quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Qualidade em serviços - História, conceitos e reflexões (6/9)


Texto: Luiz Gonzaga Godoi Trigo, 2015


O tratamento científico da qualidade industrial II – 
Os processos estatísticos de W. Shewhart


O início do século 20 foi marcado pela inclusão de “processos” nas práticas de qualidade. Um processo, de acordo com a American Society of Quality, é definido como sendo um grupo de atividades que partem de uma base inicial ou input (matéria-prima, projeto etc.), adicionam valores a ela e chegam a um resultado concreto (output). Um exemplo é o trabalho de um chefe de cozinha que com uma pilha de ingredientes elabora um processo para transformá-los em um prato ou uma refeição completa.

Um dos colaboradores principais dos processos de qualidade foi o estatístico Walter Shewhart, dos laboratórios Bell, nos Estados Unidos. Em meados da década de 1920 ele iniciou uma série de pesquisas direcionadas a processos controlados na indústria. Com isso, a relevância da qualidade não se restringia apenas ao produto acabado, mas aos processos que possibilitavam a criação desse produto. Foi um passo a frente do trabalho de Taylor. Shewhart reconheceu que os processos industriais envolvem dados objetivos. Por exemplo, em um processo industrial na metalurgia, onde o metal é cortado em chapas, são necessárias certas medidas precisas como o comprimento, largura e espessura exigidas para cada chapa. Shewhart determinou que esses dados seriam analisados por técnicas estatísticas para acompanhar como cada processo de fabricação é estável e controlado, ou seja, se as medidas exigidas no projeto são as medidas efetivamente produzidas. Se houver algum erro há que se determinar se as causas são inerentes ao processo ou externas a ele. Shewhart lançou os fundamentos das tabelas de qualidade muito utilizadas na indústria. Seu método é conhecido por Statistical Quality Control ou SQC (Controle Estatístico de Qualidade).



No dia 16 de maio de 1924, Shewhart enviou um memorando para seu pessoal na Bell Telephone Laboratories onde esquematizava o que é hoje uma moderna tabela de controle de qualidade. Ele continuou a aprofundar suas pesquisas e, em 1931, publicou um livro sobre controle estatístico de qualidade intitulado Economic Control of Quality Manufactured Product, através da editora Van Nostrand, de Nova Iorque. Dois outros estatísticos dos laboratórios Bell, H. F. Dodge e H. G. Romig, foram pioneiros em aplicar a teoria estatística na inspeção das linhas de montagem. As pesquisas desses três estatísticos influenciaram fortemente as atuais teorias sobre controle estatístico de qualidade.


Curiosidade: A ciência do controle estatístico de qualidade é relativamente nova. A própria estatística possui dois ou três séculos e suas grandes contribuições ocorreram apenas no século 20. Suas primeiras aplicações foram nos campos da astronomia e na física, e nas ciências sociais e biológicas. Foi somente na década de 1920 que ela começou a ser aplicada em controle de qualidade industrial.


A importância da guerra no controle de padrões de qualidade

A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) foi fundamental para expandir as exigências da qualidade industrial nos Estados Unidos e posteriormente disseminá-los pelo mundo do pós-guerra, especialmente no na Europa e no Japão, e daí para outros países da Ásia.

Os EUA entraram na guerra em dezembro de 1941, logo após o ataque japonês à base naval de Pearl Harbour, no Havaí. A declaração de guerra originou decretos legislativos para orientar a economia civil do país a atender as exigências militares. Naquela época os contratos militares preocupavam-se primordialmente com os custos mais baixos que as empresas ofereciam para atender seus contratos. O esforço de guerra foi formidável. Os EUA e seus aliados na Europa enfrentavam as poderosíssimas máquinas de guerra da Alemanha e Japão e os primeiros anos foram de incerteza perante o poder militar do denominado Eixo (Alemanha, Itália e Japão). Era preciso planejar, fabricar, despachar e distribuir armas e munições, veículos terrestres navais e aéreos, roupas, suprimentos alimentares, remédios e equipamentos médicos, calçados e equipamentos de comunicação. Sem contar as peças de reposição, material de escritório, atendimento ao pessoal de apoio (médicos, enfermeiros, jornalistas, engenheiros, mecânicos etc.) e sistemas logísticos altamente complexos. Não poderia haver muitas falhas ou carências, pois isso significaria a derrota militar dos aliados (Estados Unidos, Reino Unido, França e ex-União Soviética) e o domínio do mundo pelo totalitarismo nazista alemão e pelo totalitarismo nipônico.

Durante o período da guerra o controle de qualidade tornou-se importante devido às exigências de segurança e precisão. Falhas e erros eram inaceitáveis porque significavam comprometimento da segurança das tropas. As forças armadas inspecionavam virtualmente cada unidade produzida para assegurar sua segurança operacional. Essa prática exigia um número muito grande de inspetores, o que causava problemas de recrutamento e treinamento de pessoal especializado em inspeção e controle. Para solucionar esse desafio, sem comprometer a segurança dos produtos, as forças armadas começaram a usar amostragem aleatória na inspeção para substituir a prática de analisar todos os produtos. Várias indústrias ajudaram a organizar um método que possibilitasse um controle por amostragem confiável, inclusive os laboratórios Bell. Eles adaptaram tabelas de amostragem de qualidade industrial e as publicaram em formatos destinados às necessidades militares. Essas tabelas receberam a denominação Mil-Std-105.


Conheça mais: As forças armadas norte-americanas possuem uma série de tabelas e procedimentos para controle de qualidade em usos militares. Uma boa parte desses procedimentos baseia-se no Controle Estatístico de Qualidade (SQC, em inglês). No site www.sqconline.com essas tabelas militares podem ser acessadas (on line) para fazer controle de amostragem de diferentes produtos, inclusive civis. É um procedimento técnico que exige conhecimento prévio dos parâmetros estatísticos e engenhariais de qualidade.

A tabela militar clássica norte-americana denominava-se MIL-STD-105. Posteriormente foi denominada MIL-STD-105E e finalmente, em fevereiro de 1995, foi cancelada e substituída pela tabela geral ANSI/ASQC Z1.4-1993.

ANSI significa American National Standards Institute (www.ansi.org). É uma instituição norte-americana privada sem fins lucrativos. Foi criada em 1918, com o apoio das associações nacionais de engenheiros civis, elétricos mecânicos, de minas e metalurgia e dos materiais de teste de resistência, além dos departamentos de Guerra e Naval dos Estados Unidos (hoje Defesa) e do Comércio. Para acessar cursos básicos grátis (em inglês) sobre padrões acesse www.standardslearn.org .

No Brasil existe a ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas (www.abnt.org.br), criada em 1940 e que é responsável pela padronização de normas no país.

No mundo há três organismos internacionais que respondem pelos principais padrões estabelecidos:

ISOInternational Organziation for Standardization (Organização Internacional de Normalização) – Criada em 1947, em Genebra, Suíça, é uma entidade que aglomera os grêmios de padronização e normalização de 158 países. No Brasil é representada pela ABNT, nos Estados Unidos pela ANSI e na Alemanha pela DIN (www.din.de).

