quinta-feira, 12 de junho de 2014

Copa do Mundo - Brasil, mostra a tua cara








Escrevo horas antes da Copa do Mundo, em São Paulo, um texto para ser lido também depois do megaevento.  É uma reflexão livre, leve e solta sobre os dias que vivemos tão intensamente. 

O Brasil realiza um sonho torto de aparecer perante a comunidade internacional, 29 anos após o fim de sua última ditadura militar (1964-1985). Festeja também o fim do quinto mandato presidencial dito “de esquerda” (FHC, Lula e Dilma), vive um ano de eleições majoritárias com coices a granel, e já se passou um ano das avassaladoras revoltas urbanas que sacudiram o povo, em junho de 2013. Também está no meio de divisões opinativas sobre a conveniência ou não de sediar a festa que é propriedade da FIFA, mas que todo mundo adora mostrar em seu território. A apoteose do futebol, do espetáculo midiático e do lucro (institucional, corporativo e político) rolará por um mês neste país tropical que possui desde o complexo de superioridade hiper-megalônamo até o complexo de vira-lata sarnento e vadio. Somos nacionalistas e globais, jecas e descolados, coxinhas e pimentinhas, putos e santos, simplistas e complexos, abusados e recatados, brutos e amáveis (ou seja, cordiais), sábios e estúpidos, espertos e otários... Só não sabemos diferenciar exatamente os momentos de sermos um ou outro. Assim como os outros povos do mundo, vivemos angústias e dúvidas entre o ser do sonho e o da existência crua, nua e bela.

A diferença é que somos imensos, seja no  território, na população, no bom humor ou na porra-louquice. Temos as nossas suscetibilidades e manias. Fazemos merda e mousse de chocolate com a mesma facilidade e desfaçatez. Vivemos em um mundo único e gigantesco, temos dificuldade de entender nossos próprios irmãos de cidadania, de língua e imaginário. São muitas culturas, expressões, taras, belezas, sabores e cores que vicejam em nossas férteis terras. Por isso que somos difíceis de entender. Os mexicanos, os russos, os hindus e os chineses bem sabem do que estamos falando, pois são igualmente múltiplos (sem contar os europeus, os islâmicos, os gringos e os paraguaios, igualmente estuporados). Somos complicados, mesmo. 

Por isso é ótimo termos os olhos estrangeiros sobre nós, assim imaginaremos o que eles pensam ao nosso respeito ou, pelo menos, o que pensamos que eles pensam. Isso nos leva a pensar sobre o que nós mesmos pensamos desta bagunça, deste esculacho que a gente tenta organizar segundo nossas crenças e tabus, dogmas e teimas. 

Esse monte de estrangeiros perambulando por nossas cidades, filmando, fotografando, postando, comentando, servirá de espelhos para as nossas consciências, as boas e as más. Miríades de olhos e lentes, ouvidos e microfones, opiniões e análises, piadas e elogios nos cercarão por todos os lados. Veremos a nós mesmos ante nossos olhos esbugalhados; refletidos na mente e nas mídias nacionais; e, o mais terrível, veremos a nós mesmos pelos olhos ferinos da mídia internacional, pela voz, imagem e textos alienígenas. 

Os antigos diziam que há males que vem para bem. A Copa é um bem e um mal. É um bem porque traz diversão, farra, exposição global, inovações e lucros. É um mal porque gera conflitos, turrices, exposição global, brigas e gastos mal feitos. Mas o ótimo e excelente é que ela nos traz uma reflexão crítica, pelo menos para os que não são absolutamente tacanhos ou boçais.

Quando o último jogo acabar e os visitantes estiverem voltando para suas casas, teremos então uma imagem mais real e colorida deste imenso país que nos encanta e irrita com suas coisas brazucas e brasilianas. Relembraremos os acertos e os erros, as coisas boas e os problemas; muita gente terá chiliques com alguns comentários e imagens do nosso jeito tão gostoso de ser. Vislumbraremos nas mídias, assim como em nossas memórias e consciências, um perfil mais detalhado e rico do Brasil. Gostaremos do que surgirá um mês após toda a logística, shows, articulações, jogos, achaques, crises e trabalhos insanos para garantir a Copa do Mundo de 2014? Teremos do que nos envergonhar pelas próximas décadas, algo mais trágico que a derrota histórica de 1950, em pleno Maracanã? Sobrarão mais júbilos ou mais ressentimentos? Prevalecerão as boas ou as más fés? Seremos hexa?

É impossível fazer previsões, resta-nos torcer para que o grande saldo seja positivo. As certezas é que conheceremos mais amplamente nossas caras e mentes, mais profundamente os nossos corações e anseios. Isso é bom. Logo depois haverá as eleições majoritárias. Os problemas estruturais continuarão dependendo de nossa vontade política e das ações de cidadania para se resolverem. Há sempre um país a construir, uma sociedade a melhorar e novos sonhos para viver. Por hora, a letra de Cazuza é oportuna e emblemática do momento histórico que vivenciamos:

“Brasil!
Mostra tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil!
Qual é o teu negócio?
O nome do teu sócio?
Confia em mim...”

Luiz Gonzaga Godoi Trigo, 2014













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