sábado, 31 de maio de 2014

Vai ter Copa




Alguém  pensa seriamente que podemos cancelar agora, na véspera, um evento como a Copa do Mundo no Brasil? Só se a gente fosse mesmo muito sem noção, irresponsável ou porra-louca ao extremo. Pensemos algumas questões: 

 
No passado mais ou menos recente, algumas pessoas escolheram opções equivocadas com base em informações fragmentadas, fatos mal interpretados ou distorcidos de acordo com suas preferências, preconceitos, ideologias ou até mesmo em virtude de suas frustrações pessoais. 

Por exemplo, entre abril e junho de 1982, a Argentina invadiu as ilhas Malvinas, dominadas pelo Reino Unido, desde o século XIX (1833). A guerra foi uma manobra da ditadura argentina para atrair demagogicamente a população face ao fracasso das medidas desastrosas do regime militar. Sem contar que a superioridade tecnológica e militar dos ingleses não oferecia grandes chances de vitória para a  Argentina. Mesmo assim, vários brasileiros apoiaram a ditadura argentina como uma tática contra o imperialismo britânico. De nada adiantou, os argentinos foram varridos das ilhas em poucas semanas e recentemente as Falklands comemoraram os 40 anos da vitória. 

Por ocasião dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, alguns brasileiros “nacionalistas” apoiaram os fanáticos islâmicos que realizaram os atos de barbárie nos Estados Unidos. Não viram que esses ataques despertariam a fúria assassina dos mais reacionários representantes da águia norte-americana e que isso desencadearia uma sequencia de guerras (Afeganistão, Iraque) e de novos ataques terroristas pelo mundo. Sem contar que quase três mil pessoas inocentes perderam a vida (sem contar os feridos e o prejuízo imobiliário) de uma forma espetacular, midiática e estúpida. 

Dessa vez é a Copa do Mundo de 2014 aqui, no Brasil, que se tornou alvo de uma minoria de pessoas que teima que não terá Copa.

Há pelo menos dois tipos de torcidas contra. A primeira torce apenas contra a seleção brasileira de futebol porque imagina que se o Brasil ganhar o hexa campeonato isso facilitará a campanha do PT para a reeleição presidencial. É uma posição partidária, mas entende que a Copa deve acontecer normalmente para não atrapalhar a imagem do Brasil no exterior e os negócios inerentes a essa imagem, já razoavelmente comprometida em função da bagunça nacional. O segundo tipo torce para que a Copa sequer aconteça. Esse segmento delirante é composto por uma pequena parte da extrema esquerda e uma pequena parte da direita nacionalista e atrasada. É um tipo de ranço raivoso e pueril que faz algumas pessoas reagirem de forma desmesurada perante um problema real. Alguns são simplesmente chatos, ranzinzas ou problemáticos. Outros cristalizaram alguma posição ideológica e teimam até o fim. 


Mas enfim, como será Copa do mundo no Brasil? Essa é a pergunta de alguns bilhões de dólares. 

Vai ter Copa. Isso é evidente. Não se pode solicitar a participação em um empreendimento desses (nós quisemos, e na época poucos reclamaram); articular empresas, governos e instituições em dezenas de projetos por todo o país; gastar (bem ou mal) alguns bilhões de dólares; prometer mil coisas e criar expectativas nacionais e globais; estar em destaque na mídia global, com a bundinha exposta na janela e depois dizer: não brinco mais. Terá Copa sim. Pode ser meio bagunçada, a logística falhará em alguns pontos (espero que em nenhuma área vital), os protestos ocorrerão em algumas cidades e os ganhos serão capitalizados pelos governos, assim como as perdas e os danos serão motivos de trocas de acusações entre a FIFA, governos e empresas.

Ainda há um clima morno, chocho, até frio, a poucos dias do início dos jogos. É provável que depois da abertura, dia 12 de junho (dia dos namorados no Brasil), se tudo correr razoavelmente bem, o clima esquente e, com as vitórias em campo, o humor e o tesão nacionais aumentem. Os que querem simplesmente melar a Copa têm uma visão espúria e infantil da realidade.

Alguns dos meus vizinhos, em Campinas (SP) já decoram seus apartamentos. Isso deve aumentar nos próximos dias.

