sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Contas de final de ano




Gosto de fazer um balanço geral ao final de cada ano ou período significativo da vida.  Não são contas financeiras ou meramente materiais, são contas de vida, de experiências, aprendizados, prazeres, dores, tudo o que marcou minha existência e influencia o presente e o futuro.

2014 foi um ano atípico. Pela primeira vez experimentei ser despejado do meu ambiente de trabalho juntamente com toda a turma. A interdição do campus da USP-Leste, no primeiro semestre do ano, me fez sentir no corpo e na alma os graves problemas do setor público em áreas que deveriam ser vitais, como a educação. Esses problemas persistem na saúde, segurança, governança e transportes, mostrando que apesar de alguns avanços sociais ainda temos muito a realizar por uma sociedade mais justa e harmonicamente desenvolvida. Fica o agradecimento público à equipe da ECA (Escola de Artes e Comunicações da USP), que nos recebeu com muita boa vontade e disposição no Butantã, na Cidade Universitária. Essas pessoas dedicadas e abertas fazem a Universidade florescer e evoluir. 

Curti  a Copa do Mundo. Assisti a dois jogos ao vivo (no Mineirão e na Arena Corinthians) e vi pela TV, estarrecido, a devastadora derrota do Brasil perante a Alemanha. 7 a 1! O lado bom é que a festa foi boa, com a imagem do país salva, apesar dos atrasos, improvisos e do mau humor reinante em boa parte do território nacional. Esse mau humor, envenenado pelo ressentimento e pelos ódios arcaicos, foi turbinado pela campanha política mais polarizada desde 1989, com surpresas e reviravoltas dignas de um filme do Costa Gavras. 


Edmur Stoppa, Ricardo Uvinha e eu, na Arena Corinthians, jogo entre Bélgica e Coreia do Sul. 

 A campanha deixou claro o quanto o Brasil ainda tem de reacionário e jeca e o quanto se desvia dinheiro, influência e ações para objetivos particulares, sejam pessoais ou de grupos mafiosos, em quase todos os partidos políticos, em várias instituições em geral, igrejas etc. Claro que um erro não justifica os outros e a corrupção é hedionda, seja em que lado for. 

Mas os avanços sociais no país são reconhecidos no exterior e em parte do território nacional que valoriza um desenvolvimento mais justo, equilibrado e sustentável. Algumas discussões mais fortes acabaram em trocas de insultos nas redes sociais e as mais extremistas eu as resolvi simplesmente cortando a “amizade”, na verdade gente que eu mal conhecia. Alguns poucos mostraram seu ressentimento, inveja e a má-fé, reflexo de vidas frustradas. As pessoas se traem pelas palavras, pelos textos e atitudes. Sem contar o mau humor inerente aos reacionários e medíocres. Isso vale para todos, direita e esquerda mostraram as suas piores facetas nos bate-bocas repletos de boatos, superficialidades, preconceitos e ignorâncias. Dei boas risadas com as provocações e com algumas respostas obtusas e raivosas. Os mais descolados, informados e bem humorados ignoraram os coices ou responderam com a mesma cortante e certeira objetividade irônica ou iconoclasta. Até o Papa Francisco repete que bom humor é fundamental para uma vida plena e saudável. Oremos e aprendamos a rir, de nós mesmos (em primeiro lugar) e dos outros...  

O ano foi marcado por algumas boas viagens. Estive duas vezes em Portugal. Em maio, fui para o III INVTUR, em Aveiro, onde estiveram vários colegas da EACH-USP; em novembro, para o 3ª ISITH, na cidade de Seia, ao pé da Serra da Estrela, onde tive o honroso convite para ser Chair do Seminário. Ir a Portugal, para mim, é uma saudável volta às memórias juvenis, quando trabalhava na Abreu Turismo no Brasil (São Paulo, Rio e Campinas). Também visito um primo, o Gabriel, que lá vive há mais de vinte anos, casado, duas filhas e sempre uma boa conversa sobre as coisas da vida. Outra visita importante é ao João Pereira, hoje com 75 anos de idade. João era Director de Cruzeiros do navio Funchal, onde trabalhamos juntos por quatro temporadas (1979 – 1985) e tornou-se um grande amigo. Sempre nos encontramos no Rossio e almoçamos em um pequeno restaurante, o Ano Novo, algo que já virou um ritual. Entre garfos e copos falamos da história, dos espaços e das memórias vivenciadas ou imaginadas em nossos mundos.

A viagem aos Estados Unidos (Mobile, Alabama), para o Congresso da World Leisure Association, com meu amigo Ricardo Uvinha, foi marcada por uma grande perda. Nosso aluno da EACH, Douglas Ribeiro, afogou-se na piscina e morreu após seis dias na UTI. Poucas vezes senti tanto a morte de alguém que não fosse parente ou amigo íntimo. Tudo o que acnteceu escrevi neste blog, em uma postagem anterior. Deixo uma referência respeitosa à memória do Douglas e um profundo reconhecimento à comunidade de Mobile, às autoridades norte-americanas envolvidas, à EACH-USP pelo apoio que nos deu e aos alunos e alunas do curso de Lazer e Turismo que souberam homenagear seu colega com dignidade e ternura.

Lancei livros, publiquei artigos, fui a bancas e eventos em João Pessoa, Caxias do Sul, Rio de Janeiro, Fortaleza... Nossa área de turismo cresceu ainda mais com a autorização dos doutorados da UNIVALI-SC e da Universidade de Caxias do Sul (RS), a serem implementados no início de 2015. Nosso mestrado da EACH foi aberto no início de 2014, e claro que nosso objetivo futuro é também criar um doutorado. 


 Livro organizado pelo Alexandre Panosso e por mim, lançado em inglês pela Springer (Alemanha).

 Ainda há questões para resolver em nossa área acadêmica, o Turismo. As gerações mais velhas, da qual já faço parte, precisam compreender que as novas gerações são importantes e devem ser incentivadas em seus trabalhos de ensino, extensão e pesquisa. Anda falta uma unidade maior entre nossos programas de pós-graduação e uma disponibilidade mais generosa em relação aos outros. Analisando objetivamente, somos uma área pequena e com pouca relevância no cenário acadêmico nacional. Nosso programa mais conceituado na CAPES (o da Univali-SC, todos os outros estao entre 3 ou 4) tem nota cinco (a maior é sete), o que é normal haja vista a juventude desses cursos de pós-graduação. Não chegamos a uma dezena de programas em todo o Brasil e temos um longo caminho pela frente. Portanto, temos que nos unir mais, trabalhar juntos e incentivar nossos valores internos com espírito de equipe, ou então seremos uma área pequena, frágil e dividida. Há que superar vaidades paroquiais e suscetibilidades arcaicas, temos que pensar grande, de maneira competente e magnânima para nosso futuro, afinal turismo (e hospitalidade, cultura, meio ambiente, lazer) é prazer e um amplo leque de possibilidades que apenas dependem de nossa imaginação, trabalho e vontade. 

Termino o ano no Mediterrâneo, um dos lugares que mais gosto no planeta (depois do Brasil).  Estou em Barcelona (26 de dezembro), daqui a pouco embarco no navio Spirit (NCL) e só volto ano que vem.  



Que 2015 seja um ano ainda melhor para todos nós, que convivamos mais com nossos parentes, amigos e colegas, que saibamos superar as atribulações e tentações e fujamos dos afetos desordenados que tantos males causam a nós mesmos. Muita paz, amor, tesão, um monte de prazeres físicos, espirituais e intelectuais para todos e todas.