segunda-feira, 7 de julho de 2014

Copa do Mundo - Sucesso nacional e quase no final



Desde 12 de junho deste ano, 32 seleções e centenas de milhares de estrangeiros vieram para o Brasil participar da Copa do Mundo. Agora, às vésperas das semifinais entre os quatro grandes do futebol mundial (Brasil, Alemanha, Argentina e Holanda), dá para analisar razoavelmente como se desenvolve o megaevento. Lembro que publiquei neste blog, em 12 de junho, algumas reflexões sobre como nos veríamos após os torneios. Ainda não chegamos ao final, mas entendo que o Brasil se posiciona como um vencedor, ganhando ou não o primeiro lugar. 

Quanto aos números da Copa, estatísticas gerais estão no site da FIFA:

 


A ótima constatação é que o Brasil sai fortalecido e com uma imagem muito melhor daquela que antecedeu a Copa. Antes, o clima era de um país à beira de um colapso geral: atrasos nas obras, denúncias de superfaturamento, protestos de rua (iniciados em junho de 2013 e que evoluíram para críticas contra o evento), o clima de incerteza econômica gerado por interpretações dúbias sobre o cenário nacional, o início atribulado das campanhas para as eleições majoritárias, tudo isso incentivado pelas atitudes e pensamentos pessimistas gerados pela oposição e seus simpatizantes. A mídia, as redes sociais e parte da opinião pública anteviam o  caos e o governo não deu conta de reverter a percepção da população. Então os jogos começaram e, apesar de pequenos e localizados problemas, tudo funcionou bem, com os estrangeiros se sentindo em casa no tépido inverno brasileiro e os nacionais relaxando e festando. Pouquíssimos dias após o início da festa a imprensa internacional se perguntava sobre os motivos de tanto pessimismo e má vontade dos brasileiros para com seu próprio país, já que a percepção era de bem estar, normalidade e curtição. 


Os incidentes foram poucos, como aqueles causados por parte da classe média nos estádios que ofereceu laivos de boçalidade. O xingamento da presidenta da República no jogo de abertura, por exemplo, foi péssimo. Uma vaia seria tolerável, algo até normal nesses eventos esportivos, mas as ofensas explícitas, cantadas e mostradas ao mundo pelas TVs, mostraram a falta de bom senso. O mesmo aconteceu quando alguns vaiaram o hino do Chile. Ambos os fatos são exemplos de ausência de fair play e de sensibilidade cidadã, mas isso foi de menos e se perdeu no glamour da festa como um todo.

A torcida contra a seleção brasileira ou contra a própria Copa foi outra bobagem que tomou conta de uma minoria barulhenta, rapidamente diluída quando a bola rolou pelos gramados das doze sedes do Mundial. Meu colega da EACH-USP, Wagner Iglecias, professor de Gestão de Políticas Públicas, inseriu o problema no devido contexto:

“Parece-me uma tremenda bobagem torcer contra o Brasil na Copa por conta de motivos eleitoreiros. O povo brasileiro sabe separar muito bem o sucesso ou o fracasso dentro dos gramados daquilo que está em jogo na eleição, de fato muito mais importante para a vida de todos. Vejamos:

1994 - Brasil campeão - Eleito FHC, candidato governista
1998 - Brasil perdeu a Copa - Reeleito FHC, candidato governista
2002 - Brasil campeão - Eleito Lula, candidato da oposição
2006 - Brasil perdeu a Copa - Reeleito Lula, candidato governista
2010 - Brasil perdeu a Copa - Eleita Dilma, candidata governista

Mesmo sendo uma Copa no Brasil, o que mais poderia impactar a eleição seria o sucesso ou o fracasso na organização do evento, e não os gols feitos ou sofridos pela equipe de Felipão, Neymar e companhia.”

Wagner Iglecias, facebook,04/07/2014.

