Como boa parte dos
países europeus, a Itália é uma teia com várias camadas e matizes de lugares
naturais insólitos, deliciosos ingredientes gastronômicos, exagero exuberante das
artes, tudo em meio a edifícios, templos, palácios e malhas urbanas que
incendeiam a imaginação. Além do povo, uma atração especial pela espontaneidade,
rusticidade e instigante alegria mesclada à dramaticidade.
Mas os cenários,
naturais e culturais, são dramáticos. A geografia, a história – só o Império
Romano é uma vantagem competitiva absurda em termos de destinos privilegiados
-, a arquitetura, as ruínas e ecos do passado que se sobrepõe por milhares de
anos, nos mergulha num fluxo incessante de gostos, visões, sons, prazeres e
sensações que transformam a viagem em uma experiência sensual, reflexiva e
transformadora. Desde que se entenda, pelo menos um pouco, o que se apresenta
ante nossos sentidos.
De Milão fui para
Bologna, um lugar que desde criança me chama a atenção por causa de um pastificio
chamado Bolonha, em Campinas (não existe
mais), que tinha como símbolo uma altíssima torre. Vi a torre, mas não subi os
90 metros de escadas íngremes porque tinha outros planos para o dia e minhas
pernas cinquentenárias exigem algum recato fisiológico...
A mais alta torre de Bologna.
Visitei a praça
central e os arredores. Fui à monumental (tudo na Itália é monumental) Catedral
de São Petrônio, com os murais de Giovanni da Modena que mostram a concepção
medieval do paraíso e do inferno, além das aventuras dos Reis Magos. A visão do
inferno foi para mim inédita, original em sua representação das forças estéreis
e frustrantes sobre a solidão abissal que o mal proporciona.
Obs.: A foto acima, do inferno de Modena, é a única desta postagem que não foi tirada por mim e sim da internet.
Visitei longamente a
Abadia Beneditina de Santo Estéfano, um complexo com várias capelas, salas e
claustros, relíquias, preciosos objetos sagrados e uma atmosfera de paz e gozo
espiritual. Conversei com um monge idoso que me contou parte da história do
lugar e me apresentou outro monge, um senhor brasileiro com o qual troquei algumas palavras sobre amigos
comuns.
A Abadia de Santo Estéfano, um complexo beneditino.
Numa das capelas há fotos dos pilotos da aeronáutica italiana mortos nas diversas guerras e acidentes ocorridos em tempos de paz.
Nessa capela há essa gravura com a Virgem Maria, anjos e aeronaves cortando os céus.
Comi em tratorias
domésticas, com comida bem feita, vinhos honestos e serviço eficiente, sem
frescuras. Foram indicadas por uma garota esperta do centro de informações
turísticas, que me deu um mapa com as preciosas informações.
À tarde subi os três
quilômetros do mais longo pórtico do mundo, construído nas encostas de um monte
coroado pelo Santuário da Beta Virgem de San Luca. Perto do topo há uma casa de
retiros espirituais dos jesuítas, várias mansões dos residentes e, ao final da
suave mas cansativa escalada, a magnificência da igreja diocesana de onde se
avista parte da cidade e os campos verdes rodeados de colinas. Para isso poupei
minhas pernas, para subir e descer o imenso corredor vazado por arcos e
referências religiosas nas paredes e no teto.
Vista do interior do pórtico que leva à San Luca, um caminho com quase 3 quilômetros morro acima (ou abaixo.
O pórtico é decorado com arcos, colunatas e detalhes externos. No lado interior há placas comemorativas e inscrições históricas.
A vista e o templo são os prêmios para quem sobe o caminho coberto.
No meio dos feriados fui para Roma, o centro do mundo. Cheguei justamente na
sexta-feira, primeiro de maio, e fui curtir a festa popular, tipicamente
esquerdista, nos arredores da Basílica São João Latrão.
São Francisco abençoa os comunistas e anarquistas na imensa praça em frente à igreja São João Latrão.
Em plena primavera
europeia, as hordas de turistas já congestionam as principais atrações destinos
nas grandes cidades. No sábado andei pelo centro histórico, visitei duas
igrejas famosas dos jesuítas (Santo Ignácio de Loyola, onde está enterrado São
Luiz Gonzaga, meu patronímico e a Igreja de Jesus, umas das primeiras da
ordem).
Escultura em mármore no túmulo de São Luiz Gonzaga (1568-1591), um dos mais tradicionais santos jesuítas. Ele era primogênito de uma nobre família italiana mas renegou seus direitos hereditários para se tornar noviço na Companhia de Jesus. Morreu aos 23 anos vítima de tifo, após cuidar das vítimas dessa doença contagiosa e muitas vezes fatal.
À tarde, ingenuamente pensei em ir ao Vaticano, onde já estivera umas
duas vezes, pois sempre é um prazer rever um dos mais significativos
patrimônios religiosos do mundo. Pura ilusão. As filas para entrar na Basílica
de São Pedro se estendiam por umas quatro horas. Perambulei pela praça, entrei
nas livrarias e lojas de bugigangas pseudo-espirituais, olhei bem as pessoas de
todos os cantos do planeta que ali se extasiavam e imaginei como fica a praça
quando o popular Papa Francisco dá o ar de sua graça. Nos lojas e camelôs havia
estatuetas dos últimos papas, menos de Bento XVI. Em compensação, na livraria
oficial do Vaticano, estavam as obras completas de Joseph Ratzinger em várias
línguas. Certamente ele será mais reconhecido pelos seus dotes intelectuais do
que pastorais. Particularmente reconheço sua coragem em renunciar face à
complexa situação provocada por alguns (poucos mas atuantes) membros
cardinalícios e gestores da Cúria Romana que desonraram suas funções
espirituais privilegiando o que há de pior no mundo material que é a corrupção,
a falsidade e o egoísmo.
