Gosto de fazer um
balanço geral ao final de cada ano ou período significativo da vida. Não são contas financeiras ou meramente
materiais, são contas de vida, de experiências, aprendizados, prazeres, dores,
tudo o que marcou minha existência e influencia o presente e o futuro.
2014 foi um ano
atípico. Pela primeira vez experimentei ser despejado do meu ambiente de
trabalho juntamente com toda a turma. A interdição do campus da USP-Leste, no
primeiro semestre do ano, me fez sentir no corpo e na alma os graves problemas
do setor público em áreas que deveriam ser vitais, como a educação. Esses
problemas persistem na saúde, segurança, governança e transportes, mostrando
que apesar de alguns avanços sociais ainda temos muito a realizar por uma
sociedade mais justa e harmonicamente desenvolvida. Fica o agradecimento
público à equipe da ECA (Escola de Artes e Comunicações da USP), que nos
recebeu com muita boa vontade e disposição no Butantã, na Cidade Universitária.
Essas pessoas dedicadas e abertas fazem a Universidade florescer e evoluir.
Curti a Copa do Mundo. Assisti a dois jogos ao vivo
(no Mineirão e na Arena Corinthians) e vi pela TV, estarrecido, a devastadora
derrota do Brasil perante a Alemanha. 7 a 1! O lado bom é que a festa foi boa,
com a imagem do país salva, apesar dos atrasos, improvisos e do mau humor
reinante em boa parte do território nacional. Esse mau humor, envenenado pelo
ressentimento e pelos ódios arcaicos, foi turbinado pela campanha política mais
polarizada desde 1989, com surpresas e reviravoltas dignas de um filme do Costa
Gavras.
Edmur Stoppa, Ricardo Uvinha e eu, na Arena Corinthians, jogo entre Bélgica e Coreia do Sul.
A campanha deixou claro
o quanto o Brasil ainda tem de reacionário e jeca e o quanto se desvia
dinheiro, influência e ações para objetivos particulares, sejam pessoais ou de
grupos mafiosos, em quase todos os partidos políticos, em várias instituições
em geral, igrejas etc. Claro que um erro não justifica os outros e a corrupção
é hedionda, seja em que lado for.
Mas os avanços sociais
no país são reconhecidos no exterior e em parte do território nacional que
valoriza um desenvolvimento mais justo, equilibrado e sustentável. Algumas
discussões mais fortes acabaram em trocas de insultos nas redes sociais e as
mais extremistas eu as resolvi simplesmente cortando a “amizade”, na verdade gente
que eu mal conhecia. Alguns poucos mostraram seu ressentimento, inveja e a
má-fé, reflexo de vidas frustradas. As pessoas se traem pelas palavras, pelos
textos e atitudes. Sem contar o mau humor inerente aos reacionários e medíocres.
Isso vale para todos, direita e esquerda mostraram as suas piores facetas nos
bate-bocas repletos de boatos, superficialidades, preconceitos e ignorâncias.
Dei boas risadas com as provocações e com algumas respostas obtusas e raivosas.
Os mais descolados, informados e bem humorados ignoraram os coices ou
responderam com a mesma cortante e certeira objetividade irônica ou
iconoclasta. Até o Papa Francisco repete que bom humor é fundamental para uma
vida plena e saudável. Oremos e aprendamos a rir, de nós mesmos (em primeiro
lugar) e dos outros...
O ano foi marcado por
algumas boas viagens. Estive duas vezes em Portugal. Em maio, fui para o III
INVTUR, em Aveiro, onde estiveram vários colegas da EACH-USP; em novembro, para
o 3ª ISITH, na cidade de Seia, ao pé da Serra da Estrela, onde tive o honroso
convite para ser Chair do Seminário.
