terça-feira, 30 de outubro de 2012

Balneário Camboriú, SC - desenvolvimento anômalo

Em dezembro de 2011, a revista Exame publicou uma matéria sobre as dez regiões que mais crescem no Brasil. Itajaí, em Santa Catarina, foi um dos destaques. Itajaí, Joinville, Blumenau e a capital, Florianópolis, são cidades desenvolvidas que reúnem indústrias, serviços, infra-estrutura portuária e turismo. Muito dinheiro está sendo gerado e gasto na região.


Parte do imaginário turístico sobre o litoral catarinense repousa nessa imagem.  A foto foi tirada em Balneário Camboriú. É uma praia de quase sete quilômetros de extensão que reune prédios de apartamentos, residências primárias ou secundárias de gente que enriqueceu, de várias maneiras, na região. O imaginário remete à tranquilidade, à placidez da natureza...



... bem diferente do que se vê, se a gente virar 180 graus. A praia foi tomada por uma muralha de concreto que começa a grande altura bem em frente ao mar, ao longo da Av. Atlântica, e avança para o interior.Na faixa litorânea os preços começam com quase um milhão de reais e sobem saudáveis, de acordo com a ambição e o bolso do consumidor.
 
O resultado é a queda da qualidade de vida em geral.  Essa é uma das vistas do 12º andar do Hotel Plaza Camboriú. Vive-se cercado de edifícios caoticamente reunidos numa urbe sem planejamento, sem respeito pelo meio ambiente e sem observar sua capacidade de carga. Essa desgraça, vendida como progresso e desenvolvimento, se repete em muitas cidades do litoral brasileiro.


Com o crescimento econômico nacional e regional, uma segunda onda de construções foi detonada nos últimos anos. Dá para perceber a diferença qualitativa entre a arquitetura mais antiga (direita) e a mais nova, com prédios alvos cobertos por uma película de vidros esverdeados, em linhas curvas e ousadas. Vários desses edifícios pós-tudo têm entre 30 e 46 andares. São os mais altos do país.



Mas isso não é o suficiente para a cidade que sonha em ser um tipo de Dubai tropical. Talvez não saiba que seu arquétipo urbano está em crise e passou por uma bolha imobiliária da qual ainda não se recuperou. Sem contar os vastos danos ambientais que assolam Dubai e são censurados pela bilionária família, proprietária e ditadora dessa fatia dos Emirados. Mas isso não se comenta no Ocidente, pois eles são nossos parceiros comerciais privilegiados.


A mini-Dubai sub-tropical proclama ser a futura sede do mais alto prédio residencial da América Latina, uma torre com mais de 60 andares, a ser construída quase em frente ao mar (poluído durante todo o verão). o projeto será instalado em uma estreita faixa de terra, ao lado de um riozinho imundo que corta a barra norte da cidade. Os apartamentos, com uns 140 metros quadrados, custam quase dois milhões de reais. Vai demorar cinco anos para o projeto ser entregue e as reservas estão sendo feitas.


O prédio está sendo lançado por uma construtora local, a FG Empreendimentos, uma das donas das novas e espetaculares torres da cidade.Veja no site:

http://www.fgempreendimentos.com.br/lancamentos/infinity.cfm



Postei a foto da maquete ontem, no facebook, e muita gente perguntou se o projeto estava dentro do plano diretor da cidade, se respeitava o meio ambiente e se havia tratamento de águas servidas. Ha ha ha ha ha.  Está vendo todos esses prédios? Por que você acha que no verão as águas do Atlantico ficam poluídas? A capacidade de carga da praia estouros há umas duas décadas, e continua bombando. Veja o que o Ministério Público de Santa Catarina tem a dizer:

"Santa Catarina não deve cumprir uma das principais Metas do Milênio, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud): reduzir pela metade o percentual da população não atendida por esgoto sanitário entre 1990 e 2015. Hoje, só 12% da população do Estado tem acesso à rede de esgoto. Em 1990, o índice era de 9,5%."

