Hoje, terça-feira, Israel lembra os seis milhões de mortos do Holocausto causado pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial em meio a uma polêmica causada pelo presidente iraniano que, de forma estúpida e inconsequente, almeja ignorar a História. Todos os holocaustos são terríveis e envergonham a humanidade. Não podemos ignorá-los. Não podemos nos calar e deixar um canalha atentar contra os fatos que deixaram, até hoje, cicatrizes terríveis no mundo do pós-guerra.
Para lembrar os judeus e pessoas de todas as raças e religiões mortas em massacres pelo mundo, transcrevo um texto que escrevi em Munique, Alemanha, no dia 25 de novembro de 2006, após visitar o campo de Dachau.
Passei o dia em Dachau. Nada do que a nossa espécie possa se orgulhar. O campo é a implantação de uma doentia geometria tanatalógica, como bem percebeu o arquiteto que construiu a Igreja Evangélica da Reconciliação, aparentemente uma obra fria, em concreto e vidro, construída em um buraco artificial em um dos lados do campo para tentar purgar a omissão dos protestantes durante a psicose coletiva perpetrada pelo nazismo. Há também o mosteiro das carmelitas, fora do perímetro do campo mas e ele ligado pela trilha que vai da Capela do Cristo em Agonia (algo assim) até a sua discreta propriedade. Após visitar o campo, imenso e tomado pelo silêncio dos visitantes, entrei na capela católica carmelita para me refugiar. Enquanto meditava e rezava, sózinho, alguém do outro lado da tela divisória do claustro, certamente uma freira, entoou uma canção em uma flauta. Apenas a música. Não há o que dizer ou escrever sobre Dachau. Ou sobre Sobibor. Ou sobre Hiroshima e Nagasaki. Ou sobre Dresden. Ou sobre o World Trade Center. Ou sobre as mortes anônimas nas favelas dos países pobres. São todos horrores, mas diferentes entre si, Hannah Arendt já afirmou algo assim. O horror do Holocausto foi cristão. Branco. Ariano. Europeu. Cientifico. Irônico. Fundamentado na propaganda e na metodologia do pragmatismo político levado às suas últimas consequencias em nome do povo alemão e "ariano".
Era um dia outonal e o campo se mostrava - e não importa a estação do ano, a sensação seria a mesma - vazio. Há uma ausência em Dachau. Falta a natureza, meramente representada pela fileira de álamos entre o conjunto de galpões inexistentes e pelo bosque ao lado do crematório. No campo falta a natureza. E a cultura. Dachau (e todos os lugares de tortura e morte do planeta) é a destruição programada do humanismo. Ali senti constrangimento por ser humano. Não foi a primeira vez, infelizmente, pois venho de um continente pobre e sofrido. Os campos de concentração nazista foram grande ofensa ao humanismo porque existiram de forma cruelmente planejada para eliminar fisicamente o pluralismo que forma os alicerces de uma sociedade democrática: judeus, comunistas, social-democratas, cristãos inconvenientes, homossexuais, ciganos, eslavos e seres anti-sociais (seja o que a psicose nacional-socialista entendesse por isso).
Os responsáveis pelo memorial de Dachau acertaram em deixar amplos espaços vazios, como ficou vazio o terreno onde se ergueu a sede da Gestapo em Berlim. Como quase nada existe nas praias da Normandia onde aconteceu o desembarque dos aliados. Esses campos da morte só permitem a presença, assim mesmo discreta, quase que envergonhada, de templos religiosos, e assim mesmo em suas laterais, no espaço subliminar do terreno. O vazio representa nossas dúvidas, contradições e paradoxos. Mas pode ser também, talvez, nossas esperanças.
Termino com as palavras de Zvi Kolitz, em Yossel Rakover dirige-se a Deus (São Paulo: Perspectiva, 2003, p. 26):
Morro calmamente mas não apaziguado, não satisfeito; vencido, batido, mas não escravo; amargo, mas não decepcionado. Como credor e como crente mas não como devedor e pedinte, não suplicando nem orando. Amoroso de Deus mas sem dizer-Lhe cegamente "Amém" a tudo o que ele faz.
Ai. Ai. Não lembrava da sua passagem por Dachau.
ResponderExcluirComo você deve imaginar, não consigo comentar estes assuntos...
Bjs
Andréa K.