso é burrice. Uns erros não justificam os outros erros.
Depois continuamos a protestar e a
exigir aquilo que entendemos ser ideal para nossa sociedade. Por hora, apesar
da bagunça, é torcer e curtir.
Pensemos. Que imagem gostaríamos que o Brasil tivesse ao final da nossa Copa do mundo? Que os jogos comecem.
Luiz Gonzaga Godoi Trigo
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