IECInternational Electrotechnical Commission (Comissão Internacional de Eletrotécnica) – Criada em 1906, em Londres, possui 68 países membros, inclusive o Brasil. Prepara e publica padrões para as tecnologias de eletricidade, eletrônica e tecnologias relacionadas que servem de base para padronizações nacionais e referência para os contratos e acordos internacionais. www.iec.ch

ITU – International Telecommunication Union (União Internacional de Telecomunicações) – Agência da organização das Nações Unidas para as tecnologias de informação e comunicação. Sediada em Genebra, Suíça, possui 191 países membros e mais de 700 associados. www.itu.int



Os esforços de guerra trouxeram benefícios referentes à melhoria de qualidade para algumas empresas nos EUA, mas muitas instituições não se motivaram para realmente integrar essas novas técnicas. No momento em que as encomendas eram entregues ao governo terminava a inspeção federal. Com o final da guerra, várias empresas retomaram suas antigas práticas de produção a custo baixo e muitos programas SQC tornaram-se procedimentos esquecidos.

O surgimento de um sistema de controle de qualidade mais abrangente e efetivo nos Estados Unidos foi, paradoxalmente, resultado de sua vitória na guerra contra o Japão. Os EUA tiveram que dar uma resposta à revolução de qualidade industrial que tomou conta do Japão, resultado dos próprios esforços norte-americanos.

O final da Segunda Guerra não significou a paz. A vitória do bloco dos países aliados (EUA, Reino Unido, França e a antiga União Soviética, hoje Rússia) também causou uma ruptura nesse bloco. A União Soviética (URSS) retomou seus interesses geo-políticos na Europa e na Ásia. Os Estados Unidos, grandes vitoriosos ao lado da URSS, partiram para enfrentar a ampliação do socialismo pelo mundo já que a Europa Oriental e parte da Ásia ficaram sob influência da ex-URSS. Assim iniciou-se a chamada Guerra Fria (1947-1991) que só terminou com o colapso da União Soviética e de seus países-satélites do Leste Europeu.

A expansão do socialismo na Ásia causava preocupação aos norte-americanos. Com a ocupação do Japão, em 1945, os EUA garantiram um cordão de proteção contra o socialismo formado pela Austrália e Nova Zelândia, ao sul, pelas ilhas do Pacífico, pelo sudeste asiático e pelo Japão, um país completamente destruído pela guerra e que precisava de ajuda para se recuperar. Mas a ajuda demorava a chegar. O Plano Marshall, um programa de apoio econômico aos países europeus destruídos pela guerra, inclusive os antigos inimigos Alemanha e Itália, foi bem sucedido e ajudou os países europeus a recuperarem, lentamente, sua produção industrial comprometida pelos bombardeios e ocupações militares.

A ex-URSS teve perdas imensas de população ao longo do conflito, mas sua vitória significava um alento aos ideais socialistas proclamados pela revolução de 1917. O próximo passo seria a expansão de sua ideologia pelo mundo todo. A China (que fora ocupada militarmente pelo Japão) e a Mongólia tornaram-se socialistas em 1949. O sudeste asiático entrava em processo de instabilidade, especialmente na Indochina o que causaria, no futuro, a guerra do Vietnã. Mas havia uma guerra mais urgente. Em 1950 uma revolução socialista dividiu a Coréia em duas partes, a do norte, socialista e a do sul, capitalista. Os EUA entraram na guerra para proteger seus interesses na Ásia e garantir a manutenção do sul da Coréia em sua área de influência. Mas a Coréia ficava do outro lado do mundo. Se, em pleno século 21, os EUA precisaram de semanas para articular a logística de suas guerras no Afeganistão (2001) e no Iraque (2002), imagine em plena década de 1950 quando o Oceano Pacífico significava uma extensão de água extensa e custosa para se atravessar. Os EUA precisavam de apoio logístico em algum país asiático para produzir e armazenar armas, munições, alimentos, remédios, roupas e equipamentos destinados aos esforços de guerra na Coréia. Uma solução provável seria o Japão, onde a ocupação norte-americana garantia o controle do território. Mas o país estava destruído e sua produção industrial nunca fora marcada pela qualidade.


Japão: dos destroços da guerra à qualidade total


Os EUA criaram então, em 1951, o Plano Colombo, um programa de ajuda econômica, técnica e comercial ao Japão. Não era apenas uma ajuda econômica. Para melhorar a indústria japonesa os EUA enviaram especialistas em administração e engenharia para ensinar aos japoneses os princípios da qualidade industrial. É nesse momento histórico onde entram  Deming e Juran, personagens principais do próximo capítulo.

Imagine um país devastado pela guerra, derrotado, ocupado militarmente pelos seus inimigos e que ainda por cima trazem pessoas para dizer que seus produtos são ruins e ensinar como podem ser melhorados. O General Douglas MacArthur, comandante supremo das tropas de ocupação norte-americanas no Japão, fez uma revolução democratizante de sentido político, econômico e institucional. A ocupação militar durou até 28 de abril de 1952, quando se firmou em São Francisco o Tratado de Paz entre o Japão e os Estados Unidos.

Graças à cultura japonesa, bastante pragmática e objetiva no que se refere aos negócios, houve abertura para ouvir e entender os argumentos e procedimentos dos estrangeiros. Por outro lado havia uma história, pois os Estados Unidos tentaram contatos comerciais com os japoneses desde meados do século 19 e a ocupação militar não foi brutal ou tirânica, respeitando inclusive parte do poder do Imperador Hiroito. Para os empresários e lideres políticos japoneses a ocupação norte-americana não foi a maior das tragédias, pelo contrário, alguns comemoraram quando souberam que o exército de ocupação seria o yankee. Seus temores eram de que os socialistas soviéticos ou os ingleses e franceses (com péssimas histórias de ocupação no antigo mundo colonial) viessem a ocupar seu país.

Abertos para aprender algo com um povo que aos poucos eles passaram a respeitar, os japoneses procuraram por em prática o ditado de que o bom aluno é aquele que supera o mestre, portanto ampliaram as técnicas de SQC para algo mais abrangente denominado Controle Total de Qualidade (TQC, em inglês), que se realizava desde a matéria-prima até o produto final. Em poucos anos começaram a competir com os EUA, ampliaram sua força de produção através da Ásia, reinventaram as concepções do automóvel, da indústria eletrônica e do entretenimento.


O reposicionamento da indústria de guerra japonesa para finalidades pacíficas e a inserção de métodos e técnicas norte-americanas para auxiliar a economia japonesa começaram a surtir efeitos positivos em pouco tempo. Os norte-americanos faziam encomendas aos fabricantes nipônicos para abastecer suas tropas na guerra da Coréia (1950-1953) e havia queixas sobre a inconstância ou a falta de padrões de qualidade, justamente o que motivou a ida dos consultores americanos ao país. Uma das primeiras medidas foi a criação dos chamados Controle Total de Qualidade, visando aperfeiçoar os controles de qualidade norte-americanos convencionais e fazer a inspeção prévia de todo o processo produtivo, desde a matéria prima até o produto acabado. Esses processos iniciais tiveram a grande colaboração dos consultores norte-americanos Juran e Deming, ao longo da década de 1950.  Em 1962, o professor Kaoru Ishikawa elaborou os chamados Círculos de Controle de Qualidade (CCQ). Ao longo da década de 1960 eles se difundiram por todo o arquipélago japonês como parte de um movimento que visava atingir o “zero defeito” na produção.  Chegaram a existir mais de um milhão de CCQ no Japão, com mais de 8 milhões de membros. No exterior, o primeiro CCQ foi criado nos EUA, na Lockheed Aircraft Corporation que, em 1973, enviou um grupo de estudos ao Japão. Com o tempo novos métodos de controle de qualidade foram sendo estruturados e implantados, substituindo a antiga forma de CCQs.

