Os dois primeiros meses
de 2013 foram ricos em novidades, experiências e algumas surpresas, umas
agradáveis e outras nem tanto. Se o ano todo for nesse pique será dos mais
excitantes e instigantes, além de divertidos. Vale comentar alguns dos eventos.
A
viagem
Passei as férias na
Espanha. É um país que eu curto por vários motivos: adoro a cultura, falo a
língua, é desenvolvido (apesar da crise econômica), descolado, a comida é
deliciosa, os vinhos inebriantemente saborosos e as artes estão em todos os
lugares. Para mim os templos de consumo são as livrarias, os restaurantes e as
catedrais repletas de tesouros artísticos. Gosto de andar por suas ruas que
cortam cenários medievais ou pós-modernos, numa sucessão de sensações urbanas
unidas por paisagens naturais de campos, praias, montanhas e vastidões selvagens
que nos fazem ouvir os murmúrios encantadores da história. Adoro suas cidadelas
fortificadas, muralhas, telhados monumentais e fachadas construídas com
vaidade, competência e desejo de mostrar ao mundo o poderio de seus povos.
Nessa viagem terminei
meu último livro, justamente sobre o sentido e o significado das viagens. Revi o
texto, anteriormente já revisado por um amigo editor, o Marcos Marcionilo;
agreguei algumas informações com base em leituras feitas na Espanha; ainda tive
algumas dicas do amigo espanhol, Félix Tomillo, um senhor imerso na cultura
clássica e apaixonado pelos estudos relacionados a viagens e turismo. O livro
será publicado este ano. Posteriormente farei postagens contando os bastidores
de seu longo processo (quatro anos) de tessitura e lapidação estilística.
A catedral de Girona, cidade onde passei o reveillon.
O
céu que nos assusta
No dia 15 de fevereiro,
era esperada a aproximação de um asteroide (batizado de 2012 DA14) que passaria
muito perto da Terra. Ele resvalou por nosso planeta, chegando a 30 mil
quilômetros de distância, no auge da aproximação em uma trajetória amplamente
conhecida e divulgada pelos astrônomos. Porém, antes disso, um meteorito
totalmente inesperado e desconhecido explodiu sobre os céus dos Montes Urais, na
Rússia. Por ser bem menor, o bólido não foi previamente identificado e
despedaçou-se na atmosfera, caindo como um raio no céu azul, ferindo mais de mil
pessoas e causando prejuízos de uns 30 milhões de dólares. Mas, e se fosse um
grande asteroide, como o que causou a extinção dos dinossauros há uns 65
milhões de anos, que estivesse em rota de colisão conosco, provavelmente não teríamos
muito a fazer para evitar uma devastação global e o fim da civilização como
conhecemos, talvez mesmo o fim da espécie humana e de outras espécies que
conosco compartilham o planeta. Há um livro de Paul Bowles, cujo título O céu que nos protege (1949), remeteria
a uma frase de Shakespeare sobre o céu que nos protege dos horrores e da frieza
do universo desconhecido. Naquele dia de fevereiro o céu nos deu um sorriso
irônico ao lembrar que a proteção existe, mas é frágil e delicada como o
restante do planeta, quando comparado com a vastidão do universo e a imensidão das
fornalhas nucleares estelares que formam as galáxias.
