sexta-feira, 1 de março de 2013

Viagens, meteoros e Papas




Os dois primeiros meses de 2013 foram ricos em novidades, experiências e algumas surpresas, umas agradáveis e outras nem tanto. Se o ano todo for nesse pique será dos mais excitantes e instigantes, além de divertidos. Vale comentar alguns dos eventos.

A viagem

Passei as férias na Espanha. É um país que eu curto por vários motivos: adoro a cultura, falo a língua, é desenvolvido (apesar da crise econômica), descolado, a comida é deliciosa, os vinhos inebriantemente saborosos e as artes estão em todos os lugares. Para mim os templos de consumo são as livrarias, os restaurantes e as catedrais repletas de tesouros artísticos. Gosto de andar por suas ruas que cortam cenários medievais ou pós-modernos, numa sucessão de sensações urbanas unidas por paisagens naturais de campos, praias, montanhas e vastidões selvagens que nos fazem ouvir os murmúrios encantadores da história. Adoro suas cidadelas fortificadas, muralhas, telhados monumentais e fachadas construídas com vaidade, competência e desejo de mostrar ao mundo o poderio de seus povos.
Nessa viagem terminei meu último livro, justamente sobre o sentido e o significado das viagens. Revi o texto, anteriormente já revisado por um amigo editor, o Marcos Marcionilo; agreguei algumas informações com base em leituras feitas na Espanha; ainda tive algumas dicas do amigo espanhol, Félix Tomillo, um senhor imerso na cultura clássica e apaixonado pelos estudos relacionados a viagens e turismo. O livro será publicado este ano. Posteriormente farei postagens contando os bastidores de seu longo processo (quatro anos) de tessitura e lapidação estilística. 

 A catedral de Girona, cidade onde passei o reveillon.

O céu que nos assusta

No dia 15 de fevereiro, era esperada a aproximação de um asteroide (batizado de 2012 DA14) que passaria muito perto da Terra. Ele resvalou por nosso planeta, chegando a 30 mil quilômetros de distância, no auge da aproximação em uma trajetória amplamente conhecida e divulgada pelos astrônomos. Porém, antes disso, um meteorito totalmente inesperado e desconhecido explodiu sobre os céus dos Montes Urais, na Rússia. Por ser bem menor, o bólido não foi previamente identificado e despedaçou-se na atmosfera, caindo como um raio no céu azul, ferindo mais de mil pessoas e causando prejuízos de uns 30 milhões de dólares. Mas, e se fosse um grande asteroide, como o que causou a extinção dos dinossauros há uns 65 milhões de anos, que estivesse em rota de colisão conosco, provavelmente não teríamos muito a fazer para evitar uma devastação global e o fim da civilização como conhecemos, talvez mesmo o fim da espécie humana e de outras espécies que conosco compartilham o planeta. Há um livro de Paul Bowles, cujo título O céu que nos protege (1949), remeteria a uma frase de Shakespeare sobre o céu que nos protege dos horrores e da frieza do universo desconhecido. Naquele dia de fevereiro o céu nos deu um sorriso irônico ao lembrar que a proteção existe, mas é frágil e delicada como o restante do planeta, quando comparado com a vastidão do universo e a imensidão das fornalhas nucleares estelares que formam as galáxias.  


O Papa e os corvos

A renúncia de Bento XVI, em plena época do carnaval brasileiro, não foi surpresa para quem acompanhava os desmandos, mentiras e ardis perpetrados por alguns cardeais, monsenhores e funcionários inescrupulosos do núcleo da igreja Católica, articulados e imersos em seus nichos de poder nos subterrâneos labirínticos da política Vaticana. Ao contrário do asteroide russo, não foi um raio no céu azul, mas o resultado de tempestades que se formavam no cenário diplomático, financeiro, moral e institucional da duplamente milenar Igreja Católica Apostólica Romana. A renúncia não foi apenas uma “demonstração de extrema humildade e desapego”, mas provavelmente uma resposta vigorosa de Josef Ratzinger  a uma quebra de confiança por parte de seus colaboradores mais próximos, na intimidade do Vaticano. O caso do mordomo Paolo Gabrieli, que vazou documentos pessoais e secretos para fora dos aposentos papais nunca ficou bem explicado. Os documentos implicados no escândalo Vatileaks, outro vazamento de fontes sigilosas, foi mais um duro golpe. A disputa entre os cardeais Tarcisio Bertone e Angelo Sodano, com seus respectivos grupos, ultrapassou os limites da decência e da ética e ganhou espaço na mídia global, inclusive a mais sensacionalista. Os escândalos financeiros envolvendo o IOR – Instituto das Obras da Religião, conhecido como o Banco do Vaticano, tem história desde a década de 1970, com o famigerado arcebispo Paul Marcinkus e seu grupo de banqueiros nefastos como Roberto Calvi e Michele Sindona. A morte do Papa João Paulo I (29 de setembro de 1978), apenas trinta e três dias após sua eleição suscitou comentários e acusações, principalmente porque ele tinha prometido intervir severamente no IOR. O livro de David Yallop, Em nome de Deus (1984), e o filme O poderoso chefão III (direção de Francis F. Coppola, 1990) insinuam o assassinato do Papa Albino Luciani. A sucessão de casos de pedofilia nos Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Irlanda e outros países e a proteção que vários desses criminosos tiveram de seus bispos, levaram a processos judiciais e ampla exposição na mídia, o que causou profundo desgaste para a Igreja e centenas de milhões de dólares em indenizações que causaram dificuldades para muitas dioceses. David Yallop comenta também os escândalos de alguns cardeais e altos funcionários do Vaticano, heteros e homossexuais, que organizariam festinhas privadas com muito sexo, bebidas e um elevado espírito dionisíaco nas dependências cristãs, pretensamente pulcras, castas e sóbrias. Jornais comentaram as pressões que os grupos gays do clero sofreriam (chantagens, ameaças) e, por sua vez, também provocariam, em uma chamada “máfia gay” da Igreja, preocupada em manter seus privilégios, poderes e jovens amantes, laicos ou religiosos. 


Há ainda as pressões do mundo laico para flexibilizar posturas históricas como o celibato clerical, o sacerdócio das mulheres e a autorização para uniões entre os mesmos sexos; o crescimento de outras religiões, inclusive as não institucionalizadas (new age, grupos místicos livres etc.); a mudança do poder econômico para países não-cristãos (Ásia, Oriente Médio, parte da África), o que acarretaria menos recursos para as igrejas cristãs. Tudo isso abalou profundamente Ratzinger, já idoso e com problemas de saúde. Restou a renúncia e a produção de um relatório confidencial de 300 páginas sobre os problemas, desmandos e segredos de uma das instituições mais antigas do mundo. Infelizmente esse relatório destinou-se apenas aos cardeais que participarão do Conclave, restando a nós especulações sobre seu conteúdo. Mas, se não for divulgado, é porque contém temas delicados para os fiéis. A história julgará se essa renúncia foi uma derrota silenciosa ou mais um golpe genial de um dos maiores intelectuais católicos contemporâneos para preservar a dignidade e a continuidade ética da Igreja Católica. Para os fiéis foi uma surpresa ou um choque. Para alguns fica a ideia de que nem o Papa Bento XVI, um rigoroso e competente intelectual alemão, aguentou a política secular, podre e nefasta da Cúria Romana. O espírito Santo terá trabalho extra no próximo conclave que se realiza nesta quaresma, com a Sé Vacante de Roma. Que a próxima fumaça branca traga as virtudes primordiais do cristianismo: fé, esperança e, especialmente, a caridade.


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