O importante é que o Japão entendeu que a modernização de suas estruturas era uma necessidade imperiosa para enfrentar os desafios contemporâneos e teve uma abertura para com os consultores estrangeiros que foram até seu país para ensinar-lhes algo novo. Um dos valores mais fortes da cultura japonesa é justamente essa abertura para o novo, desde que traga benefícios e novas possibilidades de desenvolvimento.

O Japão é um ótimo exemplo de como qualidade depende da cultura, abertura e disponibilidade de uma pessoa ou grupo para ser implantada, aperfeiçoada e ampliada.


Uma visão histórica – Em 1956, uma publicação especial japonesa comemorava a crescente onda de progresso e desenvolvimento do país. A própria revista, com 46 cm X 25,5 cm., em cores e 320 páginas é, em si, um exemplo de excelência em qualidade da indústria gráfica japonesa da época. Aqui estão reproduzidos os primeiros parágrafos do texto de Jungo Sakura (tradução do inglês):

Da reconstrução ao progresso – A terrível guerra na qual o Japão esteve envolvido terminou no dia 15 de agosto, quinze anos atrás. Hoje, ainda nos lembramos daquele dia como um pesadelo. Quando a guerra terminou, muitas das maiores cidades no Japão tinham se tornado áreas devastadas com solos calcinados. As estruturas de aço dos edifícios destruídos e carbonizados ficavam à vista, derretidas e retorcidas e as árvores desfolhadas pelos incêndios formavam cenários fantasmagóricos. Havia infinitas pilhas de destroços. Nas vizinhanças pessoas viviam como ratos amontoadas em casebres feitos de pedaços de lata queimada ou de restos de abrigos antiaéreos. As pessoas se perguntavam se um dia os japoneses voltariam a viver como seres humanos novamente. Eles sequer podiam se esforçar para viver como pessoas normais. Completamente desesperançados eles apenas lutavam pela mera sobrevivência cotidiana. Fábricas e lojas estavam fechadas ou destruídas. As poucas lojas ofereciam em suas escassas prateleiras apenas potes e panelas feitas de duralumínio, um dos materiais essenciais para a fabricação de aviões e armas durante a guerra. De aviões a panelas era o melhor que os japoneses podiam fazer para converter sua indústria bélica em indústria nos tempos de paz. Ginza, hoje uma das mais sofisticadas ruas comerciais do mundo, estava soterrada por entulho esperando ser removido. Havia pessoas morrendo de fome até mesmo em Ginza. Hoje, lembramos da década passada como um sonho mau. A economia japonesa, durante os últimos onze anos não apenas percorreu um longo caminho rumo à recuperação   mas também ultrapassou os níveis de antes da guerra em muitos campos.

Fonte: New Japan – vol. 9, 1956/1957. The Mainichi Newspapers, pág. 22.




VII - Os gurus da qualidade industrial

Joseph M. Juran
(1904 - 2008)


Destaque: Juran previu que a qualidade dos produtos japoneses superaria a qualidade dos produtos norte-americanos em meados da década de 1970, graças ao índice revolucionário de incremento da qualidade nas indústrias japonesas. O detalhe é que os produtos fabricados no Japão após a Segunda Guerra eram conhecidos por serem baratos, quebravam facilmente e tinham péssima qualidade. Ele acertou.

Já em 1945 ele escreveu: “O mais importante é que a alta gestão tenha a mente orientada para a necessidade de qualidade. Na ausência de sincera manifestação de interesse no topo da gestão, pouco acontecerá na base.”

Nasceu em Braila (Romênia), filho de judeus e imigrou para os EUA em 1912. Destacou-se em matemática e xadrez na escola e cursou Engenharia Elétrica na Universidade de Minnesota. Posteriormente cursou também a faculdade de Direito. Durante anos desenvolveu métodos para aprimorar a qualidade dos produtos industriais.

Começou a trabalhar como engenheiro na Bell System, em 1924. Anos depois ele preparou o que talvez seja o primeiro texto em controle de qualidade estatístico, antecessor do atualmente conhecido e utilizado Western Electric Statistical Quality Control Handbook. No final da década de 1940, Juran desenvolveu um dos mais importantes cursos sobre qualidade. Era o “Managing for quality” e foi ministrado a mais de 100.000 pessoas em 40 países.

Ele era professor na New York University (NYU) e assessorava a American Management Association (AMA). Através da AMA ele ofereceu esse curso por mais de 30 anos. Entre as décadas de 1950/1960 ele escreveu Industrial Quality Control, e como editor da revista Management´s Corner  Juran frequentemente enfatizava a importância da gestão em qualidade. Graças à sua reputação, em 1954, a Union of Japanese Scientists and Engineers, convidou-o a dar seminários no Japão.

No seu livro What is quality control? The japanese way (O que é controle de qualidade? O caminho japonês), o autor, Kaoru Ishikawa, explica que Juran ministrou os seminários para a média e alta gerência das empresas. Como ele possuía uma ótima reputação nos Estados Unidos, foi ouvido e reverenciado pela classe dirigente japonesa. Para Ishikawa, Juran marcou a transição nas atividades de controle de qualidade no Japão focando não apenas a tecnologia das fábricas, mas uma preocupação geral com a gestão como um todo para influenciar a qualidade. Seus métodos criaram uma atmosfera na qual o controle de qualidade tornava-se um instrumento de gerenciamento, possibilitando uma abertura para o estabelecimento do controle de qualidade total como se tornou conhecido posteriormente.

Na década de 1970, Juran, em co-autoria com Frank Gryna, publicou Quality Planning and Analysis (Planejamento e análise da qualidade), um livro que se tornou best-seller assim que foi lançado.

Vários autores influenciaram o trabalho de Juran. Um deles foi Vilfrido Pareto (1848-1923), responsável pela Carta de Pareto, um dos instrumentos técnicos de análise de qualidade. A antropóloga Margaret Mead (1901-1978) influenciou-o a partir de sua pesquisa que demonstrou serem os padrões culturais das pessoas os responsáveis pela resistência às mudanças, comprometendo esforços de especialistas enviados a lugares em desenvolvimento para modernizar as condições de existência. Juran se utilizou dessas pesquisas para analisar a resistência encontrada às mudanças em várias equipes profissionais, desde a base até o nível gerencial.

Em 1979, ele fundou o Instituto Juran, dedicado à divulgação de seus ensinamentos (www.juran.com).


Exercício: Note que a história da qualidade começa sob a ótica da indústria. São engenheiros, economistas e administradores que se preocupam com o problema. Posteriormente a qualidade também passou a ocupar-se do setor de serviços. Mas qual a diferença entre um produto e um serviço? Pense e pesquise a respeito. Voltaremos a essa questão mais adiante.


W. Edwards Deming
(1900-1993)

Deming e Juran foram os mais conhecidos consultores a trabalhar no Japão do pós-Guerra, mas eles não trabalharam em conjunto.

Deming foi consultor, autor, professor de alguns dos mais influentes executivos e corporações, além de ser o mais conhecido defensor do controle estatístico de qualidade. Ele é geralmente descrito como um herói popular no Japão, onde influenciou a espetacular ascensão do país após a Segunda Guerra Mundial; como um profeta do controle de qualidade; como um homem decidido; e como o fundador da terceira onda da Revolução Industrial.

