Na última viagem à Portugal (novembro, 2014) revi algumas de suas características históricas e estruturais que marcam o imaginário e o cotidiano do país. Mesmo revendo ou descobrindo nuances antes desapercebidas, qualquer lugar do mundo possui facetas que não se desdobram completamente ante nossos olhos e demais sentidos. O fato de falar a língua e conhecer parte de sua cultura facilita algumas leituras do real, mas a memória e as experiências passadas moldam parte das percepções. Vejo, sinto e penso com olhos do passado, do presente e dos sonhos.
A Europa não é apenas as grandes cidades globalizadas e excitantes, mas persistem as pequenas aldeias como essa, situada ao pé de um viaduto ferroviário, na encosta de uma elevação, a caminho da Serra da Estrela.
Em Lisboa, no Rossio, bem na parte central, sobrevive uma portinha onde vende-se apenas um protudo: a Ginjinha. Segundo a wikipedia portuguesa, ginjinha, ou simplesmente ginja, é um licor obtido a partir da maceração da fruta da ginja (nome científico Prunus cerasus), similar à cereja, muito popular em Portugal. É costume servi-la com uma fruta curtida no fundo do copo, popularmente dito "com elas", ou, quando pura, "sem elas".
Nos painéis das paredes da minúscula loja (uma portinha, apenas), estão versos elogiosos à bebida, com forte louvação à masculinidade e à saúde.
Versos laudatórios pendem das paredes como forma arcaica de marketing de produtos.
Durante todo o dia portugueses e estrangeiros fazem filas para beber um copinho do elixir, por apenas 1,30 euro.
A caminho do Castelo de São Jorge, perto da Sé de Lisboa, passam os elétricos (bondes), grupos de turistas a pé e versões adaptadas dos tuk tuks asiáticos. São uma mescla de motocicleta e carro para duas pessoas que percorre os pontos da cidade histórica.
Os ônibus, metrôs, trens (comboios), táxis, bicicletas e ônibus de turismo completam as possibilidades de transporte pela cidade. Esse mural acima está na moderna estação de metrô Oriente, onde se conecta com a famosa estação ferroviária em linhas modernas (inaugurada em 1998), o shopping center e a área às margens do Tejo que foi reurbanizada no final do século passado.
A centenária Casa Macário, inaugurada em 1913 e situada na Rua Augusta, 272, no Rossio, é um famoso entreposto de vinho do Porto, aguardentes velhas, aguardentes, chás, chocolates, champanhe, licores e outras delícias gourmet. Em suas prateleiras estão os vinhos do Porto das décadas de 1950...
... ou 1930. O preço das garrafas mais antigas e de safras especiais chega a 700 ou 800 euros. A média das garrafas menos antigas oscila entre 100 e 300 euros.
Além do vinho, o pão. Em Seia, norte de Portugal, ao pé da serra da Estrela, há um famoso Museu do Pão. É uma iniciativa privada, com quatro salas de exposição, sendo uma sala temática que reproduz o modo de vida dos lusitanos há 2.000 anos, só que vivenciada por duendes, fadas e outras criaturas dos remotos tempos míticos europeus. Possui também um bar e uma loja com todos os tipos de pães e outras comidinhas locais.
Em suas vitrines há cópias de todos os tipos de pão, além de alguns textos significativos que mostram a importância que esse alimento primordial possui há milhares de anos. Comecemos a mostra dos textos pelo clássico Antonio Vieira (acima).
Em um totem há as características do principais cereais que produzem o pão. Trigo é o mais nobre...
... seguido por outros não menos importantes.
Note a brevidade e rudeza dos textos, característico dos antigos camponeses que dependiam desesperadamente das colheitas para sobreviver aos terríveis invernos e períodos de carestia.
O pão, assim como o vinho (ou a cerveja) é uma benção, um sinal e um símbolo da vida em comunidade, das famílias e dos clãs, dos momentos de paz e de prosperidade.
O poeta chileno Neruda mostra como o pão é um valor universal.
Assim como o painel de azulejos com os diversos nomes do pão em várias línguas do mundo.
No meu último dia em Lisboa, um domingo, reuni-me com o velho amigo João Francisco Ribeiro Pereira, sua esposa, Flávia, e seu filho, João Miguel. João Pereira foi nosso Diretor de Cruzeiros no navio Funchal, na América do Sul, na década de 1980. Ficou a amizade e cada vez que vou a Portugal nos encontramos no restaurante Ano Novo, bem perto do Rossio, para celebrarmos as nossas histórias. dessa vez conheci toda a família.
Em um dos domingos outonais terminei o dia na Praça do Comércio, à beira do Tejo.O crepúsculo foi mais uma dádiva da viagem.
Os sons da cidade se perdiam na imensidão das águas e dos céus flamejantes.
Daqui saíam as naus rumo aos novos mundos que Portugal buscou e colonizou. Daqui vieram vários dos nossos antepassados, a nossa língua, receitas gastronômicas, jeitos de ser e de pensar. O Brasil tem muito de Portugal, de outros países da Europa, da África, do planeta todo, mas as raízes lusitanas são primordiais. Entre o passado e o futuro vivemos esse presente que nos é exclusivo e temporal. Viver a existência com essas cores, cheiros, sons, sabores, cenários e memórias, para quem já tem uma história com o país, enriquece a vida e nos ajuda a entender - ou aceitar - as dúvidas e delícias que nos envolvem.