Fonte: http://saudefloripa33pj.wordpress.com/2011/02/06/vergonha-saneamento-de-sc-em-2015-ainda-sera-pessimo/

O gigante imobiliário, revestido de alvura marmórea e vidros espelhados, tem seus alicerces fundados em cocô.

Durante o verão a cidade encalacra porque o trânsito, com suas ruelas estreitíssimas (poucas avenidas são mais largas) entra em colapso. A avenida Brasil, faixa de desfile de Porshes e Ferraris nos finais de semana, tem apenas duas faixas. Ali, no auge da estação ensolarada, Lamborghini anda à velocidade de carroça. Mas (quase) todo mundo se diverte.

Isso não acontece apenas em Balneário Camboriú. Florianópolis tem sido sistematicamente desrespeitada pelos interesses imobiliários que contornam (sic) a legislação para destruir morros, manguezais, dunas e amontoar edificações em escala absurda. O mesmo pode se dizer de muitas cidades do Brasil. Em São Luís (MA), recentemente o MP obrigou a divulgar os índices de contaminação das praias, o que afugentou os turistas informados. A baixada santista, em São Paulo, já entupida de gente e carros, passa por mais um processo de valorização imobiliária e novas construções. O verão encontrará mais e mais gente vivendo nos paraísos tropicais, agitados, descolados e contaminados.E pagando caro por isso.


Outra foto que postei no FB e fez sucesso foi essa, do melhor hotel da cidade, o Mercure. Desde sábado está fragmentado em seu brand , algo que o gerente bem poderia evitar com manutenção preventiva. Mais um exemplo do planejamento do macaco gordo, tambem conhecido como "quebra-galho". 

Mas chega de problemas. Temos pela frente as festas de final de ano, verãozão e o carnaval. A anomalia passa a ser normal e tacitamente aceita como inexorável. Boa diversão.


sábado, 27 de outubro de 2012

Eleições, paixão e rancor





O país mais uma vez jogou nas urnas as intenções para traçar o futuro de várias cidades. Um jogo democrático, manhoso, às vezes inteligente, certamente melhor que qualquer ditadura.

As campanhas oficiais dos partidos no horário eleitoral gratuito, foram uma mescla de informação, entretenimento, demagogia e trocas de farpas mais ou menos delimitadas. Houve limites. Por outro lado, nas redes sociais, a informalidade, o humor e o rancor estiveram mais presentes. O problema é o rancor.

Recentemente, em um encontro cultural em São Paulo, um veterano historiador comentou que a população brasileira estava, em geral, mais rancorosa. Isso significa também mais violenta, cínica e ressentida. Isso ficou claro nos posicionamentos pretensamente políticos de várias pessoas, dos diversos partidos, ao longo da campanha de 2012.

Teve desde gente que afirmou a inexistência do mensalão (que existiu mesmo), ou a manipulação política do julgamento no STF (que também existiu), até quem afirmou que todos os políticos, militantes e eleitores do PT eram uns bandidos descarados. Em tentativa de represália alguns desenterraram os velhos argumentos contra a privatização do governo Fernando Henrique, como algo ruim para  o país; outros cantaram os louvores do PT e suas políticas inclusivas, como se isso fosse a essência da competência e probidade. Nos extremos de ambas opiniões reinou a insensatez e a corrosão do tecido político, da cidadania e da alteridade.

Uma grande diferença atual é que o mensalão foi julgado e condenado pelo STF. Mas isso abre espaço de exigência para que outros processos, como o chamado “mensalão mineiro” do PSDB, também passe pelo mesmo crivo do judiciário, da mídia e da opinião pública. O ex-presidente Lula não foi incluído no rolo do processo, pelo mesmo motivo que não se falou mais de como Fernando Henrique conseguiu os votos do legislativo para a reeleição presidencial que possibilitou seu segundo governo. Fernando Collor foi absolvido de todas as acusações da época de seu governo. Preserva-se as figuras dos presidentes.
 