Deming estudou física e doutorou-se na Universidade de Yale, em 1928, depopis de ter passado pelas universidades de Wyoming e Colorado. Sua extensa lista de trabalhos publicados (cerca de 200 artigos, livros e ensaios) vão desde o campo da física, no início de sua carreira, até a aplicação da estatística em vários setores.

Ele foi um estatístico do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) e era responsável por cursos de formação profissional para os funcionários qualificados. Nessa época ele convidou Walter Shewhart para dar algumas conferências e explicar o seu método. Em 1938 foi para o Departamento de Censo, onde continuou a aplicar os novos métodos estatísticos. Em 1942, ainda no Censo, ele foi convidado para assessorar a secretaria de Guerra, propondo planos para melhorar os esforços dos EUA na Segunda Guerra Mundial, na qual os EUA entraram em dezembro de 1941 após o ataque japonês a Pearl Harbour. Deming sugeriu cursos rápidos, baseados na metodologia de Shewhart, para ensinar a aplicação básica de estatística aos engenheiros e outros profissionais responsáveis pelos esforços de guerra. Esses cursos foram repetidos várias vezes, inclusive com Deming e Ralph Wareham como instrutores, além de pesquisadores da universidade de Stanford. Esses cursos formaram o núcleo do movimento de controle estatístico de qualidade nos EUA e posteriormente lançaram as bases da American Society for Quality.


A famosa frase de Deming: "Em Deus nós confiamos. Todos os outros precisam trazer dados e informações."

Graças ao seu trabalho ele foi enviado ao Japão pela Seção Econômica e Científica do Departamento de Guerra para estudar produção agrícola e problemas relacionados com a recuperação japonesa do pós-guerra. Durante suas várias viagens Deming fez contatos com vários técnicos e especialistas japoneses, desenvolvendo uma relação de confiança altamente produtiva para ambos os lados. Ele convenceu Kenichi Koyanagi, um dos fundadores da Associação dos Cientistas e Engenheiros Japoneses (JUSE) do potencial dos métodos estatísticos na recuperação industrial e econômica do Japão. Koyanagi, por sua vez, convenceu a JUSE a convidar Deming para ministrar cursos para os executivos e engenheiros japoneses.Sob os auspícios do Comando Supremo das Forças Aliadas, Deming desembarcou no Japão em junho de 1950 para ensinar seus métodos. Por cinco vezes ele retornou como professor e consultor da indústria nipônica, formando uma legião de seguidores e admiradores.

Sucessivamente ele influenciou uma nova geração de gestores incutindo não apenas conhecimento técnico, mas também confiança e novos objetivos. Deming afirmou, perante japoneses céticos, que o país poderia ter um dos melhores níveis de qualidade do mundo e que em cinco anos eles atingiriam esse patamar. Foram precisos apenas quatro anos para transformar a sucata deixada pela guerra em um parque industrial cada vez mais respeitado pelo mundo.

Em reconhecimento aos esforços de Deming no Japão, a JUSE criou, em 1951, o Prêmio Deming. Em 1960, o consultor norte-americano foi condecorado com a medalha do Tesouro Sagrado pelo imperador Hiroíto.

Desde 1946 ele tornou-se professor da escola de Administração e Negócios da universidade de Nova Iorque, paralelamente às viagens ao Japão, e começou a exercer atividades de consultoria até a sua morte, em 1993.

Um dos pontos principais de seus ensinamentos foi contrariar posições da administração científica de seu tempo afirmando que “o consumidor é a peça mais importante da linha de produção”. Resumiu seus ensinamentos de maneira didática nos 14 pontos apresentados no livro Out of the crises, de 1982. Aqui estão esses pontos brevemente comentados:

I – Criar constância de propósitos e objetivos para a melhoria do produto e do serviço. Além da preocupação evidente com o lucro, as empresas devem dar mais atenção a aspectos com ao permenência no mercado, atender às necessidades sociais, gerar empregos através de inovações, pesquisas e constante aperfeiçoamento.

II – Adotar a nova filosofia. O negativismo é uma prática prejudicial e, portanto, inaceitável. Deve-se buscar constantemente o acerto. Caso ocorram erros deve-se pesquisar imediatamente as causas e adotar ações corretivas. Qualidade tem que se tornar uma nova religião.

III – Deixar de depender da inspeção maciça como via da qualidade. Atingir qualidade não é a razão direta da severidade do policiamento dos produtos e serviços, mas do aperfeiçoamento constante do processo produtivo e isso é ainda mais evidente no setor de serviços.

IV – Acabar com o processo de fazer negócios com bases centradas apenas no preço. É preciso escolher fornecedores qualificados e em condições de aprimorar, de forma periódica e sistemática, seu desempenho, reduzindo erros e aumentando a eficiência e lucratividade.

V – Aperfeiçoar constante e permanentemente o sistema de produção e de serviço. Os gerentes são os responsáveis pelo incentivo na melhoria dos sistemas. O processo de aprimoramento deve ser constante, ininterrupto e interminável. Desperdícios, falhas, erros e defeitos devem ser reduzidos ao máximo.

VI – Instituir o treinamento e o retreinamento e promover a aprendizagem no local de trabalho. Erros acontecem porque as pessoas não sabem os procedimentos adequados. Os métodos de treinamento devem ser modernos, adaptados às exigências da empresa e sempre que possível no local de trabalho.

VII – Instituir a liderança ao invés da tradicional “supervisão”. Liderar é a principal tarefa do gerente, devendo motivar seus subordinados para o melhoramento contínuo.

VIII – Eliminar o medo no ambiente de trabalho. Deve-se corrigir as falhas naturalmente, sem traumas, encorajando a criatividade e a pesquisa de causas para a solução dos problemas envolvendo a qualidade sem usar um estilo autoritário de gestão.

IX – Derrubar as barreiras entre áreas da equipe. Os nichos setoriais (ou feudos de informação) são os maiores responsáveis pela ineficiência e falta de agilidade de uma empresa.

X – Eliminar slogans e exortações. A responsabilidade pela melhoria está no gerenciamento eficaz. Palavras vazias são inúteis perante a falta de ações que as justifiquem.

XI – Eliminar metas, quotas numéricas ou indicadores quantitativos. Uma cota é uma fortaleza contra a melhoria da qualidade e da produtividade. Cotas ou metas tolhem a criatividade natural do ser humano.

XII – Remover as barreiras ao orgulho pelo trabalho bem feito. Não ordenar o desempenho dos trabalhadores por ranking. Os vários sistemas de avaliação com recompensas como bônus e prêmios são injustos porque beneficial a poucos. Se as pessoas conhecem seu sistema de trabalho e há uma seleção eficaz, todos poderão ter bom desempenho.

XIII – Instituir um vigoroso programa de educação para todos na empresa, enaltecendo a auto-melhoria dos funcionários.

XIV – Ação.  Tomar uma iniciativa de alcançar a transformação criando uma estrutura de alta gerência para executar a mudança. O processo de trabalho somente será aperfeiçoado quando toda a equipe estiver consciente de seu papel.

Evidentemente esses 14 princípios baseiam-se em métodos complexos e detalhados para serem aplicados às instituições e suas equipes de profissionais. Alguns foram absolutamente revolucionários em sua época e outros foram adaptados de acordo com as futuras necessidades.