Ele entendeu plenamente a questão. O que poderia realmente acabar com a imagem do Brasil seria o caos instalado nos aeroportos, nas vias de acesso ou nos hotéis, um acidente aéreo de grandes proporções, tumultos incontroláveis nas ruas, colapso de energia ou comunicações, incidentes com mortos e feridos em estádios ou espaços públicos. 


 A queda do viaduto em Belo Horizonte teve pouco impacto na mídia, devido aos poucos mortos e feridos e porque obviamente foi responsabilidade da empreiteira e da prefeitura da cidade. O fato inseriu-se na longa lista de desastres provocados pela imperícia, relaxo, corrupção e descaso que envolve construtoras e o poder público no país. A construção de edificações, segundo a Previdência Social, é o segundo setor com o maior número de mortes em acidentes do trabalho no país, perdendo apenas para área de Transporte Rodoviário de Carga. A triste história dos desastres é tão antiga que gerou uma música satírica no início da década de 1970:

Cai cai , cai cai outra construção civil
realmente ninguém segura a arquitetura do Brasil.
cai, cai tudo que se constrói da tampa da caneleira, à ponte Niterói
cai até o elevado do doutor Paulo Frontein
cai o teto do mercado é a moral de quem não tem.

Demolição. Juca Chaves, década de 1970.


Basta ver os acidentes ocorridos nos estádios, como a queda da grua na Arena Corinthians (acima), felizmente terminada a tempo dos jogos.

Mas o que ajudou a mudar o clima geral do país, para os visitantes? Várias pesquisas mostraram o que os estrangeiros mais adoraram no Brasil: alegria e hospitalidade das pessoas, praias, clima, comida e pontos turísticos, necessariamente nessa ordem. E o que mais renegaram: preços altos, desigualdade social e trânsito infernal. Sendo assim, sou obrigado a reconhecer aquele lema que eu considerava demagógico, mas tem lá a sua validade: o melhor do Brasil são @s brasileir@s, como já dizia Câmara Cascudo. Gostam da gente e isso é reconfortante para o ego coletivo.

Rapidamente o tesão foi vencendo a amargura e a oposição venal teve que se calar face aos fatos e festas.  




Os protestos das ruas resvalaram para a violência irracional e, ao meu entender, injustificável. Ao atacarem bancos, concessionárias de carros, equipamento público urbano (lixeiras, postes de sinalização...), atrapalharem o trânsito já caótico e incentivar, por outro lado, a violência policial contra os manifestantes e até mesmo contra aos que tinham ido pacificamente protestar, os extremistas afastaram a população das ruas. Em São Paulo, uma das manifestações tentou se aproximar da Arena Corinthians (antes do início da Copa) e foi devidamente afastada por membros das torcidas organizadas do clube. Não entenderam que o espaço e o tempo sagrados do futebol tem limites que precisam ser respeitados não apenas pelos crentes e devotos, mas pela sociedade em geral. 

Não sou especialista em futebol, mas analistas elogiaram o nível técnico das partidas, o número de gols nas fases iniciais, a garra e disposição dos jogadores. Alguns jornalistas entenderam que essa está sendo uma das melhores copas de todos os tempos, graças aos desempenhos e o clima livre, leve e solto.

A arbitragem foi criticada em vários momentos e alguns incidentes em campo mancharam a beleza do esporte. O caso de Neymar, atacado brutalmente no jogo contra a Colômbia é um exemplo de covardia e tacanhice. Um jogador mediano, desconhecido e sem grande coisa a perder, atacou violentamente por trás o astro, em uma jogada que poderia ser ainda mais grave. Neymar saiu de campo e da Copa. A mídia e as redes sociais reverberaram o fato, desde ao explorar a emotividade até a fazer críticas mesquinhas. Um comentário no facebook tentava minimizar o fato dele sair da competição porque é milionário, jovem, tem uma bela namorada, foi de helicóptero para casa e é queridinho nacional. Típico gol contra, causado por ressentimento. Se ele ganha muito, é por causa da lógica do sistema no qual se insere como um dos seus mais competentes e lúcidos atores. O que não se analisou é que não importa o quanto rico e famoso ele seja, o seu grau de frustração é imenso porque sua saída da Copa foi motivada por uma atitude covarde, rasteira e traiçoeira. É o típico exemplo citado por Nietzsche em suas obras (O anticristo, Genealogia da moral) sobre o que é ser ruim, baixo, mesquinho, como foi o agressor colombiano. Mas são os riscos de um esporte que, no passado, era ainda mais violento. 