Algumas coisas são particularmente nefastas no Brasil: corrupção, impunidade, demagogia e hipocrisia. Necessariamente, para mim, nessa ordem.  A mescla desses ingredientes gera ressentimentos, má-fé, pusilanimidades e os já citados rancores.

Algumas raivas e indignações são muito justas e necessárias. Mas os ressentimentos são o que de pior uma sociedade pode destilar em sua cultura e estilo de vida.  Ao meu ver, uma parte desse ressentimento de parte da classe média e de parte das classes populares deve-se a uma frustração sócio-econômica cultural. Algumas pessoas não admitem os avanços sociais, as políticas de inclusão, o sistema de benefício para alguns segmentos (negros, idosos, pobres em geral, minorias sexuais ou culturais) e sentem que seus antigos – e parcos – privilégios hoje são compartilhados por parte dos antigos excluídos. Estou a falar de automóveis, casas, alimentos mais sofisticados, eletrônicos e outros produtos e serviços de consumo que o crescimento da economia, a melhor divisão de renda e o crédito proporcionam à parte da população, pois a pobreza ainda é uma realidade degradante no país.

Falou-se muitas mentiras ou distorceram fatos nas últimas campanhas, tentando generalizações superficiais e grosseiras. Os reais problemas do país não foram devidamente tratados e analisados: problemas de infra-estrutura, a crise aérea, a necessidade de reformas políticas, fiscais e jurídicas. Navega-se nas margens de um populismo carregado de emoções e rancores. Fica-se à tona das causas dos problemas mas não se vai ao fundo das causas e prováveis soluções.


A educação, a segurança pública, a saúde são vistas como vitrinas que precisam apenas de reformas, ou uma “repaginação”, mas não se analisam radicalmente os produtos ou serviços que estão atrás dessas vitrinas, já tão manchadas pelo descaso e pela poluição.

A mídia brasileira, como a mídia global, em geral, nivela por baixo o nível de análise e nega uma reflexão concreta sobre os problemas da sociedade. Essa promiscuidade midiática alia-se ao descaso para com o ensino publico, obrigatório e gratuito. A sociedade em geral não está nem aí com a educação (ou a fala dela) que é jogada displicentemente às novas gerações. 

Do rancor parte-se para a violência, o cinismo, a indiferença. Sem contar as tentativas patéticas de alguns religiosos em querer impor seus dogmas, preconceitos e depravações à sociedade como um todo. Felizmente as pessoas tem reagido contra essas tentativas espúrias de contaminar ainda mais o tecido democrático com proposições religiosas, em geral hipócritas, estúpidas e nefastas.

Enquanto isso os cenários globais (e locais) vão se alternando rapidamente, turbinados pelas novas tecnologias e por configurações sociais e culturais emergentes. A aldeia global fragmenta-se, revolta-se, alterna-se e muda, como os mares imaginários do planeta Solaris, retratado no livro de ficção científica de Stanislaw Lem, a única citação bibliográfica que faço neste post.

Mas uma eleição, mesmo com baixo nível de discussão é melhor que uma ditadura com alto nível de propaganda oficial. A democracia é melhor que o autoritarismo. A discussão livre vale mais que uma censura, também geralmente obtusa e retrógrada.

Boas eleições, felicidades aos eleitos(as) e que todos cobremos as maravilhosas promessas feitas nas campanhas.

 

sábado, 20 de outubro de 2012

Crise aérea e incompetência continuam – a vez de Viracopos




O problema maior de uma crise é que ela não surge apenas de carências materiais ou de falhas operacionais. A questão de fundo é geralmente o despreparo profissional e a falta de uma mentalidade melhor elaborada, em termos de compreensão real das necessidades e possibilidades de uma determinada situação, para solucionar uma crise.

