Escrevo horas antes da
Copa do Mundo, em São Paulo, um texto para ser lido também depois do
megaevento. É uma reflexão livre, leve e
solta sobre os dias que vivemos tão intensamente.
O Brasil realiza um
sonho torto de aparecer perante a comunidade internacional, 29 anos após o fim
de sua última ditadura militar (1964-1985). Festeja também o fim do quinto
mandato presidencial dito “de esquerda” (FHC, Lula e Dilma), vive um ano de
eleições majoritárias com coices a granel, e já se passou um ano das avassaladoras
revoltas urbanas que sacudiram o povo, em junho de 2013. Também está no meio de
divisões opinativas sobre a conveniência ou não de sediar a festa que é propriedade
da FIFA, mas que todo mundo adora mostrar em seu território. A apoteose do futebol,
do espetáculo midiático e do lucro (institucional, corporativo e político)
rolará por um mês neste país tropical que possui desde o complexo de
superioridade hiper-megalônamo até o complexo de vira-lata sarnento e vadio.
Somos nacionalistas e globais, jecas e descolados, coxinhas e pimentinhas,
putos e santos, simplistas e complexos, abusados e recatados, brutos e amáveis
(ou seja, cordiais), sábios e estúpidos, espertos e otários... Só não sabemos
diferenciar exatamente os momentos de sermos um ou outro. Assim como os outros
povos do mundo, vivemos angústias e dúvidas entre o ser do sonho e o da
existência crua, nua e bela.
A diferença é que somos
imensos, seja no território, na
população, no bom humor ou na porra-louquice. Temos as nossas suscetibilidades
e manias. Fazemos merda e mousse de chocolate com a mesma facilidade e
desfaçatez. Vivemos em um mundo único e gigantesco, temos dificuldade de
entender nossos próprios irmãos de cidadania, de língua e imaginário. São
muitas culturas, expressões, taras, belezas, sabores e cores que vicejam em
nossas férteis terras. Por isso que somos difíceis de entender. Os mexicanos,
os russos, os hindus e os chineses bem sabem do que estamos falando, pois são
igualmente múltiplos (sem contar os europeus, os islâmicos, os gringos e os
paraguaios, igualmente estuporados). Somos complicados, mesmo.
Por isso é ótimo termos
os olhos estrangeiros sobre nós, assim imaginaremos o que eles pensam ao nosso
respeito ou, pelo menos, o que pensamos que eles pensam. Isso nos leva a pensar
sobre o que nós mesmos pensamos desta bagunça, deste esculacho que a gente
tenta organizar segundo nossas crenças e tabus, dogmas e teimas.
Esse monte de
estrangeiros perambulando por nossas cidades, filmando, fotografando, postando,
comentando, servirá de espelhos para as nossas consciências, as boas e as más.
Miríades de olhos e lentes, ouvidos e microfones, opiniões e análises, piadas e
elogios nos cercarão por todos os lados. Veremos a nós mesmos ante nossos olhos
esbugalhados; refletidos na mente e nas mídias nacionais; e, o mais terrível,
veremos a nós mesmos pelos olhos ferinos da mídia internacional, pela voz,
imagem e textos alienígenas.
Os antigos diziam que
há males que vem para bem. A Copa é um bem e um mal. É um bem porque traz
diversão, farra, exposição global, inovações e lucros. É um mal porque gera
conflitos, turrices, exposição global, brigas e gastos mal feitos. Mas o ótimo
e excelente é que ela nos traz uma reflexão crítica, pelo menos para os que não
são absolutamente tacanhos ou boçais.
Quando o último jogo
acabar e os visitantes estiverem voltando para suas casas, teremos então uma
imagem mais real e colorida deste imenso país que nos encanta e irrita com suas
coisas brazucas e brasilianas. Relembraremos os acertos e os erros, as coisas
boas e os problemas; muita gente terá chiliques com alguns comentários e
imagens do nosso jeito tão gostoso de ser. Vislumbraremos nas mídias, assim
como em nossas memórias e consciências, um perfil mais detalhado e rico do
Brasil. Gostaremos do que surgirá um mês após toda a logística, shows,
articulações, jogos, achaques, crises e trabalhos insanos para garantir a Copa
do Mundo de 2014? Teremos do que nos envergonhar pelas próximas décadas, algo
mais trágico que a derrota histórica de 1950, em pleno Maracanã? Sobrarão mais
júbilos ou mais ressentimentos? Prevalecerão as boas ou as más fés? Seremos
hexa?
É impossível fazer
previsões, resta-nos torcer para que o grande saldo seja positivo. As certezas é
que conheceremos mais amplamente nossas caras e mentes, mais profundamente os
nossos corações e anseios. Isso é bom. Logo depois haverá as eleições
majoritárias. Os problemas estruturais continuarão dependendo de nossa vontade
política e das ações de cidadania para se resolverem. Há sempre um país a
construir, uma sociedade a melhorar e novos sonhos para viver. Por hora, a
letra de Cazuza é oportuna e emblemática do momento histórico que vivenciamos:
“Brasil!
Mostra
tua cara
Quero
ver quem paga
Pra
gente ficar assim
Brasil!
Qual é o teu negócio?
Qual é o teu negócio?
O
nome do teu sócio?
Confia
em mim...”
Luiz Gonzaga Godoi
Trigo, 2014
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