Mas, há motivos suficientes para as críticas, não podemos ignorar os problemas, a bagunça e o "mal feito":

atrasos nas obras;
superfaturamento dos custos dos estádios;
medidas autoritárias por exigência da FIFA (que nunca escondeu suas exigências radicais, aceitas explicitamente quando o Brasil se candidatou);
demagogia no geral por parte de alguns políticos;
incompetência nos três níveis governamentais (federal, estadual e municipal) para viabilizar os projetos, cuidar das questões ambientais e, finalmente, promover licitações corretas e transparentes. 

Pelo menos os estádios estão prontos. Já os tão desejados legados, foram entregues pela metade ou inacabados, alguns foram simplesmente cancelados como o mítico e encantado trem-bala Rio-São Paulo. Hoje muitos percebem que doze sedes é um exagero. Cidades como Brasília, Natal, Cuiabá e Manaus nem deveriam sediar o evento, pois os estádios não terão uma ocupação sistemática pelo simples fato de não haver grandes times no pedaço, sem contar  a distância geográfica, no caso das duas últimas. Mas agora não adianta, feito está.
 
A discussão sobre a Copa acontece em um contexto nacional complexo. Há um ano ocorreram grandes manifestações populares nas cidades brasileiras por causa de aumentos das tarifas de transportes, falta de infraestrutura, corrupção, impunidade e descontentamento com várias carências e desmandos do país. Neste ano, de 2014, a proximidade das eleições gerais para presidente e governadores traz novos desafios e achaques políticos, pois parte da oposição conservadora está transtornada com a possibilidade do PT ficar mais quatro anos no governo federal. Então os embates mesclam as arenas esportivas com as arenas políticas, sociais e econômicas.

Nas redes sociais essas discussões atingiram altos índices de teimosia, desinformação, estupidez e alguma cavalice existencial. Isso não é ruim, pois o debate se faz necessário e o país precisa se olhar nos olhos e ser olhado, criticamente, pela comunidade internacional. O que é um pouco desnecessário são algumas posições inflamadas, principalmente de uma direita retrógrada, ressentida e frustrada,  assim como algumas pílulas de parte da esquerda amargurada. Mas essa esquerda tem mostrado muito mais bom humor e savoir faire que vários coxinhas basbaques.
  



A edição de maio da revista alemã Der Spiegel espinafrou a organização da Copa e a segurança das cidades brasileiras. Cabe a nós mostrar que houve exagero por parte deles. Ou, então, confirmar suas funestas expectativas.


A Adidas surfou na imagem erótica e sacana que o Brasil possui no exterior. Essa imagem foi alimentada durante décadas pela propaganda oficial da ditadura militar e ainda hoje é veiculada em filmes, músicas e pelas ruas e praças do país. O Brasil é um destino sexual. 



 Mas a hipocrisia nacional se nega a ver algumas coisas óbvias como, por exemplo, menininhas se prostituindo na noite das grandes metrópoles ou na beira de algumas estradas. Fica a piada com a indignação. 

Centenas de colunas, entrevistas, blogs e reportagens já foram escritas sobre a nossa Copa. 
Reproduzo uma das entrevistas, realizada com Roland Bonadona, um francês que conhece como poucos o turismo brasileiro, onde reside há 20 anos. Bonadona comanda há quase uma década a ­Accor no Brasil, maior rede de hotéis no país, com mais de 30 000 leitos. Desde 2013, Bonadona acumula também a direção da rede para as Américas.

Para ele, a realização da Copa do Mundo seria a chance de ouro para ampliar significativamente o número de turistas que visitam o país anual­mente. “Infelizmente, não tivemos um time de especialistas que pudessem ajudar o Brasil a aproveitar todo o potencial da Copa”, diz. Confira trechos da entrevista retirados do site da revista Exame.

1) EXAME - O que significa para o turismo de um país a realização da Copa do Mundo ou da Olimpíada? 

Roland Bonadona - São oportunidades únicas, e o potencial de ambos os eventos é enorme. A Copa do Mundo é a maior vitrine para o turismo que se pode imaginar.
Antes de o evento começar, a mídia internacional produz conteúdos sobre o país e suas particularidades. Durante os jogos, são centenas de milhões de pessoas absorvendo informações sobre o país.

2) EXAME - E o Brasil soube aproveitar? 