Uma grande operação exige planejamento tático e estratégico, manutenção constante dos equipamentos, atualização permanente das condições materiais, treinamento, capacidade de atuar sinergicamente com os vários envolvidos em um problema. Além de articulação ágil para se conseguir essa sinergia. Isso ainda não existe no sistema controlador da aviação comercial brasileira, que envolve atores do setor público (Infraero, ANAC etc.), associações profissionais e as empresas aéreas privadas, são concessionárias do governo. Sem contar seus inúmeros fornecedores, públicos e privados: combustível, catering, manutenção, transporte  de bagagens, passageiros e tripulações pelos aeroportos, comunicações, segurança, saúde, alfândega, migração, atividades de apoio nos aeroportos.

No caso da aviação comercial, o setor é altamente regulamentado, pois exige padrões de segurança operacionais bastante elevados. As falhas que não são contornadas ou resolvidas adequadamente podem provocar mortes e destruição. Porém as situações imprevistas acontecem e às vezes, um pequeno incidente – ou acidente sem consequências imediatas – pode se transformar num imenso transtorno com elevados prejuízos.

Foi o que aconteceu semana passada no aeroporto e Viracopos, em Campinas (SP). Um avião cargueiro MD-11 da Centurion, uma empresa norte-americana, teve seu trem de pouso danificado em função do estouro de um pneu, ao aterrisar no aeroporto. A aeronave ficou parada, sem condições de ser rebocada, em uma das extremidades da pista, mas deixava ainda 2.500 metros livres. Tudo começou no início da noite do dia 13 de outubro. Das 19h55 de sábado até às 16h20 da segunda-feira, tempo que o aeroporto ficou fechado, foram cancelados 512 voos e cerca de 27 mil passageiros ficaram no chão ou sem poder chegar ao destino. A Azul, empresa que utiliza o aeroporto como seu hub principal, ficou com 15 aviões “encalhados” no solo. Os irresponsáveis pela gestão do aeroporto calcularam os prejuízos em R$ 3 milhões. A Azul calcula o desastre operacional em R$ 20 milhões.

Porque irresponsáveis?

Os jatos da Azul são fabricados pela Embraer e decolam em pistas de 1.500 metros. A pista de Viracopos, com 3.240 metros, tinha ainda uma área de escape de 700 metros para possibilitar pousos e decolagens com segurança, segundo estudos feitos pela Azul. A pista do aeroporto de Congonhas, em São Paulo, tem 1.700 metros e a do aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, tem 1.443 metros, uma ponte em uma das extremidades (a ponte Rio-Niterói) e uma pedra de 400 metros de altura (o Pão de Açúcar) bem na frente da outra extremidade da pista e os jatos decolam normalmente. A empresa Azul informou a Infraero e a ANAC sobre isso, pediu autorização para executar os vôos com essa margem de segurança e foram ignorados pelas autoridades. Sequer tiveram respostas para suas solicitações. Tivemos um descaso irresponsável e criminoso por parte das autoridades aeroportuárias.

Esse é o problema das mentalidades. Durante décadas o controle da aviação comercial brasileira ficou nas mãos dos militares da Aeronáutica, que não tem, nunca tiveram, competência para gerir a complexidade de tal sistema. Nenhuma aeronáutica do mundo tem essa competência, tanto é que, no mundo inteiro, os sistemas são administrados especialmente pela iniciativa privada e fiscalizados – aí sim – por órgãos oficiais. No Brasil, a mudança de tal absurdo administrativo é muito recente. Éramos uma das últimas aberrações do planeta, junto com a Somália, Uruguai e Argentina, países que ainda tinham os militares mandando na malha área civil.

Ainda impera a mentalidade autoritária retrógrada e nefasta dos militares da aeronáutica que, no setor militar, sequer possuem caças decentes para operar nos céus brasileiros. Trabalha com equipamentos obsoletos, não se envolvem em guerras há décadas (o que é ótimo), mas também não possuem agilidade para gerenciar crises e atender as emergências de um sistema que hoje, em 2012, tornou-se maior, mais sofisticado e complexo do que nos últimos anos graças ao desenvolvimento do país.