Ir a Portugal, para mim, é uma saudável volta às memórias juvenis, quando
trabalhava na Abreu Turismo no Brasil (São Paulo, Rio e Campinas). Também
visito um primo, o Gabriel, que lá vive há mais de vinte anos, casado, duas
filhas e sempre uma boa conversa sobre as coisas da vida. Outra visita
importante é ao João Pereira, hoje com 75 anos de idade. João era Director de
Cruzeiros do navio Funchal, onde trabalhamos juntos por quatro temporadas (1979
– 1985) e tornou-se um grande amigo. Sempre nos encontramos no Rossio e almoçamos
em um pequeno restaurante, o Ano Novo, algo que já virou um ritual. Entre
garfos e copos falamos da história, dos espaços e das memórias vivenciadas ou
imaginadas em nossos mundos.
A viagem aos Estados
Unidos (Mobile, Alabama), para o Congresso da World Leisure Association, com meu amigo Ricardo Uvinha, foi
marcada por uma grande perda. Nosso aluno da EACH, Douglas Ribeiro, afogou-se
na piscina e morreu após seis dias na UTI. Poucas vezes senti tanto a morte de
alguém que não fosse parente ou amigo íntimo. Tudo o que acnteceu escrevi neste
blog, em uma postagem anterior. Deixo uma referência respeitosa à memória do
Douglas e um profundo reconhecimento à comunidade de Mobile, às autoridades
norte-americanas envolvidas, à EACH-USP pelo apoio que nos deu e aos alunos e
alunas do curso de Lazer e Turismo que souberam homenagear seu colega com
dignidade e ternura.
Lancei livros,
publiquei artigos, fui a bancas e eventos em João Pessoa, Caxias do Sul, Rio de
Janeiro, Fortaleza... Nossa área de turismo cresceu ainda mais com a
autorização dos doutorados da UNIVALI-SC e da Universidade de Caxias do Sul
(RS), a serem implementados no início de 2015. Nosso mestrado da EACH foi
aberto no início de 2014, e claro que nosso objetivo futuro é também criar um
doutorado.
Livro organizado pelo Alexandre Panosso e por mim, lançado em inglês pela Springer (Alemanha).
Ainda há questões para
resolver em nossa área acadêmica, o Turismo. As gerações mais velhas, da qual
já faço parte, precisam compreender que as novas gerações são importantes e
devem ser incentivadas em seus trabalhos de ensino, extensão e pesquisa. Anda
falta uma unidade maior entre nossos programas de pós-graduação e uma
disponibilidade mais generosa em relação aos outros. Analisando objetivamente,
somos uma área pequena e com pouca relevância no cenário acadêmico nacional.
Nosso programa mais conceituado na CAPES (o da Univali-SC, todos os outros estao entre 3 ou 4) tem nota cinco (a maior
é sete), o que é normal haja vista a juventude desses cursos de pós-graduação.
Não chegamos a uma dezena de programas em todo o Brasil e temos um longo
caminho pela frente. Portanto, temos que nos unir mais, trabalhar juntos e
incentivar nossos valores internos com espírito de equipe, ou então seremos uma
área pequena, frágil e dividida. Há que superar vaidades paroquiais e
suscetibilidades arcaicas, temos que pensar grande, de maneira competente e magnânima
para nosso futuro, afinal turismo (e hospitalidade, cultura, meio ambiente,
lazer) é prazer e um amplo leque de possibilidades que apenas dependem de nossa
imaginação, trabalho e vontade.
Termino o ano no
Mediterrâneo, um dos lugares que mais gosto no planeta (depois do Brasil). Estou em Barcelona (26 de dezembro), daqui a
pouco embarco no navio Spirit (NCL) e
só volto ano que vem.
Que 2015 seja um ano
ainda melhor para todos nós, que convivamos mais com nossos parentes, amigos e
colegas, que saibamos superar as atribulações e tentações e fujamos dos afetos
desordenados que tantos males causam a nós mesmos. Muita paz, amor, tesão, um
monte de prazeres físicos, espirituais e intelectuais para todos e todas.