Sua produção intelectual foi extremamente significativa. Outro de seus livros importantes foi publicado em 1982, com o título Qualidade, produtividade e posição competitiva (Quality, Productivity and Competitive Position). O mestre tornou-se cada vez mais conhecido, não só nos meios empresariais e acadêmicos, mas também junto ao grande público. Ele apresentou o programa da NBC TV, em 1980, intitulado If Japan can, why can´t we? (Se o Japão pode, porque não podemos?). Deming afirmava que os sistemas e a alta gerência eram os responsáveis diretos pela qualidade e não apenas os trabalhadores. A base da empresa apenas responderia aos objetivos, exemplos e métodos oferecidos pelo topo. Essa análise da gestão focada no exemplo e no treinamento constante, aliada ao desenvolvimento de uma metodologia científica baseada em estatística para ser aplicada aos processos industriais, garantiu o sucesso de várias empresas, no Japão, nos estados Unidos e em vários países do mundo, enquanto as exigências de qualidade tornaram-se obrigatórias em um mundo cada vez mais complexo e competitivo.

O Prêmio Deming

Instituído em 1951, o prêmio Deming é oferecido a empresas e indivíduos que influenciam, direta ou indiretamente, no desenvolvimento do controle e gestão de qualidade no Japão. O primeiro ganhador foi Motosaburo Masuyama. As primeiras empresas ganhadoras foram Fuji Iron & Steel Co., Showa ddenko, Tanabe Seiyaku e Yawata Iron & Steel.

Um outro prêmio importante é a Medalha Japonesa de Qualidade. Instituída em 1970, a primeira empresa ganhadora foi a Toyota (que também ganhou o Deming Aplication Prize em 1965 e 1970, além de ganhar essa medalha novamente em 1980). Essa medalha não se restringe a empresas japonesas, sendo também outorgada a empresas de Taiwan, índia e Tailândia.


Exercício: Conheça o The W. Edwards Deming Institute, onde se encontra a biografia completa de Deming, todos os prêmios concedidos em seu nome e para perceber como a qualidade é encarada de maneira séria e profissional pelo mundo. O site é www.deming.org .



Armand V. Feigenbaum
(1922 - 2014)

Engenheiro norte-americano famoso, criador do conceito de “controle de qualidade total” (total quality control, em inglês), título de seu famoso livro publicado, pela primeira vez, em 1951. Doutorou-se pelo Massachussets Institute of Technology (MIT), foi diretor de operações da General Eletric (1958-1968), presidente da American Society for Quality (1961-1963) e presidente da General Systems Company. Foi um executivo altamente reconhecido e premiado pela indústria, pela academia e pelas forças armadas norte-americanas.


Sua definição de qualidade total: Um sistema efetivo para integrar desenvolvimento da qualidade, manutenção da qualidade e esforços para seu desenvolvimento através dos vários grupos de uma organização, que a torne capaz de fornecer produtos e serviços aos níveis mais econômicos que permitam a total satisfação do cliente.”

Seu método para desenvolver a qualidade possui três etapas básicas:

Liderança de qualidade
Modernas tecnologias
Compromisso organizacional

Esses três especialistas, Juran, Deming e Feigenbaum, formaram a principal vertente dos estudos pioneiros sobre qualidade.


Outros nomes importantes na história da qualidade industrial

O francês Henry Fayol (1841-1925) era engenheiro de minas e administrador. Publicou sua obra principal em 1916, já idoso, intitulada Administração Industrial e Geral, uma das precursoras da administração clássica. Ele dividiu a estruturação da empresa em seis funções básicas: técnica, comercial, financeira, contábil, administrativa e de segurança.

Harold F. Dodge (1893-1974) desenvolveu a inspeção de qualidade por amostragem nos Laboratórios Bell, nos Estados Unidos, através de tabelas que organizavam e davam consistência científica ao processo de inspeção.

George Elton Mayo (1880-1949), foi um sociólogo australiano que desenvolveu princípios da sociologia industrial norte-americana. Ele e sua equipe desenvolveram estudos que mostraram que os fatores psicológicos (afeição, participação, auto-estima, segurança pessoal e social do trabalhador) são mais importantes para a produtividade que os fatores fisiológicos (alimentação, descanso, moradia, satisfação sexual, segurança física, conforto, atividade física e lúdica).  As necessidades psicológicas estão relacionadas com um ambiente de trabalho saudável, relações de confiança, espírito de equipe, existência de liderança e objetivos comuns no grupo.

Ele chegou a essas conclusões através de uma experiência realizada em uma fábrica da Western Electric Company, localizada em Chicago no bairro de Hawthorne. Foi uma tentativa de humanizar as relações trabalhistas superando os rígidos controles estatísticos que, segundo os trabalhadores, visavam puramente explorar e condicionar os empregados para garantir maiores controles sociais e lucros econômicos. A Experiência de Hawthorne originou uma teoria das relações humanas no trabalho e projetou Elton Mayo como um dos primeiros grandes críticos de Taylor.

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Qualidade em serviços - História, conceitos e reflexões (5/9)


Texto: Luiz Gonzaga Godoi Trigo, 2015



VI – A história da qualidade em serviços

A American Society for Quality (ASQ - www.asq.org) responde de forma breve à pergunta Por que qualidade em serviço? O setor de serviços se defronta com um desafio especial: atender às necessidades do consumidor ao mesmo tempo em que mantém sua competitividade econômica. Apesar de os processos de automação significarem fortes impactos no resultado final, o setor de serviços ainda depende de trabalho humano intensivo e pode não haver substitutos para a interação pessoal de alta qualidade entre profissionais em serviços e seus clientes.  As vantagens competitivas ficarão com as organizações que obtiverem sucesso garantir a lealdade do cliente através da mais eficiente utilização de tecnologias e pessoas.


Nas nossas atuais sociedades pós-industriais, altamente competitivas, com tecnologias cada vez mais sofisticadas e integradoras, a Qualidade é um diferencial fundamental, uma exigência básica e pode ser uma poderosa barreira de entrada se uma empresa ou instituição conseguir fazer algo que as outras não conseguem. Mas há uma história do processo de reconhecer a qualidade como algo importante para as pessoas em geral, independente de seu poder de compra, etnia, classe social ou lugar geográfico. Mas nem sempre foi assim. É importante compreender o eixo histórico de como a qualidade tornou-se um dever e um direito, um processo, um modo de trabalho.


Para se chegar ao atual consenso sobre a importância da qualidade, vários anos se passaram. A preocupação sistemática com a qualidade surge ao longo da Revolução Industrial, devido à necessidade de se implantarem procedimentos de segurança, controle e padronização nas indústrias que, aos poucos, surgiam em vários lugares do mundo. Portanto, apenas nos séculos 18 e 19 surgem os controles e gestão de qualidade, sendo aperfeiçoados ao longo do século 20, no início quase que exclusivamente no setor industrial. As exceções restringiam-se aos serviços extremamente caros e personalizados de algumas empresas de transporte marítimo (Cunard e White Star Line, por exemplo), alguns hotéis de luxo, lojas exclusivas ou instituições financeiras que atendiam à burguesia mais rica e poderosa dos países desenvolvidos.

Pode-se falar em qualidade nos serviços da antiguidade?

O interesse e a metodologia aplicada à qualidade no setor de serviços, como conhecemos hoje, é bastante recente.  Considerando que a sociedades pós-industriais surgiram por volta da década de 1970 e que os primeiros trabalhos a respeito de qualidade fora da indústria aparecem após a Segunda Guerra Mundial, temos cerca de meio século de pesquisas na área e três décadas de estudos intensivos com foco nos serviços e como são oferecidos aos seus consumidores.