Existe apenas UM equipamento para atender esses casos. É o recovery kit air, pertencente à TAM e fica sediado em sua base de manutenção em São Carlos (SP). Custa cerca de R$ 4 milhões, valor que vários aeroportos podem pagar para ter com reserva em caso de necessidade. Mas não têm. Isso significa que qualquer problema desse tipo, em algum aeroporto deste país continental, depende de UM equipamento privado sediado no interior do estado de São Paulo.

Mas o pior nesse caso, ocorrido em outubro de 2012, foi a falta de coordenação entre a ANAC e Infraero para viabilizar a alternativa solicitada pela Azul com respaldo da Embraer, a fabricante dos jatos. Milhões de reais em prejuízos, 500 voos cancelados, quase 30 mil pessoas prejudicadas porque uns burocratas presunçosos e incompetentes se recusam a avaliar uma alternativa feita por uma empresa privada.

O agravante, que poucas pessoas sabem, é que essas autoridades foram fiscalizar e pressionar a Azul para que ela atendesse os passageiros e os transferisse para outros voos. Como se reacomodar 500 voos, num final de semana com feriado, quando a ocupação é altíssima, fosse fácil. E num aeroporto a 90 km. da capital e de ouros hubs. Aí já se avança de uma incompetência pública para uma perversão administrativa de má-fé para com a companhia aérea e ignorando solenemente os passageiros. Não resolvem o problema, ignoram a solução proposta pela Azul e pressionam a companhia em uma data difícil, por ser final de feriado prolongado, para resolver algo que deveria ser anteriormente planejado ou resolvido emergencialmente,

É esse preconceito estúpido que ainda marca, graças aos anos de autoritarismo militar e as falhas dos sucessivos governos civis, a gestão da malha aérea civil brasileira.

Esse é o cerne de nossa crise aérea e de outros problemas nacionais. Mentalidade retrógrada, ao lado da falta de educação e cidadania.

Luiz Gonzaga Godoi Trigo

Alguns links com matérias a respeito:





domingo, 14 de outubro de 2012

Mais um dia do professor(a)






De vez em quando, especialmente no dia dos professores, aparecem palavras e pensamentos bonitinhos sobre educação, escolas e os educadores. A mídia, as redes sociais, os políticos, as escolas, todos gostam de defender e apoiar, de alguma forma, a educação e os educadores(as). Mas essa aparência corresponde à realidade nacional?

Claro que educação é importante. É fundamental para formar melhores cidadãos, profissionais, empreendedores e todo tipo de pessoas, além de viabilizar uma sociedade também mais justa e desenvolvida, pelo menos em teoria. Todo tipo de relatório, político, corporativo ou social, enaltece as virtudes e vantagens da Paidéia, do processo pedagógico para aprimorar a cultura e a civilização. Todo esse processo didático-pedagógico depende dos profissionais da área. Aí entram o(a)s homenageados(as), que são as estrelas locais do 15 de outubro, o dia do professor(a), no Brasil.

Para percebermos a importância disso, pensemos sobre os educadores. Pense nos seus professores. Alguns surgem rapidamente na memória, são os (as) que marcaram sua infância e sua adolescência, até mesmo a juventude. Tenho na minha memória, muito claramente, todas (os) que influenciaram minha educação, no bom e no mau sentido. Um desses mestres, o Régis de Moraes, foi meu professor de filosofia na PUC-Campinas e depois meu orientador de doutorado na Unicamp, além de responsável pelo primeiro texto que publiquei. Ele organizou um livro chamado Sala de aula – que espaço é esse?, lançado pela editora Papirus, em 1986. Está na 22ª edição. Eu era estudante de filosofia e escrevi realmente o que pensava em um capítulo do livro onde todos os outros autores(as) já eram experientes educadores. Hoje, como professor, assinaria o texto com a mesma convicção.

Acho que vale reproduzir alguns dos últimos parágrafos.

