Desde 3 de junho há
protestos pelo país. O início foi a revolta pelo aumento das tarifas do transporte
público e contra o péssimo serviço oferecido por ônibus, trens e até por
metrôs.
Os políticos ignoraram,
a polícia reprimiu com a costumeira boçalidade, alguns fizeram muxoxo e
chamaram os manifestantes de baderneiros, esnobes ou nefelibatas. Então as
manifestações explodiram e tomaram as redes sociais, as ruas e a mídia, necessariamente
nessa ordem.
Manuel Castells é um
dos sociólogos que escreveu sobre os últimos movimentos sociais no mundo e
sua articulação pelas redes sociais. Em seu livro Comunicación y poder (Madrid: Alianza, 2009), ele analisa como a internet, o tweeter, as redes sociais em geral e os telefones celulares se
articulam com grupos e propostas políticas alternativas. Analisa também como
sentimentos e ideias comuns podem ser organizados em manifestações reais e
virtuais, listas digitais, grupos de ação e, em alguns casos, em ocupações contra
regimes totalitários ou crises profundas, como aconteceu no norte da África, Turquia, Síria, Espanha... Quando candidato à presidência dos EUA, Barack Obama aproveitou as possiblidades inovadoras do
mundo virtual, o que foi importante para garantir sua vitória, justamente junto
à população conectada e interessada em novas propostas. Agora, chegou a vez do nosso país.
No Brasil, o dia 17 de
junho de 2013 foi marcado por manifestações nas principais cidades: Porto
Alegre, Rio de Janeiro, Brasília, São Paulo, Belo Horizonte, Fortaleza, Vitória
e até em várias cidades dos Estados Unidos onde há comunidades significativas de
brasileiros. A maioria dos protestos foi pacífica.
Os motivos: o pontapé
inicial foi o aumento das tarifas de transporte público que catalisou as revoltas
e frustrações face às políticas públicas em geral. O serviço de transporte é
ruim, o trânsito piorou muito nos últimos anos, há poucos investimentos em
metrôs, trens e terminais confortáveis para atender a população. Some as
inúmeras carências em segurança pública, saúde, educação e planejamento urbano.
Adicione corrupção, cinismo, impunidade, mentiras, dubiedade jurídica,
atentados sistemáticos contra a ética, seja em âmbito público, privado ou no
terceiro setor. Cubra tudo com gastos absurdos para megaeventos internacionais.
O superfaturamento de projetos mescla-se com mau planejamento, atrasos no
cronograma das obras e uma clara sensação de que o famoso legado das Copas e
das Olimpíadas será muito pouco face ao que foi prometido e louvado há apenas
três ou quatro anos. Pior: o que já está pronto não oferece conforto,
seguranças e justificativa para os altos custos e atrasos.
Então, pouco e mal se
fez pelos megaeventos que, em si, seriam muito interessantes para o país. Por
outro lado, esses eventos deixarão poucos legados na infraestrutura e no setor
de serviços em geral. Mas bilhões foram gastos, sem transparência ou
justificativas razoáveis.
Sem contar o fantasma
da inflação que ressurge, os problemas econômicos que não são bem explicados, a
queda das ações de empresas como Petrobrás e as dúvidas sobre o modelo político
e econômico adotado no Brasil.
É um momento de ação e
reflexão. Mudanças são exigidas e necessárias. Em breve começará a troca de
acusações entre governo e oposição, partidos políticos tentarão capitalizar
ganhos, grupos de interesses (legítimos e turvos) darão declarações e acadêmicos
tentarão explicar essa primavera política outonal.
Em meio a uma Copa das
Confederações sediada no país, as pessoas se voltam para os problemas
nacionais, regionais e comunitários. É bom que o mundo veja como adoramos futebol,
mas não nos alienamos à problemática da construção social e dos desafios que
enfrentamos há séculos.
Quem tem medo do povo nas
ruas? Quem desgosta das denúncias e cobranças justificadas? Até quando o
cinismo e a impunidade dos poderosos estarão acima da ética e da justiça
social? É preciso que evoluamos rumo a novos patamares democráticos,
pluralistas e até mesmo libertários.
Há algo de podre nas
nossas sociedades. Há um mal estar muito grande no ar. Apesar dos avanços
sociais das últimas décadas, ainda resta muito a fazer. As classes dominantes
voltaram sua face para o povo e se fecharam em seus condomínios financeiros,
imobiliários e imaginários.
Agora essas
manifestações exigem saber as causas e efeitos, discutem pretensos dogmas
institucionais ou partidários. Dos vinte centavos da tarifa a uma ampla agenda
de reinvindicações, o movimento cresceu e pegou de surpresa os políticos, as
instituições diretivas, a mídia e a população em geral.
Querem mudanças. Querem
explicações. Querem respeito.
Então, termino com meu
xará, o Gonzaguinha:
É!
A gente não tem cara de panaca
A gente não tem jeito de babaca
A gente não está
Com a bunda exposta na janela
Prá passar a mão nela...
A gente não tem cara de panaca
A gente não tem jeito de babaca
A gente não está
Com a bunda exposta na janela
Prá passar a mão nela...
A gente quer viver pleno direito
A gente quer viver todo respeito
A gente quer viver uma nação
A gente quer é ser um cidadão
A gente quer viver uma nação...
Luiz Gonzaga Godoi
Trigo
Nenhum comentário:
Postar um comentário