A polícia brasileira pegou a FIFA com a boca na botija. O caso dos ingressos desviados e comercializados no mercado clandestino mostrou as ações dúbias e duramente criticadas do autoritarismo da entidade, sem contar as suspeitas de corrupção. Resta ver se os inquéritos darão resultados, pois isso depende da colaboração da entidade, que não tem um histórico edificante. As denúncias globais contra a FIFA explodiram no dia 1º de julho de 2014, no jornal britânico Sunday Times, por causa da eleição do Qatar para a Copa de 2022. Depois o assunto foi capa da revista The Economist.  O todo poderoso presidente Joseph Blatter, 78 anos, paira solene sobre as denúncias, que são bem antigas. O uruguaio Eduardo Galeano, em seu livro Futebol ao sol e à sombra (Porto Alegre: L&PM, 2013), mostra os desmandos desde a gestão do brasileiro João Havelange, sétimo presidente da FIFA, de 1974 a 1998, precedido no cargo por Sir Stanley Rous e sucedido por Joseph Blatter. De 1963 a 2011, João Havelange foi membro do Comitê Olímpico Internacional. Em 1998, ele foi eleito Presidente de Honra da FIFA. Galeano mostra as relações perigosas entre a FIFA e empresas como Adidas, Coca-Cola e o Comitê Olímpico Internacional (COI), sempre aliado tácito dos negócios esportivos que também envolvem a FIFA. Os tentáculos de Havelange se estendem ao futebol brasileiro, tendo indicado seu genro, Ricardo Teixeira, para presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF0, de 1989 à 2012, quando foi afastado por suspeita de corrupção. O caso está bem descrito no recente livro O lado sujo do futebol (Editora Planeta, 2014), de Amaury Ribeiro Jr., Leandro Cipolini, Luiz carlos Azenha e Tony Chastinet.  

É nesse clima internacional de festas, suspeitas, glamour, denúncias de corrupção, vitórias e derrotas dramáticas, que se desenvolve a Copa brasileira, sob o sol e as chuvas tropicais, em um país imenso, complexo, colorido, alegre e violento. 


Após a Copa restarão os comentários, elogios, críticas, outras denúncias e a erupção dos debates para as eleições majoritárias. O segundo semestre promete novas emoções e a continuação dos conflitos entre os “apocalípticos e os integrados” do país do futebol.

Assisti a dois jogos ao vivo, um no Mineirão (Colômbia e Grécia) e outro na Arena Corinthians (Bélgica e Coréia do Sul) e vários jogos pela TV. Sem ser um aficionado fanático pelo futebol curto a festa e fico feliz pelo Brasil ter sediado a Copa. Foi importante para o turismo e a hospitalidade nacionais, ter sediado os jogos. Os setores de viagens e turismo, gastronomia, lazer, transportes, eventos, esportes, cultura, artes e comunicações foram alguns dos mais beneficiados com o evento, como serão com as Olimpíadas, no Rio de Janeiro. O Brasil recebeu um fluxo intenso e de alto astral com os contatos internacionais, as trocas comerciais, relações humanas, divulgação midiática intensa e pode mostrar o que tem de melhor, assim como o que precisa ser aprimorado.


Que os jogos terminem em festa, em paz e coroados de emoções. Que vençam os melhores (que seja o Brasil, claro) e que  país se reconheça cada vez mais nesse multifacetado espelho real e virtual das festas globais.   

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