“A escola pode construir relacionamentos humanos profundos, integrais e duradouros. Relacionamentos que envolvam a pessoa humana em toda a sua potencialidade, em sua riqueza de experiências, que propiciem o enriquecimento mútuo e o crescimento dentro de suas paredes, entre professores e alunos ou entre os colegas. 

Porém às vezes a escola trouxe relacionamentos lastimáveis, destrutivos e plenos de amarguras, personalidades truncadas e doentias, laços tão repletos de ódio e rancor que comprometeram futuros relacionamentos.

Na letra da música de Pink Floyd, temos exatamente o que não se quer em uma escola. Não se quer educação com controle mental, que significa livros escolares medíocres e censurados, aulas expositivas com restrições a apartes dos alunos e cerceamento de comportamento. Não se quer sarcasmos por parte dos educadores que vêem o aluno como um inferior, destinado exclusivamente a receber as informações, cimos e estivesse fazendo um favor à plebe ignara. Marilyn Fergunson, em ‘The Aquarian Copnspiracy’ escreve sobre novos conceitos de educação, onde a ênfase no contexto e no processo devem substituir os velhos esquemas das escolas. Uma educação flexível, não autoritária, participativa, integrada em grupos de idades diferentes para maior troca de experiências. A educação como processo criativo e integral, não apenas livresco ou explanado em salas, mas vivido pela vida afora, além dos muros das escolas, não desprezando, contudo, seus bancos e professores.”  (Trigo, 1986, p. 80).

A realidade educacional brasileira mudou ao longo desses anos, melhorou um pouco, mas de forma bastante desigual pelo país. Porém, no geral, os índices de aproveitamento educacional ainda são muito baixos e o Brasil continua nos últimos lugares nos rankings internacionais (como o PISA, por exemplo). Um dos problemas é que, na verdade, a sociedade civil não dá a devida importância à cultura e à educação. Basta ver os salários baixíssimos dos professores e como as pessoas (pais, familiares, autoridades, políticos) não os respeitam. Não há uma movimentação eficiente e responsável da sociedade civil para garantir uma melhoria consistente do sistema educacional. A valorização da cultura existe em alguns lugares e ocasiões, mas o grande fluxo cultural acontece na superficialidade dos meios de comunicação privados e na cova rasa do entretenimento fácil e simplista. A cultura é frágil e a educação tornou-se um simulacro cujos rótulos valem mais do que seus parcos conteúdos. Fala-se um pouco, faz-se quase nada. As boas escolas são ilhas excepcionais em um oceano de mediocridade e carências de todo tipo.

Os resultados finais são a baixa produtividade dos nossos profissionais; a falta de mão-de-obra altamente qualificada em vários setores, especialmente quando envolve processos mais complexos ou alta tecnologia; uma alienação social no que se refere a deveres e responsabilidades da cidadania; uma despolitização profunda; uma série de relações que oscilam entre o cinismo, o rancor ou a indiferença, tudo o que não deve existir em uma sociedade ou, no que seria ideal, em uma comunidade.

Para mudar essa realidade a educação é importante e os professores, especialmente os de ensino fundamental e médio, são indispensáveis. Qualquer país só se desenvolve plenamente quando estrutura seu  ensino público básico e  gratuito com elevada qualidade.   

Esse é o nosso desafio, dos professores e da sociedade civil em geral. Isso, se queremos um país melhor; se pensamos, responsavelmente, nas novas gerações; se almejamos uma velhice com melhor qualidade de vida e respeito por parte dessa sociedade.

Então, um ótimo dia dos professores para meus colegas, alunos e para todos que se importam com uma das vertentes essenciais da humanidade que é a educação.

Enfim, adoro minha profissão e vocação. Considero-me  razoavelmente realizado na minha carreira acadêmica. Tenho orgulho das minhas escolhas e dos meus trabalhos. Acredito que fazemos a diferença e que podemos contribuir de alguma forma para sociedade. O conhecimento será, cada vez mais, a principal fonte das benesses, riquezas e poderes das sociedades atuais.


Luiz Gonzaga Godoi Trigo