As filas para a Basílica de São Pedro.
A sede da Igreja Católica Apostólica Romana vive uma fase de alto astral, graças à popularidade do Papa Francisco, um homem humilde, sábio e que combate a corrupção instalada na Cúria Romana e protagonizada por uma minoria ímpia mas atuante. Recentemente foi elogiado até por Raul Castro, o ditador cubano, em uma visita que ele fez ao Vaticano.
Em Nápoles, sede do T-Forum, fiquei por
uma semana. O Mediterrâneo da Magna Grécia para mim é o mais fabuloso mar da
terra. Por vários motivos: as cores cristalinas das aguas que permeiam do azul
ao verde; as encostas e ilhas vulcânicas escarpadas; a vegetação dos vales e
das partes mais elevadas do cenário; no caso da Itália, a atmosfera de dolce far niente; (no caso da Grécia,
Turquia e outras paragens do Oriente Médio, o fascínio de um hedonismo tépido);
a beleza que todo esse conjunto proporciona; e, finalmente, a história com suas
culturas e civilizações.
Uma das marinas centrais de Nápoles com o vulcão Vesúvio, ao fundo
Neapolis (Nova cidade, em grego) foi construída na época em que os gregos dominavam a região, subjugada
posteriormente pelo Império Romano e ao longo dos séculos dominada por vários
povos, até se tornar parte da República Italiana. É a Itália austral, mais
pobre, mais caótica, com suas ruas sujas, seus becos estreitos onde roupas são
colocadas nas minúsculas sacadas para secar, com centenas de prédios históricos
magníficos (alguns em ruínas ou abandonados), lojinhas de uma porta com todo
tipo de alimentos, artesanato, roupas, tralhas para vender. Seus palácios e
castelos revelam um passado glorioso. A natureza da baía napolitana é um
anfiteatro onde a vida explode intensa e breve, algo lembrado pelo vulcão Vesúvio (Tânatos, sempre à espreita de
devastação e morte) e pelo litoral local, até a ponta de Sorrento e as ilhas
de Capri e Ischia, lugares onde Eros impera desde os tempos imemoriais.
Vista napolitana do 30º andar do hotel NH Ambassador.
Pobreza e riqueza, lixo
e luxo, estéticas sacras e profanas, mar e montanha, caos e cosmos, tudo se
amalgama nesse euro-paraíso austral. Ao sul está a Sicília, outra preciosidade
rodeada pelo mar e assombrada pelo Etna, seu vulcão particular que dá pavor e
fertilidade para suas terras pródigas em uvas, cítricos, roseirais e outras
delícias. Ainda há a Sardenha, Córsega, Malta, ilhas
gregas e turcas, o norte da África e o Oriente Médio. Para o poente as costas
ensolaradas francesas e espanholas, as ilhas Baleares, os mistérios marroquinos
(ah, Paul Bowles...) e as colunas de Hércules, onde o Mediterrâneo encontra o
oceano Atlântico, completam essa mescla histórico-cultural que influencia e
marca a região celebrada por Fernand Braudel (em sua obra, O Mediterrâneo).
A visita à Pompeia é
uma lição de história e uma lembrança de nossa efemeridade. Em um dia do ano 79
d.C., o Vesúvio explodiu em uma torrente de gases letais e lava e matou
repentinamente milhares de pessoas, sepultando as cidades de Herculano e
Pompeia e congelando seu cotidiano sob metros de cinzas para serem
redescobertos séculos depois e apresentados aos nossos olhos dois mil anos
depois.
Vista parcial do anfiteatro de Pompeia.
Fila de turistas curiosos esperando para entrar no antigo lupanar (prostíbulo) da cidade.
O pequeno lupanar tinha cubículos com camas de pedra. Seria para evitar que os clientes demorassem muito e agilizasse a rotatividade do local
As ruínas da cidade e seu algoz, o Vesúvio.
A ilha de Capri fica a 45 minutos de Nápolis, uma travessia feita em barcos velozes. Uma de suas mais famosas atrações é a Gruta Azul. O acesso é feitos por barco e depois por pequenos botes para quatro pessoas que passam raspando pelo teto baixo da gruta (noventa centímetros da água) e o barqueiro faz malabarismo para passar pelo túnel rochoso.
Os barquinhos esperando para entrar na gruta Azul.
Essa é a gruta verde. As águas mediterrâneas são, em muitos pontos do extenso mar, límpidas, cristalinas e com tonalidades entre os azuis e os verdes.
Luxuosos condomínios, hotéis, restaurantes, lojas, casarões antigos e ruas íngremes, em meio à vegetação e encostas exuberantes, se espalham por Capri e Anacapri (na foto).
Desde os tempos pré-romanos a ilha de Capri é destino dos que curtem a natureza, sua beleza selvagem mitigada há milênios pelos confortos das civilizações que se sucederam no domínio da ilha. Outro destino insular próximo é Ischia, além se Sorrento e a costa almafitana, situados no continente.
Luxo e riqueza em meio à pobreza do sul da Itália, Capri e seu entorno possuem uma gastronomia típica, assim como as diversas regiões da Itália. Claro que o clima mais quente e a beleza natural ajudam no processo da fome à digestão, um dos muitos destaques dos famosos destinos mediterrânicos.