Roland BonadonaNão. Quase nada foi feito para promover o turismo. O governo preferiu acreditar que o Brasil se venderia sozinho. Não é o suficiente. O país tem recursos naturais, cultura e talvez o maior número de locais tombados pela Unesco.

3) EXAME - O que foi feito?

Roland BonadonaForam construídos hotéis que vão modernizar o parque hoteleiro brasileiro. Os aeroportos melhoraram, ainda que estejam longe do ideal. Isso aumenta a qualidade da recepção aos turistas antes e depois dos jogos. Não podemos dizer que perdemos tudo, que gastamos uma fortuna e não seremos recompensados. Seremos, mas poderíamos ser muito mais.

4) EXAME - Faltou planejamento? 

Roland BonadonaA estratégia foi mal definida. Quem cuida da promoção do Brasil no exterior são a Embratur e o Ministério do Turismo. São dois órgãos que deveriam ter especialistas em promoção do turismo, mas não têm. O governo estava mais preocupado em controlar o preço de hotéis e de passagens aéreas.

5) EXAME - Por que o turismo foi colocado de lado? 

Roland Bonadona O Ministério do Turismo não é valorizado. A pasta é considerada irrelevante pelos políticos. Isso mostra que nem o governo enxerga o setor como importante. Mas nele há criação de empregos, investimentos e arrecadação de impostos.

6) EXAME - Quais países conseguiram um legado para o turismo com a Copa do Mundo?

Roland Bonadona A Alemanha fez um belo trabalho. Promoveu o destino e a ideia de que os alemães são acolhedores. A França também soube impulsionar o turismo. De quebra, ambos conseguiram alavancar a autoestima da população.

7) EXAME - O que ainda pode ser feito? 

Roland BonadonaAgora o que resta é focar ações de marketing digital em redes sociais, como ­YouTube e Facebook. Não é algo que exige um investimento alto.


Quanto aos números, o site UOL tem uma seção especial sobre a Copa, com notícias, histórico, fatos e dados. Aqui trago um resumo comparativo. Dos estádios, todos estouraram o orçamento e a Arena Itaquerão foi capa da revista Exame de maio de 2014. 

Entenda os custos da Copa, o retorno previsto e de onde vieram os gastos. Não foi apenas o governo federal que botou dinheiro na festa, como está bem  demonstrado.   

Estádios Reformados                       Custo Inicial              Custo final (Milhões de Reais)

Mané Garrincha                                             745                  1.400  
Maracanã                                                       600                  1.050
Mineirão                                                        426                    695
Fonte Nova                                                    592                    689
Castelão                                                         518                    623
Beira Rio                                                       130                    330
Arena da Baixada                                          184                    326

Estádios Construídos                       Custo Inicial              Custo final

Itaquerão                                                       820                  1.170
Arena Amazônia                                            515                    669
Arena Pernambuco                                        529                    532   
Arena Pantanal                                              424                    570
Arena das Dunas                                           350                    400

Quanto a FIFA ganha com a Copa: US$ 4 bilhões ou R$ 8,8 bilhões

Quanto o Brasil investe:       R$ 28,1 bilhões

Financiamento federal:          R$ 8,7 bi
Orçamento federal:                R$ 5,6 bi
Recursos privados:                 R$ 6,5 bi
Recursos locais (estadual
e municipal):                           R$ 7,3 bi        

Impacto previsto no Brasil: R$ 16,8 bi – arrecadação de tributos
                                               R$   9,4 bi – turismo
                                               R$   5 bi  - consumo das famílias
                                               380 mil empregos temporários
                                               330 mil empregos permanentes
                                               + 0,4% do PIB anual até 2019

Finalmente, veja algumas informações conseguidas em uma pesquisa sobre as expectativas dos brasileiros com a Copa. É um material inédito e altamente técnico, coordenado pelo prof. Alexandre Panosso (EACH-USP). Acesse:


As informações oficiais sobre o evento estão no Portal da Copa: http://www.copa2014.gov.br/

Então, vai ter Copa. Como será? Saberemos tudo ao anoitecer do domingo, 13 de julho de 2014, quando tudo terminar. Que os jogos comecem e que o Brasil saia dessa melhor do que entrou. Merecemos a festa, a farra e a esbórnia. A pior coisa que pode acontecer para a malha de serviços turísticos e de hospitalidade brasileiros é melarmos a nossa Copa do mundo. Isso é burrice. Uns erros não justificam os outros erros. 