Em seu livro A history of managing for quality (Uma história da gestão para qualidade), J. M. Juran analisa o que seria uma preocupação com qualidade nos antigos períodos históricos em lugares como China, Israel, Índia e Roma. Em um período mais contemporâneo, Juran foca a qualidade na Alemanha, França, Reino Unido e Japão, especialmente relacionada à indústria em geral ou à indústria bélica, no caso da França.  


A ASQ realça o fato de que, entre os séculos 13 e 19, os artesãos da Europa medieval eram organizados em corporações (em inglês, guilds) responsáveis pelo desenvolvimento de normas muito rígidas para a qualidade de produtos e serviços prestados aos seus clientes. Os comitês responsáveis pelas inspeções dos produtos reforçavam as normas através de marcas ou símbolos que eram aplicados aos bens. Em geral os próprios artesãos aplicavam uma segunda “marca” em seus produtos inicialmente para identificá-los. Com o tempo essas duas marcas, do comitê e do artesão, passaram a significar a boa reputação do fabricante. É o início dos produtos considerados “de marca” e, portanto, símbolos de prestígio, bom gosto e condição social e financeira privilegiada.

Caso - Grinling Gibbons (1648-1721)


Nascido na Holanda, de pais ingleses e tendo estudado para tornar-se escultor, Gibbons deixou a Holanda aos 19 anos e foi para a Inglaterra, onde se tornaria famoso por seus entalhes em madeira – decorativos detalhistas e naturalistas. A partir de 1677, Gibbons passou a trabalhar no castelo de Windsor e alguns de seus melhores trabalhos estão na sala de jantar privativa: em volta de um quadro em cima da lareira, a caça abatida, frutas e flores são dispostos em grinaldas sobre pencas de laços. Ele também trabalhou na corte de Hampton e no palácio de Kensington. No último, suas peças incluem as molduras barrocas douradas para os dois espelhos ornamentais na Galeria da Rainha, entalhados de modo a representar cortinas, trombetas e guirlandas de folhagens. Sua técnica brilhante resultou em feitos realistas notáveis como o entalhe de um colarinho de renda em Chatsworth, Derbyshire.

Fonte: MALLALIEU, Huon (org.) História ilustrada das antiguidades. São Paulo: Nobel, 1999. pág. 43.


Marcas famosas surgiram nos variados setores de ornamentação, joalheria, artesanato e mobiliário. Os nomes de artesãos e manufatureiros famosos viraram marcas conhecidas por toda a elite mundial da época que procurava artefatos e objetos exclusivos, não importava o preço. Atualmente essas peças são preciosos artigos para colecionadores de antiguidades.

Na França, entre os séculos 16 e 19, um restrito número de 14 fabricantes de móveis entrou para a história como referência de qualidade de suas épocas. Possuíam diferentes formações profissionais e um grande apego à excelência de seus produtos. Eram arquitetos como Jacques de Cerceau (1515-1585), Abraham Bosse (1605-1676) ou Charles Lebrun ((1619-1690); escultores como Charles Cressent (1685-1768); ou o famoso Bernard Vanrisamburgh (1696-1766), considerado o maior fabricante de móveis do período Luís XV.

As referências apontam como os principais designers de móveis europeus, entre 1860 e 1920, apenas uma dezena de nomes muito exclusivos:

Charles Francis Annesley Voysey
Gustave Serrurier-Bovy
Louis Majorelle
Victor Horta
Josef Maria Olbrich
Hector Guimard
Koloman Moser
Charles Rennie Mackintosh
Joseph Hoffmann
August Hendell

Fonte: MALLALIEU, Huon (org.) História ilustrada das antiguidades, p. 111.




Charles Rennie Mackintosh


Exercício: Acesse seu site de busca na internet e veja algumas das obras desses   designers e observe como suas peças possuem linhas que até hoje agradam os olhares e estilos. Se você fosse decorar uma casa, um escritório ou outro espaço comercial, qual deles você utilizaria como inspiração? Você consegue identificar influências de seu estilo nos móveis vendidos nas grandes lojas?


Na antiguidade os diversos produtos passavam por processos artesanais. As peças destinadas às classes dominantes (nobreza, dirigentes, sacerdotes) eram confeccionadas com cuidados extremos pelos mais competentes artesãos locais ou trazidos de outros lugares. Pode-se dizer que nesse processo havia uma sistematização de qualidade, mas apenas nas peças destinadas às elites da época. Não havia democratização ou produção em massa.

Inúmeros artefatos foram produzidos e alguns sobreviveram em museus, galerias de artes, antiquários ou em coleções privadas (veja a seguir o site do Louvre Des Antiquaires):


 Tapeçarias
Bordados
Trabalhos com retalhos (patchwork) e acolchoados
Chintz e outros algodões estampados
Renda
Roupas
Xales de caxemira
Esculturas
Pinturas
Vidros
Cerâmica
Ourivesaria

http://www.louvre-antiquaires.com/ 

Essa produção pré-industrial floresceu na Europa, na Ásia e no Oriente Médio e mescla os aspectos utilitários com a expressão artística mais acabada e representativa de determinada cultura ou civilização.

Algumas dessas artes desenvolveram-se para objetivos aparentemente prosaicos como saber as horas, escrever ou localizar-se no espaço. Os primórdios da revolução industrial viram nascer relógios, canetas, bússolas e astrolábios cada vez mais precisos, resistentes e bem desenhados. As navegações exigiam esses instrumentos para sua segurança e controle. Os mosteiros precisavam dos relógios mecânicos, que começaram a ser usados em 1350, para saber as horas das orações. Em meados do século XVI várias cidades européias possuíam uma torre com um relógio público e a partir desse modelo outros foram instalados nas prefeituras, igrejas e nos estábulos das fazendas, sendo chamados de relógios de torreão.

Entre os séculos XVI e XVII havia relojoeiros famosos como os ingleses Joseph Knibb, Daniel Quare e George Graham, o francês Isaac Thruet ou o matemático suiço Jost Burgi (1552-1632), um dos inventores do logaritmo, dividindo a glória da descoberta com o matemático escocês John Napier. Eles produziram relógios de carrilhão, de pêndulo e de mesa, globos mecânicos e relógios de bolso. Utilizaram as técnicas mescladas da matemática e da mecânica para forjar maravilhas tecnológicas cada vez mais precisas que até hoje encantam pela beleza estética, engenhosidade e, algumas vezes, luxo.


Caso: Abraham-Louis Breguet


Nascido na Suíça, em 1717, Breguet viveu em Paris em torno de 1762. Abriu sua própria loja em 1775, mas fugiu para a Suíça na Revolução Francesa (1793). Retornou em 1795, recebeu a insígnia de Chevalier de la Légion d´Honneur, e foi eleito (1816) para a Academie Royale des Sciences. Breguet ficou conhecido devido aos seus montres perpétuelles (relógios automáticos), que se carregavam por meio de um peso pivotante. A idéia não era originalmente sua, mas ele a aperfeiçoou, fabricando o peso que reagia ao menos movimento do relógio. As conquistas técnicas e o estilo elegante tornaram Breguet o pai do relógio de pulso moderno.


Seu trabalho, de alta qualidade inovadora, foi recompensado (medalhas, títulos, recompensa financeira) e, o mais importante, tornou-se referência de mercado e um marco histórico de determinada categoria – relógios de pulso. São as maiores glórias que um artista, artesão ou profissional pode ambicionar.