O
Papa e os corvos
A renúncia de Bento
XVI, em plena época do carnaval brasileiro, não foi surpresa para quem
acompanhava os desmandos, mentiras e ardis perpetrados por alguns cardeais,
monsenhores e funcionários inescrupulosos do núcleo da igreja
Católica, articulados e imersos em seus nichos de poder nos subterrâneos labirínticos
da política Vaticana. Ao contrário do asteroide russo, não foi um raio no céu azul,
mas o resultado de tempestades que se formavam no cenário diplomático,
financeiro, moral e institucional da duplamente milenar Igreja Católica
Apostólica Romana. A renúncia não foi apenas uma “demonstração de extrema
humildade e desapego”, mas provavelmente uma resposta vigorosa de Josef
Ratzinger a uma quebra de confiança por
parte de seus colaboradores mais próximos, na intimidade do Vaticano. O caso do mordomo Paolo
Gabrieli, que vazou documentos pessoais e secretos para fora dos aposentos
papais nunca ficou bem explicado. Os documentos implicados no escândalo
Vatileaks, outro vazamento de fontes sigilosas, foi mais um duro golpe. A disputa entre
os cardeais Tarcisio Bertone e Angelo Sodano, com seus respectivos grupos,
ultrapassou os limites da decência e da ética e ganhou espaço na mídia global,
inclusive a mais sensacionalista. Os escândalos financeiros envolvendo o IOR –
Instituto das Obras da Religião, conhecido como o Banco do Vaticano, tem
história desde a década de 1970, com o famigerado arcebispo Paul Marcinkus e
seu grupo de banqueiros nefastos como Roberto Calvi e Michele Sindona. A
morte do Papa João Paulo I (29 de setembro de 1978), apenas trinta e três dias
após sua eleição suscitou comentários e acusações, principalmente porque ele
tinha prometido intervir severamente no IOR. O livro de David Yallop, Em nome de Deus (1984), e o filme O poderoso chefão III (direção de Francis
F. Coppola, 1990) insinuam o assassinato do Papa Albino Luciani. A sucessão de
casos de pedofilia nos Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Irlanda e outros
países e a proteção que vários desses criminosos tiveram de seus bispos,
levaram a processos judiciais e ampla exposição na mídia, o que causou profundo
desgaste para a Igreja e centenas de milhões de dólares em indenizações que
causaram dificuldades para muitas dioceses. David Yallop comenta também os
escândalos de alguns cardeais e altos funcionários do Vaticano, heteros e
homossexuais, que organizariam festinhas privadas com muito sexo, bebidas e um
elevado espírito dionisíaco nas dependências cristãs, pretensamente pulcras,
castas e sóbrias. Jornais comentaram as pressões que os grupos gays do clero
sofreriam (chantagens, ameaças) e, por sua vez, também provocariam, em uma
chamada “máfia gay” da Igreja, preocupada em manter seus privilégios, poderes e
jovens amantes, laicos ou religiosos.
Há ainda as pressões do mundo laico para
flexibilizar posturas históricas como o celibato clerical, o sacerdócio das
mulheres e a autorização para uniões entre os mesmos sexos; o crescimento de
outras religiões, inclusive as não institucionalizadas (new age, grupos místicos livres etc.); a mudança do poder econômico
para países não-cristãos (Ásia, Oriente Médio, parte da África), o que acarretaria
menos recursos para as igrejas cristãs. Tudo isso abalou profundamente
Ratzinger, já idoso e com problemas de saúde. Restou a renúncia e a produção de
um relatório confidencial de 300 páginas sobre os problemas, desmandos e segredos
de uma das instituições mais antigas do mundo. Infelizmente esse relatório destinou-se apenas aos cardeais que participarão do Conclave, restando a nós especulações sobre seu conteúdo. Mas, se não for divulgado, é porque contém temas delicados para os fiéis. A história julgará se essa
renúncia foi uma derrota silenciosa ou mais um golpe genial de um dos maiores
intelectuais católicos contemporâneos para preservar a dignidade e a continuidade
ética da Igreja Católica. Para os fiéis foi uma surpresa ou um choque. Para
alguns fica a ideia de que nem o Papa Bento XVI, um rigoroso e competente
intelectual alemão, aguentou a política secular, podre e nefasta da Cúria
Romana. O espírito Santo terá trabalho extra no próximo conclave que se realiza
nesta quaresma, com a Sé Vacante de Roma. Que a próxima fumaça branca traga as
virtudes primordiais do cristianismo: fé, esperança e, especialmente, a
caridade.
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