Depois continuamos a protestar e a exigir aquilo que entendemos ser ideal para nossa sociedade. Por hora, apesar da bagunça, é torcer e curtir. 


Pensemos. Que imagem gostaríamos que o Brasil tivesse ao final da nossa Copa do mundo? Que os jogos comecem.  

Luiz Gonzaga Godoi Trigo




terça-feira, 13 de maio de 2014

Coxinhas: estilos e taxonomia



Uma palavra nova para um estilo antigo

No princípio o novo significado da velha palavra, coxinha, ofendia genericamente seus alvos, as pessoas que se consideram bem intencionadas e preocupadas com o presente e o futuro de nossas sociedades, atoladas na baderna e na corrupção.  Seria uma ética e estética  social pretensiosamente diferenciada, algo parecido aos antigos conceitos de sangue bom,  sangue puro, cristãos velhos ou nobres de quatro costados. Gente que faz questão de mostrar que não pertence à “essa gentalha que está aí”, mesmo que seus “costados” tenham vindo das classes populares há apenas duas ou três gerações, migrados de outras regiões do Brasil ou de outros países, imigrantes pobres que vieram “fazer a América”.  



Depois o termo ficou mais leve e menos estigmatizado, especialmente pelos que não estão nem aí com a discussão e vivem sua coxice em paz. 

Não há definições ou conceitos sociológicos restritos para o termo coxinha. O que existe está na internet e é recente, algo surgido no início dessa década (por volta de 2010). Em um dos blogs do site IG, está um indício de definição: “Consigo selecionar três perfis que acessam a página: os que acham graça e não sabem direito quem são os ‘coxas’, os que não gostam e ficam bravos ao se identificarem e, por fim, aqueles que se assumem e não veem problema nenhum. E também tem as mulheres, carinhosamente chamadas de ‘coxetes’”, conta Lucas, autor do Dicionário Coxês-Português. Mas o publicitário confessa que todo mundo tem um pouco deles dentro de si.”  


Pelo menos duas publicações da grande imprensa mergulharam superficialmente (sic) no tema. A Folha de S.Paulo (22/04/2012), notou que é uma gíria paulistana para pessoas engomadas, certinhas, que seguem a maioria, gente convencional e conservadora, orgulhosa de seus atributos herdados ou conquistados. Você pode ler a matéria no link:

 
Um dos estudos mais profundos saiu no diário Correio do Brasil (23/06/2013) que, no contexto dos protestos de junho de 2013  reuniu o sociólogo Leonardo Rossato e o professor de português Michel Montanha, que elaboraram uma “análise sociológica” do coxinha e apresentaram uma hipótese sobre sua origem:

“Coxinha, sociologicamente falando, é um grupo social específico, que compartilha determinados valores. Dentre eles está o individualismo exacerbado e dezenas de coisas que derivam disso: a necessidade de diferenciação em relação ao restante da sociedade, a forte priorização da segurança em sua vida cotidiana, como elemento de “não-mistura” com o restante da sociedade, aliadas com uma forte necessidade de parecer engraçado ou bom moço. Até algum tempo atrás, eles não tinham essa necessidade de diferenciação. A diferenciação se dava naturalmente, com a absurda desigualdade social das metrópoles brasileiras. Hoje, com cada vez mais gente ganhando melhor e consumindo, esse grupo social busca outras formas de afirmar sua diferenciação. Para isso, muitas vezes andam engomados, se vestem de uma maneira específica, são ‘politicamente corretos’, dentro de sua noção deturpada de política, e nutrem uma arrogância quase intragável, com pouquíssima tolerância a qualquer crítica. Engomados, bons moços, preocupados em acentuarem suas diferenças do resto da sociedade, inimigos da crítica... Acabaram ridicularizados pelo restante da sociedade. Antes dos protestos, eles só eram visíveis em São Paulo. Coxinha era fenômeno tipicamente paulistano. O coxinha, paradoxalmente é um símbolo do amadurecimento da nossa sociedade, concluiu o jornal: a sociedade brasileira amadureceu porque a estrutura de classes sociais tornou-se mais complexa e diferenciada.”