Essa época pré-industrial foi marcada por um utilitarismo que já preconizava a moderna indústria. Além dos relógios, surgiram outros instrumentos científicos de precisão e bastante sofisticados provocando admiração e fascínio. Eram os instrumentos de navegação como sextantes, ampulhetas, astrolábios e bússolas; globos terrestres; barômetros, barógrafos e outros instrumentos meteorológicos; relógios de sol; instrumentos ópticos como telescópios, microscópios e caleidoscópios; instrumentos médicos; aparatos de medição, pesagem e mensuração.


Exercício: Esses instrumentos marcam um momento importante da Revolução Industrial quando a “perfeição” mecânica atinge os mais elevados parâmetros de funcionalidade, estética, precisão e confiabilidade. Antes do surgimento da eletrônica e do espaço virtual, a mecânica era a expressão mais compreensível sobre o mundo real. Até hoje esses instrumentos de precisão, como os relógios, representam status e poder. Veja os sites de algumas dessas pequenas e sofisticadas máquinas de mensurar o tempo:

www.breitling.comDesign arrojado. Sua imagem está ligada à aeronáutica e à precisão exigida pelos pilotos.



www.omegawatches.comDesign sóbrio e elegante. É o relógio do James Bond, o 007 e também dos astronautas. Imagem ligada à exclusividade e luxo.

http://us.tagheuer.com/  Design sóbrio, porém mais esportivo. Imagem relacionada à esportividade. É o relógio do piloto de F! Lewis Hamilton.

www.rolex.comDesign clássico. Imagem associada ao luxo e exclusividade.

www.girard-perregaux.com – Vários tipos de design. Imagem ligada à exclusividade. Seu slogan é Watches for the few since 1791 (Relógios para poucos, desde 1791).

www.wempe-chronometerwerke.deDesign clássico. Imagem de alta precisão. O site está em alemão. Veja a introdução e a lista dos produtos de precisão.

Repare como esses sites possuem uma estética e estrutura muito bem cuidada e em várias línguas. A mecânica de precisão inserida no marketing virtual mais avançado.

Existiam também os chamados instrumentos “filosóficos”. Eram giroscópios, círculos de inclinação magnética, instrumentos de cálculo como o ábaco, os primeiros geradores elétricos, instrumentos pneumáticos (bombas a vácuo) ou químicos (retortas, alambiques, pilões e almofarizes, buretas e pipetas). Esses artefatos feitos em metal brilhante, vidro ou madeira tinham formas e estilos inéditos devido às suas finalidades também inéditas. Apesar de serem feitos para uma utilidade específica, esse utilitarismo não relegou a estética, o capricho e o design a um segundo plano. Esses objetos serviam a uma finalidade objetiva, mas também podiam ornamentar uma mesa, uma estante ou um ambiente. Hoje são preciosas antiguidades e muitas dessas ferramentas impressionam por seu porte aristocrático e harmonia das formas.
  
Exercício – O mercado internacional de artes e antiguidades oferece opções dos mais diversos produtos e preços para o colecionador ou amante da beleza artesanal ou dos primórdios da indústria. Algumas dessas lojas e agentes mais exclusivos sequer aparecem na internet. É o caso da Sra. Corinne Duplouy, responsável pela Monte-Carlo Art Collections S.A.M. no Principado de Mônaco. Ela atende na galeria Sporting D´Iver, na Praça do Cassino. Seu nome ou a sua empresa não constam na internet (pode procurar no google que você não vai encontrar) porque seus produtos são exclusivos e custam a partir de algumas centenas de milhares de euros. É esse tipo de produto ou serviço que alguns autores denominam de “alto luxo” ou “luxo exclusivo”. Há também o “luxo de massa” como os carros BMW e Mercedes Benz, os hotéis Ritz-Carlton ou Four Seasons ou jóias e relógios vendidos em shopping centers e em free-shops de aeroportos e portos. Isso não quer dizer que sejam baratos, mas são produzidos ou distribuídos em uma escala muito maior.

Para conhecer alguns desses produtos

Visite o site www.tresserra.com. É uma empresa espanhola (Barcelona) com filial em Paris que produz alguns dos belos móveis do mundo.

Gosta de maravilhas artísticas? Visite o site www.louvre-antiquaires.com. Veja como há milhares de temas e tipos de produtos oferecidos em dezenas de lojas nesse shopping altamente sofisticado e especializado localizado em Paris.

Quando você for ao exterior aproveite para ver essas maravilhas de perto, afinal a região que compreende Sanit Tropez, Cannes, Nice e Monte Carlo é uma das mais sofisticadas do planeta e com um dos maiores índices de qualidade. Sem contar Paris, Milão, Barcelona, Zurique...

O mundo passou pelas revoluções burguesas na Inglaterra e na França. A metafísica e a lógica tornavam-se a matemática e a física modernas. A alquimia originou a química e as misteriosas ciências da vida cederam lugar às pesquisas biológicas. A astrologia transformou-se em astronomia. As corporações cheias de segredos dos construtores, marceneiros, serralheiros e joalheiros foram substituídas pelas escolas politécnicas de engenharia, mecânica ou de arquitetura. O capitalismo comercial venceu as batalhas contra a nobreza feudal e as terras conquistadas nas Américas, na Ásia e na África garantiram matérias primas, mercados consumidores e terras férteis para potencializar a riqueza européia. Havia um conjunto de conhecimento, recursos naturais e capital disponível para detonar a Revolução Industrial e ela aconteceu.

  
A indústria e os parâmetros de qualidade

No início do século 19, a indústria manufatureira nos Estados Unidos acompanhava o antigo modelo europeu de aprendizagem baseada nos mestres. Isso fazia com que jovens aprendizes passassem anos com seus mestres aprendendo um ofício ou função. Como muitos manufatureiros vendiam seus bens no próprio local de sua produção e de sua moradia, eles zelavam pelos padrões de qualidade exigidos pelos seus clientes. Esse foi o início da qualidade na indústria moderna, mas ainda era um processo individual, subjetivo e dependia das características culturais e técnicas das diversas regiões.

No século 19 ainda não existia um padrão reconhecido nacional ou internacionalmente para a qualidade. O que havia eram alguns produtos excepcionalmente bem produzidos que se tornavam referências ou objetos de desejo das classes dominantes.

O sistema fabril desenvolvido na Inglaterra, entre os séculos 18 e 19, espalhou-se pela Europa e depois por todo o mundo, devidamente turbinado pelo método gerencial e pelas tecnologias desenvolvidas pelos Estados Unidos na primeira metade do século 20 e que lhe garantiram supremacia na Segunda Guerra mundial.


Nesse sistema europeu os diversos setores manufatureiros foram sendo transformados em áreas altamente especializadas. Isso significou a necessidade de se reunirem os empregados em galpões fabris, cada um com suas tarefas e máquinas específicas, vigiados por gerentes, coordenadores ou supervisores que acompanhavam cada passo da produção e garantiam pontualidade, eficiência, disciplina e segurança. Os empregados tiveram cada vez menos autonomia e poder de decisão no local de trabalho. O antigo artesão ou manufatureiro virou proletário urbano. As cidades cresceram, os campos se esvaziaram, a poluição ambiental tornou-se desastrosa e as condições de exploração e insalubridade no trabalho pioraram sistematicamente. É evidente que com esse tipo de tratamento dado aos funcionários, o grau de qualidade dos produtos era razoavelmente questionável apesar das constantes inspeções e auditorias. Cada empregado especializava-se em uma função, era supervisionado e acompanhado por superiores, mas esse sistema estava longe da perfeição organizacional e administrativa.

Foi quando a ciência voltou-se para aperfeiçoar as crescentes burocracias, os sistemas de transporte ferroviário, telefonia e energia elétrica, além dos processos industriais. Surgiam os procedimentos baseados em metodologia científica para garantir eficácia e eficiência, ou seja, qualidade ao longo do processo industrial.
 
Algumas pessoas confundem esses dois termos. Eles se complementam, mas são sutilmente diferentes:

EFICÁCIA – Virtude ou poder de (uma causa) produzir determinado efeito; qualidade ou caráter do que é eficaz; real produção de efeitos.

EFICAZ – Que tem a virtude ou o poder de produzir, em condições normais e sem carecer de outro auxílio, determinado efeito, efetivo; seguro, válido, ativo, infalível, santo.

EFICIÊNCIA – Poder, capacidade de uma causa produzir um efeito real; qualidade ou estado de ser efetivo, efetividade.

EFICIENTE – Que se caracteriza pelo poder de produzir um efeito real.

Fonte: Dicionário Houaiss da língua portuguesa




 A eficácia é o ato concretizado; a eficiência é a potência do ato, ou seja, a capacidade de produzir um efeito. A pessoa eficaz é aquela que cumpre um projeto respeitando orçamento, cronograma e especificações, objetivando a excelência no cumprimento de seus objetivos. A pessoa eficiente é aquela que tem o poder de realizar um projeto e portanto possui credibilidade, experiência, conhecimento adquirido e confiabilidade.

O ato (eficácia) e a potência (eficiência). Ambos se completam. De nada adianta ser eficaz em um projeto ou em um período e não manter um elevado padrão de qualidade e confiabilidade.

O progresso científico do século 19 voltou-se para pesquisas onde os objetivos eram garantir a eficácia e a eficiência da produção industrial de uma maneira que pudessem ser reproduzidos em várias fábricas e instituições em todos os lugares. Buscava-se um sistema, um método para não apenas garantir um patamar mínimo de qualidade, mas para que esse patamar pudesse ser constantemente aperfeiçoado e ampliado.


O tratamento científico da qualidade industrial I – 
Os princípios de Taylor

No final do século 19, os Estados Unidos romperam com a tradição industrial européia e passaram a adotar um gerenciamento científico da qualidade nas suas indústrias e escritórios.

Um dos principais inovadores nesse campo foi Frederick Winslow Taylor (1856-1915). Foi mecânico, operário e graduou-se em engenharia mecânica em um curso noturno. É considerado o pai da administração científica e ficou famoso através de seu livro intitulado Princípios da Administração Científica, publicado em 1911 e aplicado em indústrias nascentes como a Ford, em parceria com Henry Ford. Os termos taylorismo e fordismo provém justamente dessa parceria que revolucionou os primórdios da indústria e lançou os Estados unidos na vanguarda do processo industrial de qualidade na primeira metade do século 20.


Taylor é uma figura controversa. Seu método tornou possível incrementar imensamente a produtividade sem aumentar o número de empregados qualificados. Ele analisou o “chão da fábrica” e organizou as tarefas dos operários em etapas que se sucediam logicamente ao longo do processo de fabricação de um produto. Cada operário especializava-se em uma determinada tarefa e ficava em um posto de trabalho pré-estabecido, as peças lhe chegavam às mãos e ele apenas as inseria no lugar pré-determinado. Peças e procedimentos, ajustes e atividades complementares foram organizadas em um roteiro dentro da fábrica que possibilitaria o máximo de eficiência, racionalidade, economia, qualidade e segurança. Nascia assim a linha de montagem industrial. Por outro lado, essa obsessão pela precisão e organização, essa racionalidade cartesiana, lhe garantiram a acusação de destruir a “alma” do trabalho, de transformar operários em robôs, de desumanizar as fábricas. Algumas das críticas mais contundentes ao taylorismo e ao sistema industrial capitalista foram os filmes Tempos modernos (1936), de Charles Chaplin e Metrópolis (1927), do diretor Fritz Lang.

O método de Taylor foi aplicado também nos processos burocráticos de escritórios particulares e governamentais, nos sistemas de controle de ferrovias, correios, telefonia e distribuição de energia, na época amplamente manuais, pois não havia a automação computadorizada que apenas foi disseminada no final do século 20.

O método de Taylor previa:

 padronização de equipamentos e pessoal;
divisão de funções entre dirigentes (engenheiros e gestores), intermediários (supervisores e fiscais) e operários;
objetivos claros;
e rígida disciplina. 

Seus quatro princípios de administração eram:

O desenvolvimento de uma ciência própria

A seleção científica dos funcionários

A educação científica e desenvolvimento do trabalhador

Cooperação íntima e amigável entre gestores e operários


Taylor criou departamentos estanques dirigidos por engenheiros e lhes deu a responsabilidade de:
  

Desenvolver métodos científicos para o trabalho

Estabelecer metas de produtividade

Estabelecer sistemas de recompensa para os que atingirem as metas

Treinar o pessoal em como usar esses métodos e atingir as metas ou objetivos.

Nem sempre essa racionalidade e disciplina absolutas funcionaram bem para garantir elevados padrões de qualidade. As antigas fábricas tornaram-se lugares sombrios, monótonos, exaustivos e impessoais. Os engenheiros e administradores sentiam-se superiores e infalíveis, arrogantes e à parte do trabalho manual exercido por operários oprimidos apesar de razoavelmente remunerados e inseridos em uma lógica industrial capitalista que os via como “heróis” do vigor econômico do início do século 20. 


Análise:

A data inicial simbólica do fordismo é 1914, quando Henry Ford introduziu seu dia de oito dólares e cinco dólares como recompensa para os trabalhadores da linha automática de montagem de carros que ele estabelecera no ano anterior em Dearbon, Michigan. As inovações tecnológicas e operacionais de Ford eram mera extensão de tendências bem-estabelecidas. A forma corporativa de organização de negócios, por exemplo, tinha sido aperfeiçoada pelas estradas de ferro ao longo do século 19. Os “Princípios de administração Científica”, de F. W. Taylor – um influente tratado que descrevia como a produtividade do trabalho podia ser radicalmente aumentada através da decomposição de cada processo de trabalho em movimentos componentes e da organização de tarefas fragmentadas segundo padrões rigorosos do tempo e estudo do movimento – tinham sido publicados em 1911. E o pensamento de Taylor tinha uma longa ancestralidade, remontando, através de experimentos de Gilbreth, na década de 1890, às obras de escritores da metade do século 19, como Ure e Babbage. A separação entre gerência, concepção, controle e execução também já estava avançada em muitas indústrias. O que havia de especial em Ford (e que distingue o fordismo do taylorismo) era a sua visão, seu reconhecimento explícito de que produção de massa significava consumo de massa, um novo sistema de reprodução da força de trabalho.”


Note que o gerenciamento científico da produção industrial, e do aumento consistente de sua qualidade, exige conhecimentos de engenharia, administração, direito, economia, sociologia e política. No início do processo industrial no século 20, essas concepções ainda eram relativa novidade mesmo nos países mais desenvolvidos. Os Estados Unidos foram pioneiros nas pesquisas sobre racionalização e aprimoramento do trabalho industrial, ao lado dos ingleses e alemães.

Harvey, David. A condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1993. pág. 121.