Distinção, moda, lazer e consumo conspícuo realmente fazem parte do universo dos coxinhas. Só encontro um problema com esta explicação: ela naturaliza uma condição humana que na realidade é produzida socialmente. Ou seja, os coxinhas são coxinhas porque adotam um determinado sistema de crenças e valores compartilhado por outros iguais. Não são coxinhas porque a natureza os fez assim. Eles escolheram ser o que são.”

É um termo novo para designar uma realidade bem antiga, marcante nas sociedades aristocráticas ocidentais e orientais. Ampliou-se com a burguesia nascente europeia, descrita em filmes, livros, musicais e peças de teatro. Podemos abusar e aventar que Thomas Mann faz descrições sublimes sobre a coxice em textos como Buddenbrooks (1899); Tonio Kroger (1903); e na estética bela e angustiante de Morte em Veneza (1912), para ficar em apenas algumas de suas obras e em um único autor. 

Nota acadêmica: Os estudiosos do lazer, turismo, sociologia devem curtir muito Thorstein Veblen, The Theory of the Leisure Class. New York: Macmillan (1899), fundamental para se analisar consumo e lazer conspícuo. Sugiro ainda as obras de Gilles Lipovetsky (A Felicidade Paradoxal: Ensaio sobre a sociedade do hiperconsumo; O Império do Efêmero: a Moda e Seu Destino nas Sociedades Modernas; A Inquietude do Futuro: o tempo hiper-moderno; O Luxo Eterno: da Idade do Sagrado ao Tempo das Marcas) para complementar as análises sobre sociedades contemporâneas e consumo.

Quem quiser pesquisar um pouco mais sobre os estilos, manias, anedotas e suscetibilidades dos coxinhas, pode acessar os seguintes sites: 



Taxonomia  dos coxinhas e coxetes

Não há conceito hegemônico, único, para o universo dos coxinhas. Até mesmo gente dita da esquerda caviar  tem seus laivos de coxices e frescuras. Se bem que eu prefiro o termo esquerda trufa branca, porque é mais chic e enfurece intensamente os coxinhas amargurados (veja mais adiante).  Por outro lado, vários esquerdistas (ou pseudo) quando sobem ao longo das escalas de sucesso, seja financeiro, político, sindical ou acadêmico, também adquirem inequívocos exemplos de coxice sacramentada, especialmente vinhos, charutos, gastronomia e os mais variados e exóticos hobbies, inclusive o sexo.
Mas vamos para uma tentativa de classificação dos coxinhas em si. Na matéria da Folha de São Paulo há uma diferenciação entre coxinhas, playboys, mauricinhos e lelesks (playboys cariocas), mas os coxinhas são os mais caretas, dogmáticos e, eventualmente, chatos e recalcados. Para essa análise usei os poucos estudos existentes e algo empírico-participativo. Não há neste texto construções conceituais, métodos formais ou uma epistemologia elaborada, apenas rudimentos semi-hermenêuticos. Em suma, a taxonomia dos coxinhas foi feita meio no meio nas coxas. 

OBS.: Os exemplos servem para homens e mulheres, apesar de algumas vezes estarem apenas no masculino:

Coxinha feliz – Estão de bem com a sua vida, estilo e grana. Não são necessariamente ricos, mas tem seus desejos e caprichos satisfeitos. Não se preocupam com a vida alheia, curtem os bons momentos e seu glamour sem encher a paciência dos outros (a não ser em suas empresas), pois não são ressentidos ou recalcados com suas carências. Alienados sociais? Claro, mas felizes da vida. Muitos trabalham com assistencialismo, curtem ondas new age e misticismo light. Postam coisas fofas e emotivas na internet. 



Coxinha activia e Johnny Walker – São ricos e pragmáticos. Machos e fêmeas alfa. Assumem sua posição social estável e elevada e estão pouco  se f...... para o mundo. Também não enchem o saco por causa de políticas ou partidos, estão bem acima disso, em seus helicópteros, jatinhos, coberturas e iates. São ínfima minoria da população. 


Coxinha indignada – É raivosa, ressentida e cheia de pruridos contra “o que está por aí”. Tem muito de hipocrisia e outro tanto de ingenuidade. Fala de direitos e deveres éticos, mas usa de influências para burilar ou obter favores fora da fila normal. Já teve momentos melhores na vida, mas hoje se contenta com uma segunda linha de status e poder aquisitivo. Típica classe média alta. Claro que a culpa de suas perdas foi do governo comunistóide que está aí. É abundante nos altos escalões dos setores privado e público. Provavelmente já foi cornead@.  


Coxinha temerosa – Tem medo de perder o pouco que tem. É classe média remediada, foi uma vez para a Disney World e acha que conhece os Estados Unidos e toda sua problemática sócio-política, cultural e econômica. Pode ficar em dúvida se é mais americanalhada ou nacionalista, fruto de sua confusão mental e raiva de não ter o dinheiro que gostaria.  


Coxinha chatinha – É uma mescla de Mauricinho, bom menino, limpinho, pensa que é ético, mas é perturbado com o  estilo do país e do mundo e em geral. Mete-se em encrencas porque delira e imagina viver em outra realidade. Faz caras e bocas de superior a tudo  e a todos, inclusive em relação aos outros coxinhas. 


Coxinha sertaneja – São os agroboys and girls, fruto da riqueza pujante do agrobusiness brasileiro.  Os que são realmente ric@s estão nas duas primeiras categorias, ou seja, nem aí para a geral.


Coxinha religiosa – Reza a Deus e a todos os santos, padres e pastores, para que os comunistas no poder saiam e voltem os militares com seus valores sagrados, decentes, familiares. Ficariam molhadinh@s se lessem (e entendessem) Nelson Rodrigues. 

Coxinha raivosa – É o tipo Lobão e outros exemplares metidos a machão alfa (mas tem rapadura que é cupcake...), valente, brigão e acha que sabe tudo porque lê Veja, Seleções e o Almanaque do Escoteiro Mirim. Deixou de ler a versão em português da The Economist (é monoglota), porque sai na Carta Capital, revista chapa branca do governo. Em termos econômicos abunda na classe média; em termos culturais é básica. 


Coxinha beta – É coxinha da segunda ou terceira linha econômica. Sabe que não é alfa, já se conformou com isso, porém murmura e se lamuria pelos cantos. Se faz de vítima do sistema, mas com grande dignidade.   


Coxinha provocadora – É inteligente, bem com a sua vida, mas adora provocar o povo ressentido. Possui um sadismo lúdico e sabe como irritar tanto os defensores da esquerda quanto os detratores conservadores raivosos, temerosos e indignados. 


Coxinha ressentida – Abunda na parte da classe média que caiu de nível sócio-econômico pelos mais diversos motivos, mas adora jogar a culpa de suas asneiras ou limitações no governo. Fica genuinamente indignada, briga, fala coisas desagradáveis para os outros e projeta suas frustrações. É mais sofrida que os outros pois pensa que não tem o dinheiro e prestígio que merece.




Pseudo-coxinhas – São os que aspiram ser coxinhas, os pretenciosos, mas não conseguem. São pobres, endividados, preocupados com o que os outros vão falar e pensar deles... Não se assumem e nem se divertem, especialmente por causa de seus preconceitos arcaicos. 


O sonho dourado dos coxinhas e assemelhados.

Coxinha amarga – É uma criatura psicologicamente perturbada, desesperada, infeliz. Seu reacionarismo e más condições sócio-econômicas pioram sua já lamentável existência. Está em um estágio abaixo da coxinha ressentida. 

Coxinha progressista – Está próxima das fronteiras da esquerda trufa branca. Tem certa consciência social, mas ainda se prende às suas raízes pequeno-burguesas. Vive seu imaginário em uma fronteira confortável.

Claro que esse arremedo de taxonomia não se esgota, seja no conteúdo ou em sua estrutura. A sociedade é algo muito dinâmico, portanto algumas novas categorias podem ser inseridas. Uma ótima taxonomia seria também a da nossa esquerda, com as suas divisões e sub-divisões, dos fundamentalistas aos reformistas, passando pela esquerda caviar e trufa branca, mas isso é outra história.   

Enfim, esse texto não é um tratado sociológico. É apenas humor, sátira, curtição, então se você se identificou com alguma dessas categorias ... it´s up to you, um termo bem coxês.


Para terminar, deixo o link com a diatribe contra aqueles que usam o termo coxinha, feita pelo arcaico-raivoso Lobão. Claro que saiu na revista Veja, famosa lápide do que há de mais reacionário e coxoso neste país: